STJ Mar25 - Execução Penal - Anulação de Falta Grave :"conduta de terceiro - pessoa cadastrada em seu rol de visitas tenha trazido drogas à unidade prisional - aplicação do princípio da intranscendência pena"

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em favor de LUCASXXXXXXX, no qual aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao agravo em execução defensivo, nos termos do acórdão não ementado de e-STJ, fls. 91-94.

Neste writ, o impetrante alega constrangimento ilegal sofrido pelo paciente em decorrência da homologação de falta grave em seu desfavor, com base em conduta de terceiro. Assevera que o apenado não deve ser responsável pelo fato de que pessoa cadastrada em seu rol de visitas tenha trazido drogas à unidade prisional, cabendo a aplicação do princípio da intranscendência penal. Ressalta que o paciente não tinha ciência de que sua amásia tentaria entrar no estabelecimento com os entorpecentes, de modo que não há como lhe imputar qualquer conduta típica. Requer, inclusive liminarmente, a absolvição da falta grave, com a retificação do cálculo de penas do paciente.

É o relatório. Decido.

Esta Corte - HC n. 535.063/SP, Terceira Seção, relator Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020, DJe de 25/8/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC n. 180.365/PB, Primeira Turma, relatora Ministra Rosa Weber, julgado em 27/3/2020, DJe de 2/4/2020; AgRg no HC n. 147.210/SP, Segunda Turma, relator Ministro Edson Fachin, julgado em 30/10/2018, DJe de 20/2/2020 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

O Tribunal de origem manteve a homologação da falta grave considerando o seguinte:

"O reeducando foi condenado por ter infringido o disposto no artigo 52 “caput” da Lei nº 7.210/84. E, ainda que tenha negado a imputação que pende sobre ele (fl. 42), é dos autos que, em procedimento disciplinar de apuração de falta grave, os depoimentos coesos e harmônicos dos agentes penitenciários dão conta de que, no dia 12.05.2024, durante visita ao sentenciado, sua companheira, Djeane Stefany Amorim dos Santos, tentou ingressar no interior da unidade prisional com um invólucro contendo cocaína e substância análoga a LSD, ocultado no interior da genitália (fl. 38). Saliente-se que idôneas as testemunhas, a exemplo do que se tem argumentado em relação aos depoimentos de policiais. [...] Nesse contexto, não há que se duvidar das palavras dos agentes do Estado, até porque assegurados os direitos do preso, que foi interrogado na presença de advogados da Funap (fl. 42), e ausentes indícios de falsa incriminação de inocente, descabendo falar-se em absolvição ou desclassificação. Realmente, a conduta do acusado caracteriza falta grave, nos termos do artigo 52 'caput' da Lei nº 7.210/84, demonstrando, o preso, rebeldia e insubordinação, condutas inaceitáveis no ambiente carcerário, que exige extrema disciplina para garantir a estabilidade do local. O quadro que se instala diante da afronta de um preso à ordem, disciplina e segurança do sistema é de extrema gravidade, o que foi efetivamente comprovado, não se tratando de mera presunção, bem fundamentando, as circunstâncias concretas, a perda dos dias remidos no máximo legal previsto." (e-STJ, fls. 93-94).

In casu, à míngua de elementos concretos, não ficou provada a prática de nenhum ato material pelo paciente. O fato de sua companheira ter sido surpreendida na posse de substância entorpecente, quando ingressava na unidade prisional para visita, e a simples suspeita de que ele teria sido o solicitante, por ela se encontrar em seu rol de pessoas listadas para visitação, não são suficientes para afirmar que o reeducando tenha praticado a falta grave.

Com efeito, esta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que, em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada a autoria do reeducando, através de elementos concretos.

A propósito:

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. FLAGRANTE ILEGALIDADE VERIFICADA DE PLANO SEM A NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE IMPUTADA AO REEDUCANDO POR ATO DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA PENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O SENTENCIADO TERIA CONCORRIDO PARA A CONDUTA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Não se desconhece o posicionamento desse Corte Superior, no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. Ocorre que, no caso, constatou-se a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado, motivo pelo qual a ordem de habeas corpus foi concedida de ofício. 2. Conforme se depreende, a visitante do apenado foi surpreendida na posse droga no momento em que passava pelo scanner, para entrar no estabelecimento prisional. Devido à atuação dos funcionários, a droga nem sequer chegou às mãos do apenado, que negou qualquer envolvimento com o fato. 3. Ao contrário do alegado pelo agravante, o exame do writ não exigiu o revolvimento de fatos e provas dos autos, pois, da mera leitura do acórdão proferido pelo Tribunal de origem, depreende-se, na linha de precedentes desta Corte, que elementos revelam-se insuficientes para a caracterização da falta grave em questão, na medida em que não evidenciam, com a segurança necessária, a concreta participação ou colaboração do reeducando para a consumação da conduta vedada, efetivamente praticada por terceira pessoa. 4. Esta Corte Superior de Justiça entende que, em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada a autoria do reeducando, através de elementos concretos. Precedentes. 5. Agravo regimental não provido." (AgRg no HC n. 911.551/SP, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo (Desembargador Convocado do TJSP), Sexta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 6/9/2024.) "PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE IMPUTADA AO REEDUCANDO POR ATO DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA PENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O PACIENTE TERIA CONCORRIDO PARA A CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ, as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus. 2. 'O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta' (AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019). 3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes. 4. Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que, em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada sua autoria, através de elementos concretos. 5. In casu, à míngua de elementos concretos, não ficou provada a prática de nenhum ato material pelo paciente. O fato de ser sua companheira a portadora dos componentes de celular e a simples suspeita de que ele teria sido o solicitante de tais peças não são suficientes para afirmar a prática da falta grave. É de se considerar, ainda, que os objetos sequer adentraram a unidade prisional e não estiveram na posse do reeducando. 6. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC n. 752.202/SP, deste relator, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022).

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para absolver o sentenciado da prática de falta grave. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor dessa decisão ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Juízo da Execução. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 985254 - SP (2025/0068431-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 10/03/2025)

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