STJ Mar25 - Crime Tributário - Absolvição - Ausência de Dolo - Condenação com Base Exclusiva em Ser Sócio Empresarial
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXX SEBERINO contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA assim ementado:
"APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 2º, INC. II, DA LEI N. 8.137/90 C/C O ART. 71, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. MÉRITO. PLEITO ABSOLUTÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS. SANÇÃO RESULTANTE DA PRÁTICA DE COMPORTAMENTO LEGALMENTE DEFINIDO COMO CRIME. LEVANTAMENTO FISCAL QUE É SUFICIENTE PARA ATESTAR A MATERIALIDADE DO CRIME. APELANTE QUE FIGURA COMO SÓCIO-ADMINISTRADOR NO QUADRO SOCIAL DA EMPRESA. DOMÍNIO DO FATO. CONDIÇÃO DE ADMINISTRADOR ISOLADO DA EMPRESA QUE LHE IMPÕE A OBRIGAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO E ATUAÇÃO NOS DITAMES DA LEGISLAÇÃO FISCAL PERTINENTE. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO PELA DEFESA DE QUE NÃO EXERCIA RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DA EMPRESA, ÔNUS QUE LHE INCUMBIA POR FORÇA DO ART. 156 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUTORIA VERIFICADA. ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA POR AUSÊNCIA DE DOLO. TESE QUE NÃO PROCEDE. CONTUMÁCIA DELITIVA E DOLO DE APROPRIAÇÃO, NOS TERMOS FIXADOS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, IGUALMENTE CONFIGURADOS. APELANTE QUE, ENQUANTO GESTOR DA EMPRESA CONTRIBUINTE, DEIXOU DE RECOLHER O ICMS PRÓPRIO POR ALARGADO PERÍODO DE TEMPO. CONTUMÁCIA DA CONDUTA COMPROVADA E QUE REVELA O DOLO DE APROPRIAÇÃO. DOLO EVIDENCIADO, TAMBÉM, NA OMISSÃO DO RECORRENTE EM PROCURAR CORRIGIR O REITERADO PREJUÍZO CAUSADO AO ERÁRIO. SUPOSTA INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA ORIUNDA DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. INADMISSIBILIDADE, NA ESPÉCIE. CONDENAÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA. PLEITO DE EXCLUSÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA EM RAZÃO DO RECONHECIMENTO DO CRIME ÚNICO. NÃO ACOLHIMENTO. FRAUDE TRIBUTÁRIA QUE SE CONSUMOU POR 8 (OITO) MESES DO ANO DE 2020. MULTIPLICIDADE DE CONDUTAS QUE SE PERFECTIBILIZAM COMO CRIMES SEMELHANTES PELAS CONDIÇÕES DE TEMPO, LUGAR E MANEIRA DE EXECUÇÃO. ART. 71 DO CÓDIGO PENAL CORRETAMENTE APLICADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO."
A defesa requer a concessão da ordem para "d.1) absolver o PACIENTE, em virtude da atipicidade formal da conduta (CPP, art. 386, III) de deixar de recolher ICMS sem 'contumácia' e 'dolo de apropriação'; d.2) subsidiariamente, reconhecer a existência de crime único, afastando a exasperação da pena relativa à continuidade delitiva, com a redução das penas para 6 meses de detenção e 10 dias-multa" (e-STJ fls. 3-14). A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 305-306). As informações foram prestadas (e-STJ fls. 313-353). O Ministério Público Federal manifestou-se pelo "não conhecimento do writ mas a concessão da ordem, de ofício, para absolver o paciente, com fundamento no artigo 397, III, do CPP, pela atipicidade formal da conduta" (e-STJ fls. 355-361).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, saliento que "a Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 921.445/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 6/9/2024).
Não obstante, o parágrafo único do art. 647-A do CPP admite a concessão de ordem de habeas corpus de ofício pelo tribunal, "ainda que não conhecidos a ação ou o recurso em que veiculado o pedido de cessação de coação ilegal", quando verificada violação ao ordenamento jurídico que implique restrição à liberdade de locomoção, como ocorre no presente caso.
Com efeito, "a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC n. 399.109/SC, pacificou o entendimento de que o não recolhimento do ICMS em operações próprias é fato típico (HC n. 399.109/SC, Rel. Ministro JOEL ILAN PARCIONIK, Terceira Seção, julgado em 22/8/2018, DJe de 12/9/2018).
Com efeito, a Suprema Corte, em apreciação do RHC n. 163.334/SC, fixou a seguinte tese a respeito da tipicidade do delito previsto no art. 2.º, II, da Lei n. 8.137/1990:
'O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990'. (...) Como se vê, o referido precedente da Suprema Corte reforça a jurisprudência desta Corte a respeito da tipicidade do não recolhimento de ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, porém acrescenta duas novas condições para a caracterização do delito: a) prática contumaz e b) dolo de apropriação" (AgRg no AREsp n. 2.644.472/SC, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024, grifei). A questão foi muito bem analisada no parecer do Ministério Público Federal, cujos fundamentos abaixo adoto como razões de decidir (e-STJ fls. 360-361): No caso concreto, a denúncia não faz referência a fraude, pelo contrário, remeteu às notificações fiscais e à circunstância de a empresa ter lançado como devido por ela, empresa, e não pelos compradores das mercadorias, o tributo que deixou de recolher, sendo que o caso não é de uma ação de natureza penal, porque não se trata de conduta típica, mas de executivo fiscal, nos termos da Lei 6830/80. Por fim, cumpre salientar que inclusive o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no ARE 999.425 RG/SC, em 03.03.2017, publicado no DJE de 16/03/2017, havia se manifestado no sentido de que “as condutas tipificadas na Lei 8.137/1990 não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis. Não se trata de punir a inadimplência do contribuinte, ou seja, apenas a dívida com o Fisco”. Assim, deve ser afastada a tipicidade do delito em questão, diante da ocorrência de mero inadimplemento do ICMS devido. Portanto, mostra-se descabida a punição criminal de mera infração administrativo-tributária.
De fato, depreende-se da leitura do acórdão hostilizado que o paciente foi condenado basicamente porque "o seu nome estava como sócio-administrador da empresa à época dos fatos" (e-STJ fl. 289), numa espécie de responsabilização penal objetiva, já que não há qualquer menção ao elemento subjetivo do tipo penal, e tampouco restou comprovado o dolo de apropriação, como exigido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus mas concedo a ordem de ofício, para absolver o paciente MARCELO RAMIRO SEBERINO pelos fatos imputados na denúncia, com fulcro no art. 386, III, do Código de Processo Penal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
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