STJ Mar25 - Execução Penal - Nulidade de Falta Grave - Envio de Celular Por Terceiro em Estabelecimento Prisional "princípio da intranscendência das penas na medida em que culpa o reeducando pela conduta do remetente"

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de JOÃO XXXXX apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (Agravo em Execução n. 1.0301.15.008902-9/002).

Depreende-se dos autos que o paciente teve contra ele homologada judicialmente a prática de falta disciplinar de natureza grave, decorrente da posse de aparelho telefônico no interior do estabelecimento prisional (e-STJ fls. 18/21).

Interposto agravo em execução, o Tribunal de origem negou provimento ao recurso, nos termos do acórdão assim ementado (e-STJ fl. 11):

AGRAVO EM EXECUÇÃO – FALTA GRAVE – POSSE DE INSTRUMENTO PROIBIDO – POSSE DE APARELHO TELEFÔNICO – DEPOIMENTO DOS AGENTES PENINTENCIARIOS – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – INFRAÇÃO DISCIPLINAR RECONHECIDA – APLICAÇÃO DAS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS – CABIMENTO – 1. Comete falta grave aquele que tiver em sua posse, utilizar ou fornecer, aparelho telefônico, de rádio ou similar que possibilite comunicação com outros presos ou com o ambiente externo, conforme estabelece artigo 50, inciso VII, da LEP. – 2. A palavra do agente público goza de presunção de veracidade, sendo de especial relevância para a apuração da falta grave, sobretudo quando alinhada às outras provas colhidas. – 3. Havendo provas de que o sentenciado mantinha posse de aparelho telefônico no interior da unidade prisional, é devido o reconhecimento das faltas graves, com a aplicação das sanções legais.

Na presente impetração, a defesa alega que "a aplicação da falta grave viola o princípio da intranscendência das penas na medida em que culpa o reeducando pela conduta do remetente, sem ocupar-se de comprovar o liame subjetivo entre ambos", pois "não há prova nos autos de que o reeducando tinha sequer conhecimento do conteúdo daquilo que lhe foi enviado de maneira que não se pode afirmar sua participação intelectual no ato" (e-STJ fl. 6).

Diante dessas considerações, requer a absolvição da falta grave. É o relatório. Decido. No caso dos autos, o Tribunal de origem negou provimento ao agravo em execução defensivo com base nos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 13/15):

Cinge-se a controvérsia à configuração de falta disciplinar de natureza grave, consistente na posse de aparelho telefônico no interior da unidade prisional, praticada em 25.10.2023. O Comunicado Interno de (sequencial 353.1 – SEEU) relata que, durante inspeção de uma televisão enviada por Sedex para a unidade prisional, foram encontrados em seu interior dois celulares da marca Samsung, dois chips da operadora Vivo e dois cabos USB (cortados). Segundo o policial William Rodrigues de Freitas, a televisão foi despachada por Sedex e tinha como destinatário o apenado João Victor Rodrigues, que atualmente cumpre pena em regime fechado na cela 40 do pavilhão II. Conforme informações presentes no pacote, a postagem foi realizada em 10/10/2023, na agência dos Correios de Governador Valadares-MG, com o código de rastreamento OV515146120BR, e, aparentemente, foi enviada por Camila Silva Rodrigues Borges, irmã do sentenciado. No decorrer do depoimento prestado pelo apenado na fase administrativa, este negou ser destinatário dos objetos e que desconhecia o envio do Sedex, muito embora teria declarado anteriormente ao agente penitenciário que a encomenda era sua (sequencial 355.1 - SEEU). Sobre os fatos foram ouvidos os agentes penitenciários Wiliam Rodrigues de Freitas e Edson Alberto Pascoal Sobrinho, que em seus depoimentos, confirmaram integralmente o conteúdo do Comunicado Interno, no sentido das informações prestadas por eles atribuírem ao reeducando a prática da falta grave, nos termos do comunicado de sequencial (353.1, p.14 e 15 - SEEU). Em a audiência de justificação, o reeducando confirmou a versão apresentada no procedimento administrativo, negando a propriedade da encomenda – Sedex. Declarou, ainda, que utilizaram o nome e o CPF de sua irmã, Camila Silva Rodrigues Borges, para enviar itens com o intuito de lhe causar prejuízos. Além disso, informou que o endereço indicado na embalagem do objeto entregue era diferente do verdadeiro endereço de sua irmã. (sequencial 363.1 - SEEU). O Juízo de origem reconheceu a prática da falta grave em desfavor do sentenciado. Colhe-se trecho da decisão recorrida, deste teor: [...] No caso dos autos, o sentenciado inicialmente reconheceu o remetente da televisão como sendo sua irmã, autorizou o seu recebimento, assumindo a inteira responsabilidade pelo seu conteúdo. Ademais, a alegação do sentenciado de remessa por terceiro para prejudicá-lo não me parece crível. Além de inexistir qualquer demonstração nos autos, não afigura razoável imaginar que alguém enviaria os dois telefones celulares em excelente estado de conservação, bem como petrechos para seu carregamento, com considerável zelo para que os materiais fossem recebidos de forma segura, escondidos dentro de uma televisão, tão somente para prejudicar o sentenciado. Por tais razões, RECONHEÇO A FALTA GRAVE cometida pelo reeducando, nos termos do artigo 118, inciso I, da Lei de Execução Penal. [...] Registra-se que a Lei de Execução Penal prevê no artigo 50, inciso VII comete falta aquele que: “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. Nesse contexto, não se afigura razoável, no caso em tela, desconsiderar o comunicado interno, o qual registra a conduta do sentenciado. A negativa de autoria do sentenciado encontra-se dissociada das declarações testemunhais prestadas pelos agentes públicos (sequencial 353.1, p.14-15 do SEEU) quanto aos fatos praticados em 25.10.2023. Considere-se que a palavra do agente público goza de presunção de veracidade, sendo de especial relevância para a apuração da falta grave. Consigne-se que o remetente do SEDEX sabia em qual cela e pavilhão o sentenciado se encontrava, sendo esta uma informação interna e fornecida a familiares/ conhecidos, como no caso de envio de encomendas. Portanto, não há qualquer comprovação nos registros do processo, nem é razoável supor que alguém enviaria dois celulares, em excelente condição, acompanhados dos acessórios necessários para o carregamento, com tanto cuidado para garantir que os itens fossem entregues sem danos, ocultos dentro de uma televisão, exclusivamente com a intenção de prejudicar o detento. Somado a isso, infere-se que a Defesa não produziu prova alguma capaz de refutar as informações contidas no comunicado interno. Dessa forma, não há que se falar em insuficiência do substrato probatório acerca da autoria e existência da infração disciplinar, sendo cabível a manutenção do reconhecimento da prática da falta grave.

A conclusão das instâncias ordinárias não merece prosperar. Esta Corte Superior tem o entendimento de que, "em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada a autoria do reeducando, através de elementos concretos" (HC n. 372.850/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe de 25/4/2017).

Em outras palavras, é possível a responsabilização do reeducando por fato praticado por terceiro, desde que sejam evidenciados indícios de participação na prática do ato, baseada em elementos concretos, e não apenas em meras presunções.

No caso, não há como se concluir de forma inequívoca que o paciente praticou falta grave. Com efeito, depreende-se dos autos que ele nem sequer manteve contato com o material que supostamente lhe teria sido enviado por sua irmã, porque o conteúdo da correspondência, uma televisão ocultando os objetos proibidos (dois telefones celulares e petrechos para seu carregamento), foi anteriormente inspecionado pelos agentes penitenciários.

Conclui-se, assim, que a responsabilização deu-se por meio de meras ilações, não sendo demonstrados, de maneira suficiente, os indícios da unidade de desígnios entre o paciente e a remetente da correspondência em relação ao fato. No mesmo sentido, os seguintes julgados, mutatis mutandis:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. CONHECIMENTO. FLAGRANTE ILEGALIDADE VERIFICADA DE PLANO SEM A NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE RECONHECIDA PELO TRIBUNAL A QUO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONCRETOS DE PARTICIPAÇÃO DO REEDUCANDO NO FATO ILÍCITO. ATO DE TERCEIRO. PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA PENAL. PRECEDENTES DESTA CORTE SUPERIOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 808.705/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 26/5/2023.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. RECONHECIMENTO DE FALTA GRAVE. MICROPONTOS DE ENTORPECENTE "LSD". CORRESPONDÊNCIA ENVIADA PELA MÃE DO AGRAVADO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CONCRETOS DE PARTICIPAÇÃO OU COLABORAÇÃO DO REEDUCANDO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. "Esta Corte Superior entende que, em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada sua autoria, através de elementos concretos" (AgRg no HC n. 740.321/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 14/6/2022). 2. No caso, o fato de os agentes penitenciários, ao revistarem a encomenda destinada ao agravado, terem encontrado, na capa de um livro enviado por sua mãe, "500 (quinhentos) micro pontos de suposto entorpecente aparentando ser 'LSD"", não evidencia, com a segurança necessária, a concreta participação ou colaboração do reeducando para a consumação da conduta vedada, efetivamente praticada por terceira pessoa. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 783.797/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato, Desembargador Convocado do TJDFT, Sexta Turma, julgado em 22/5/2023, DJe de 24/5/2023.) PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DA ORDEM SEM OPORTUNIDADE DE MANIFESTAÇÃO PRÉVIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE PROCESSUAL. HOMENAGEM AO PRINCÍPIO DA CELERIDADE E À GARANTIA DA EFETIVIDADE DAS DECISÕES JUDICIAIS. FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA GRAVE IMPUTADA AO REEDUCANDO POR ATO DE TERCEIRO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INTRANSCENDÊNCIA PENAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O PACIENTE TERIA CONCORRIDO PARA A CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Malgrado seja necessário, em regra, abrir prazo para a manifestação do Parquet antes do julgamento do writ, as disposições estabelecidas no art. 64, III, e 202, do Regimento Interno desta Corte, e no art. 1º do Decreto-lei n. 522/1969, não afastam do relator o poder de decidir monocraticamente o habeas corpus. 2. "O dispositivo regimental que prevê abertura de vista ao Ministério Público Federal antes do julgamento de mérito do habeas corpus impetrado nesta Corte (arts. 64, III, e 202, RISTJ) não retira do relator do feito a faculdade de decidir liminarmente a pretensão que se conforma com súmula ou jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça ou a confronta" (AgRg no HC 530.261/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 7/10/2019). 3. Para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica. Precedentes. 4. Com efeito, a jurisprudência deste Tribunal Superior firmou-se no sentido de que, em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada sua autoria, através de elementos concretos. 5. In casu, à míngua de elementos concretos, não ficou provada a prática de nenhum ato material pelo paciente. O fato de ser sua companheira a portadora dos componentes de celular e a simples suspeita de que ele teria sido o solicitante de tais peças não são suficientes para afirmar a prática da falta grave. É de se considerar, ainda, que os objetos sequer adentraram a unidade prisional e não estiveram na posse do reeducando. 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 752.202/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 13/9/2022.)

Ante o exposto, concedo a ordem para afastar a configuração da falta grave imputada ao ora paciente e, por conseguinte, os seus consectários. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 984926 - MG (2025/0066644-8) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 07/03/2025.)

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