STJ Abr25 - Crimes Contra Ordem Tributária - Inquérito Trancado - Ferimento à SV 24 do STF

     Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por MARIO XXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região que denegou a ordem no habeas corpus impetrado para trancar o inquérito policial nº 2023.0061829-DPF/AQA/SP, instaurado para apurar suposta prática do crime previsto no art. 1º, incisos I e II, da Lei 8.137/1990. A distribuição se deu por prevenção ao HC 916.435. Referido acórdão foi assim ementado:

PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1º, INCISO I, DA LEI 8.137/90. ART. 337-A, DO CP. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. DESCABIMENTO. SÚMULA VINCULANTE 24, STF. AÇÃO ANULATÓRIA. AUTORIA DELITIVA. ORDEM DENEGADA. 1. O trancamento da ação penal, por meio de habeas corpus, somente é possível quando se verificam de pronto a atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inexistência de indícios de autoria ou materialidade. 2. É necessário apenas o encerramento do processo administrativo e da constituição do crédito tributário, ainda que parcial, como condição imperativa para o aperfeiçoamento da tipicidade material do crime de sonegação, nos termos da Súmula Vinculante nº 24, do STF. 3. A existência de ação anulatória do crédito tributário na seara cível não impede o prosseguimento do inquérito policial ou até mesmo eventual oferecimento de denúncia em respeito à independência das esferas cível e criminal. 4. A impetração não demonstrou a inexistência de justa causa a reclamar o trancamento do inquérito policial. 5. Ordem denegada."

Em sua peça de ingresso, sustenta que a instauração do inquérito viola a Súmula Vinculante n. 24, STF, pois o crédito tributário não foi definitivamente constituído, encontrando-se suspenso por tutela antecipada em ação declaratória. Ao fianl, pugna pelo o trancamento do inquérito policial nº 2023.0061829-DPF/AQA/SP, sob o fundamento de ausência de justa causa, em virtude da inexistência de crédito tributário definitivamente constituído e, por consequência, da atipicidade da conduta investigada. Às fls. 964-968, o recorrente junta documentos novos que comprovariam a ausência de constituição definitiva do crédito.

Em parecer, o Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 969-977):

"RECURSO EM HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. 1. Em sede de habeas corpus, não é viável o trancamento da ação penal por ausência de justa causa quando não desponta dos autos, de pronto, a atipicidade da conduta, a inexistência de crime, a falta de indícios de autoria ou a extinção da punibilidade. Precedentes. 2. Havendo a constituição definitiva do crédito, resta configurada a materialidade delitiva do crime contra a ordem tributária e a presença de justa causa para a persecução penal. 3. Parecer pelo não provimento do apelo."

É o relatório. DECIDO.

Conheço do recurso, pois presentes os seus pressupostos. A questão de fundo devolvida ao conhecimento desta Superior Corte consiste em se decidir se o crédito tributário cuja sonegação é imputada ao recorrente foi ou não constituído definitivamente.

Nos termos da Súmula Vinculante 24 do Supremo Tribunal Federal:

Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo.

Desse modo, é plenamente válida a instauração de inquérito policial destinado a apurar condutas subsumíveis, em tese, a outros tipos penais correlatos, que independeriam da constituição do crédito tributário, como aqueles previstos no respectivo art. 2º da Lei 8.137/1990 (cf., e.g., HC 139.151 ED, rel. min. Rosa Weber, 1ª T, j. 5-10-2018, DJE 226 de 24-10-2018; Rcl 24.424 AgR, rel. min. Roberto Barroso, 1ª T, j. 20-4-2018, DJE 86 de 4-5-2018; Rcl 24.768 AgR, rel. min. Alexandre de Moraes, 1ª T, j. 21-8-2017, DJE 197 de 1º-9-2017; HC 107.362, rel. min. Teori Zavascki, 2ª T, j. 10- 2-2015, DJE 39 de 2-3-2015; HC 84.965, voto do rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 13-12- 2011, DJE 70 de 11-4-2012; HC 108.037, rel. min. Marco Aurélio, 1ª T, j. 29-11-2011, DJE 22 de 1º-2-2012; HC 99.740, rel. min. Ayres Britto, 2ª T, j. 23-11-2010, DJE 20 de 1º-2-2011).

Assim, "competirá ao Magistrado de primeiro grau, após a análise exauriente do material cognitivo apresentado durante a instrução criminal, a conclusão a respeito da natureza e existência, ou não, dos crimes narrados, tendo em vista que não há como antecipadamente, sem o exercício do contraditório, deduzir que as condutas perpetradas pelo réu dizem respeito a mero ilícito administrativo-fiscal". (AgRg no RHC n. 193.025 /PI, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 26/2/2024.).

Ademais, a quantificação do crédito tributário sonegado é imprescindível para determinação da intensidade da reprimenda penal hipoteticamente a ser aplicada, na fase da dosimetria, "porquanto a constituição do crédito tributário projeta um novo quadro fático e jurídico para o oferecimento da denúncia" (HC 84.345/STF, Segunda Turma, DJ 24/03/2006), de modo a potencializar as impugnações e recursos administrativos como questão prejudicial às demandas processuais-penais concernentes aos crimes previstos nos Incisos I a IV do Art. 1º da Lei nº 8.137/90 (cf. Janoti, Cesar Luiz de Oliveira e Sorrentino, Thiago Buschinelli. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas, Porto Alegre, v. 14, n. 82, p. 71-88, set./out. 2020).

No caso em exame, as condutas imputadas ao réu, MARIO OLIVEIRA XXXXXXXXX, referem-se à suposta prática de crimes contra a ordem tributária, definidos no art. 1º, inciso II, da Lei 8.137/1990, que prevê como infração a inserção de elementos inexatos ou a omissão de informações em documentos fiscais exigidos por lei, com o objetivo de suprimir ou reduzir tributos.

A investigação, conduzida no âmbito do Inquérito Policial nº 2023.0061829-DPF/AQA/SP, foi originada por uma Representação Fiscal para Fins Penais encaminhada pela Receita Federal do Brasil e diz respeito a créditos tributários vinculados à empresa Dicina Indústria e Comércio, Importação e Exportação de Tabacos LTDA.

Conforme apuração fiscal, o réu teria utilizado indevidamente créditos de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no valor de aproximadamente R$ 70.000.000,00 (setenta milhões de reais), derivados de uma incorporação de outra empresa, Vacchi S/A, cujos créditos eram objeto de decisão judicial ainda em fase de liquidação.

A fiscalização constatou que tais créditos foram lançados diretamente nos registros fiscais da empresa, sem a devida homologação administrativa e em violação às regras estabelecidas no art. 74 da Lei 9.430/1996. Além disso, apontou-se a ausência de registro nas Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e a tentativa de compensação direta, caracterizando uma estratégia para ocultar a verdadeira situação fiscal da empresa perante o Fisco.

Ainda, a fiscalização indicou que a empresa teria omitido informações cruciais e apresentado dados inconsistentes em resposta às intimações realizadas, o que reforça a suspeita de práticas fraudulentas com o intuito de reduzir a carga tributária devida.

Como agravante, foi aplicada multa qualificada de 150% sobre o valor do crédito tributário devido, considerando o evidente dolo e a intenção de fraudar a fiscalização tributária. Como sabem aqueles que acompanham as vicissitudes do Processo Administrativo Tributário Federal, em regra, os atos administrativos da constituição do crédito tributário, de um lado, e da Representação Fiscal para Fins Penais, do outro, são formalizados em expedientes apartados.

Apenas o crédito tributário pode ser impugnado administrativamente, nos termos da Súmula 28/CARF (O CARF não é competente para se pronunciar sobre controvérsias referentes a Processo Administrativo de Representação Fiscal para Fins Penais)

Desse modo, costuma-se não haver registro de impugnação, nem de recurso voluntário, acerca dessa matéria.

O Inquérito Policial 2023.0061829 versa sobre a RFFP 15746-720.767/2022- 26 (PAF 15746-720.656/2022-10 - e-STJ Fl.19). Por seu turno, o tributo apurado foi o Imposto sobre Produtos Industrializados, incidente sobre fatos jurídicos tributários ocorridos entre 01/2018 a 12/2018 (e-STJ Fl. 27).

Segundo a Intimação 22.681/2024 – CONTDRJ/ECOA/SRRF 08/RFB, por força de decisão judicial, o prazo para interposição de recurso voluntário fora reaberto. O acompanhamento processual disponível no site do CARF revela que o RV 15746-720.656/2022-10 foi distribuído à relatoria da Conselheira ANA PAULA PEDROSA GIGLIO, auditora-fiscal representante da Fazenda Nacional, e aguarda pauta desde 06/11/2024.

De acordo com o regramento interno do CARF, tal recurso deve ser pautado em até 180 dias, sob pena de cassação do mandato do conselheiro-relator. Dada a pendência do recurso voluntário, constata-se que não houve a constituição definitiva do crédito tributário (art. 201 do CTN e Decreto 70.235/1972), e, portanto, o Inquérito Policial 2023.0061829 carece de justa causa, especificamente em relação às condutas tipificadas no art. 1º, I a IV, da Lei 8.317/1990, ao menos até o julgamento de referido recurso, ou da decretação de sua perempção, segundo o desfecho da ação judicial relativa à viabilidade do controle administrativo do crédito tributário.

Aparentemente, o Tribunal de origem se equivocou em relação ao quadro fático, pois os autos indicam que o crédito tributário cuja sonegação estaria a motivar o inquérito ainda será revisto pela administração tributária, via CARF, e, portanto, ele não está definitivamente constituído.

Entretanto, ao contrário do que pretende a defesa, referida situação não gera o trancamento do inquérito, mas a sua suspensão.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso em habeas corpus, para suspender o trâmite do Inquérito Policial 2023.0061829, em relação às condutas tipificadas no art. 1º, I a IV da Lei 8.137/1990, alegadamente consubstanciadas na supressão ilícita do recolhimento do IPI entre 01/2018 e 12/2018, até a constituição definitiva do crédito tributário. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 06 de abril de 2025. Ministro Messod Azulay Neto Relator

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 201671 - SP (2024/0274615-6) RELATOR : MINISTRO MESSOD AZULAY NETO, Publicação no DJEN/CNJ de 09/04/2025)

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