STJ Mar25 - Tentativa de Estupro de Vulnerável - Pena de 4 anos - Regime Inicial Mais Grave Baseada na Gravidade do Abstrata do Crime - Ilegalidade - Réu Primário - Aplicado o Regime Aberto e Direito de Recorrer em Liberdade

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


EMENTA PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. REGIME INICIAL DE PENA EM FUNÇÃO DA QUANTIDADE DE REPRIMENDA APLICADA. CONCESSÃO DA ORDEM PARA FIXAR O REGIME INICIAL ABERTO.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de J. J. C. M. em que aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 4 anos de reclusão no regime inicial fechado como incurso nas sanções do art. 217-A, c/c os arts. 14, II, e 226, II, todos do Código Penal.

O impetrante sustenta que o regime inicial fechado teria sido fixado com base em fundamentos inidôneos, em ofensa às Súmulas n. 718 e 719 do STF e 440 do STJ.

Nesse sentido, argumenta que a quantidade de pena aplicada ao paciente e o fato de as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal lhe haverem sido consideradas favoráveis permitiriam o abrandamento do modo prisional. Requer, liminarmente, que sejam aplicadas medidas cautelares diversas da prisão em favor do paciente, até o julgamento definitivo deste writ.

No mérito, pugna pela concessão da ordem para fixar o regime prisional aberto. Indeferida a liminar (fls. 45-46) e prestadas as informações (fls. 49-50; 89-90), manifestou-se o Ministério Público Federal pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 95-98).

É o relatório.

Inicialmente, a despeito do não cabimento deste writ, utilizado como substituto de recurso próprio, procedo à análise do feito, a fim de verificar a ocorrência de eventual constrangimento ilegal. A Corte de origem, ao examinar a dosimetria da pena, assim decidiu (fls. 77-78):

“Na primeira fase, considerando que as circunstâncias, motivação e consequências do delito, embora reprováveis e revestidas de inquestionável gravidade, não extrapolam o que ordinariamente se observa em casos tais e, em verdade, constituem elementares do tipo penal, as penas permanecem no mínimo, tendo-se oito (8) anos de reclusão. Na segunda fase, a pena não sofre alteração, a despeito da confissão espontânea, pois tal circunstância não tem o condão de conduzir a reprimenda aquém do mínimo legal nesta etapa (Súmula 231, ESTJ). A previsão do artigo 65 do Código Penal não autoriza a fixação das penas intermediárias abaixo do piso unicamente em razão da menção à palavra “sempre”, sendo de rigor a necessidade de interpretação sistemática do dispositivo em estudo. Nesse sentido, aliás, é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a existência de repercussão geral sobre a matéria: “Agravo regimental no recurso extraordinário. 2. Penal e Processual Penal. 3. Roubo circunstanciado com concurso de agentes. 4. Dosimetria da pena. 5. Alegação de direito à redução da pena-base aquém do mínimo legal ante a atenuante da confissão espontânea. Inadmissibilidade. 6. Jurisprudência reafirmada desta Corte e repercussão geral reconhecida. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal. Precedente: RE 597.270-QO-RG/RS, Rel. Min. Cezar Peluso. 7. Agravo improvido.” (RE 1269051AgR - T2 - Segunda Turma - Relator Ministro Celso de Mello - Relator p/ Acórdão Ministro Gilmar Mendes - J. 20.10.2020 – DJe 18.11.2020). “AÇÃO PENAL. Sentença. Condenação. Pena privativa de liberdade. Fixação abaixo do mínimo legal. Inadmissibilidade. Existência apenas de atenuante ou atenuantes genéricas, não de causa especial de redução. Aplicação da pena mínima. Jurisprudência reafirmada, repercussão geral reconhecida e recurso extraordinário improvido. Aplicação do art. 543-B, § 3º, do CPC. Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal.” (RE 597270 QO-RG - Tribunal Pleno - Relator Ministro Cézar Peluso - J. 26.3.2009 - REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe 4.6.2009) (Tese fixada no julgamento do Tema 158 da Repercussão Geral: Circunstância atenuante genérica não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal).” Na terceira fase, em razão do disposto no art. 226, inc. II, do Código Penal (o apelante era padrasto da vítima), há aumento de 1/2, tendo-se doze (12) anos de reclusão. A seguir, pela tentativa, diminui-se de 2/3, porque o crime estava bem no início da consumação, pois o apelante passou a mão na região íntima da vítima, não realizando outro ato mais íntimo, tendo-se quatro (4) anos de reclusão.

Em relação a dosimetria da pena, de acordo com os critérios norteadores do artigo 59 do Código Penal, na primeira fase, a pena foi fixada no patamar mínimo. Na segunda fase, ausentes circunstâncias agravantes e atenuantes, a reprimenda foi mantida no seu patamar mínimo, a despeito da confissão (Súmula 231, STJ).

Na terceira fase, houve aumento de 1/2, tendo-se doze (12) anos de reclusão. A seguir, pela tentativa, diminuiu-se de 2/3, porque o crime estava no início da consumação, tendo o apelante passado a mão na região íntima da vítima, não realizando outro ato mais íntimo.

Assim, a reprimenda se consolidou em patamar inferior ao mínimo, qual seja, em 04 (quatro) anos de reclusão. O Tribunal de origem apresentou a seguinte fundamentação para fixar o regime inicial fechado (fls. 79-80):

“Nada obstante, o regime da pena corporal pode ser mantido, inicial fechado. Para fixação do regime inicial de cumprimento de pena, leva-se em conta a) previsão legal impondo regime inicial; b) quantidade da pena imposta; c) reincidência; d) circunstâncias judiciais do art. 59 do CP; e) gravidade concreta da execução do crime e, por fim, f) a periculosidade à sociedade. O apelante é primário e não tem antecedentes criminais (fls. 144/145), mas apesar disso e, mesmo diante do reconhecimento da tentativa e da consequente redução de sua pena, é necessário ter cautela na fixação do regime inicial. Ele cometeu crime extremamente grave contra a liberdade sexual de sua enteada que, à época, contava apenas com oito anos de idade. Esse panorama deixa patente, pois, a periculosidade do apelante, sendo prejudicial à sociedade. Mas não é só isso. Há um outro fator igualmente importante. O apelante tinha ciência de seu transtorno de personalidade (pedofilia) e buscou ajuda médica, desejou ser tratado, sendo nítido, em suas palavras, o embate interior para evitar a realização de condutas mais graves, ao menos contra sua enteada e filhos. O tratamento médico, bem como a intervenção do Conselho Tutelar provavelmente evitaram um mal maior. Todavia, pelos textos escritos por ele próprio e registrados no notebook periciado, manter-se o regime inicial de segregação plena é medida que se impõe até mesmo para proteção da pequena vítima, senão vejamos: (…) Pode o juiz determinar o cumprimento inicial da pena em regime fechado, tendo em vista a periculosidade do agente na prática do crime, uma vez que a concessão de regime mais brando é mera faculdade conferida ao julgador, conforme interpretação do art. 33, § 2º, b, do CP (STJ, Resp 164.852-SP, 6ª T, j. 9.6.98, Rel. Min. Anselmo Santiago, in Revista dos Tribunais 759:584). Nestas condições, regime diverso esbarra na literalidade de norma legal (art. 33, §§ 2º e 3º, CP), como também não cumpre com sua função maior que é a prevenção da prática de novos crimes. Cabe invocar ensinamento do STF: “A determinação do regime inicial de cumprimento da pena não depende apenas das regras do caput do art. 33 e seu parágrafo 2º do Cód. penal, mas, também, de suas próprias ressalvas, conjugadas com o caput do art. 59 e inciso III (RHC 64.970). E deve ser feita, nos termos do parágrafo 3º do art. 33, com observância critérios previstos no art. 59.” (HC nº 70.289-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sidney Sanches, in RTJ,148:490). Dessa forma, retribui-se pela ação realizada; previne-se que não mais a cometa e outras infrações penais e ressocialize-se”.

Como se observa, a pena do paciente foi fixada em 4 anos de reclusão, sendo estabelecido o regime fechado apenas em razão da gravidade abstrata do crime e de elementos ínsitos ao próprio tipo penal.

Consoante a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, "a partir do julgamento do HC n. 111.840/ES, em 14/6/2012, pelo Supremo Tribunal Federal, a imposição do regime fechado aos condenados por crimes hediondos e a ele equiparados não mais consiste em decorrência lógica, de modo que deve o magistrado observar, também nesses casos, o que dispõem os arts. 33, §§ 2º e 3º, e 59, ambos do Código Penal" (HC n. 496.662/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 13/9/2022, DJe de 27/9/2022).

Nesse contexto, o estabelecimento de modo prisional mais gravoso ao réu primário, sem fundamento concreto, contraria o disposto nas Súmulas n. 440 do STJ e 718 e 719 do STF.

Desse modo, diante do quantum da pena estabelecido na origem, da primariedade do agente e da ausência de demonstração de circunstâncias concretas aptas a justificar a fixação de regime mais gravoso, cabível é a fixação do modo inicial aberto, consoante os arts. 33, § 2º, c, e 59 do Código Penal.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. FIXADO O REGIME FECHADO. HEDIONDEZ DO CRIME. FUNDAMENTO INIDÔNEO. RÉU PRIMÁRIO. PENA FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. CABIMENTO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. I. CASO EM EXAME 1. Habeas corpus impetrado contra acórdão que fixou o regime inicial fechado para o cumprimento de pena por estupro de vulnerável, mesmo sendo o paciente primário, sem antecedentes, e com a pena-base estabelecida no mínimo legal. A defesa requer a fixação de regime menos gravoso, considerando as circunstâncias judiciais favoráveis e a primariedade do réu. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em verificar a adequação do regime inicial fechado, imposto ao paciente primário, com pena fixada no mínimo legal, apenas com base na hediondez do delito. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, conforme orientação pacificada pelo STF e STJ. Contudo, é possível a concessão de ordem de ofício em casos de flagrante ilegalidade, conforme previsto nos arts. 647-A e 654, § 2º, do Código de Processo Penal. 4. A fixação de regime mais gravoso, com base apenas na gravidade abstrata do delito, é vedada, conforme Súmulas 718 e 719 do STF e Súmula 440 do STJ. A jurisprudência destas Cortes determina que, em casos de réu primário, com pena fixada no mínimo legal e circunstâncias judiciais favoráveis, o regime semiaberto é o mais adequado, mesmo tratando-se de crime hediondo. 5. No caso dos autos, a fixação do regime fechado foi justificada apenas pela hediondez do crime, o que configura fundamentação inidônea, considerando que o paciente é primário, sem antecedentes, e com pena estabelecida no mínimo legal. IV. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. CONCEDIDA A ORDEM DE OFÍCIO PARA FIXAR O REGIME INICIAL SEMIABERTO. (HC n. 932.166/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 29/10/2024.) EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. OMISSÃO DO JULGADO. INEXISTÊNCIA. 1. O aresto embargado não é omisso, porquanto contém ampla e suficiente fundamentação no sentido de que, na espécie, o regime fechado foi fixado com suporte tão somente na gravidade abstrata (hediondez) do crime de estupro de vulnerável, não tendo sido consideradas as particularidades do caso em si - isto é, não demonstrada a eventual gravidade concreta do delito cometido -, o que configura constrangimento ilegal ante a ausência de fundamentação idônea, nos termos da sólida jurisprudência dos Tribunais Superiores. 2. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no HC n. 707.104/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 8/3/2022, DJe de 15/3/2022.)

Consigno que, mesmo condenado, a juíza sentenciante concedeu ao réu o direito de recorrer em liberdade (fl. 25). Assim, como consectário da redução efetivada na pena do acusado (reconhecimento do crime tentado), deve ser feito o ajuste no regime inicial do seu cumprimento.

Considerando que ele foi condenado a uma pena no patamar de quatro anos, era primário ao tempo do delito, tinha bons antecedentes e foi beneficiado com a minorante prevista no art. 14, parágrafo único, do Código Penal em seu patamar máximo (2/3), deve ser fixado o regime inicial aberto. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, porém, concedo a ordem de ofício para fixar o regime inicial aberto, compatível com a quantidade de pena aplicada. Comunique-se. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 968171 - SP (2024/0474544-0) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 10/03/2025)

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