STJ Abr25 - Dano ao Patrimônio - Absolvição - Ausência de Dolo Específico (animus nocendi) :"Destruição da Tornozeleira para Fins de Fuga"

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de dois recursos especiais interposto por WASHINGTON CXXXXX, com fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional: o primeiro contra o acórdão que julgou a apelação (fls. 270-280); o segundo, contra o aresto dos embargos infringentes (fls. 311-319). O primeiro recurso (fls. 329-334) suscita ofensa a art. 59, I e II, do CP, ao argumento de que não haveria motivação válida para a negativação da personalidade, quando da fixação da pena-base. Já o segundo (fls. 353-362) indica violação dos arts. 163, parágrafo único, III, do CP e 386, III, do CPP, alegando que não estaria demonstrado o dolo específico de lesionar o patrimônio público na conduta do réu. 

Com contrarrazões (fls. 338-339), os recursos especiais foram admitidos na origem (fls. 343-345 e 372-375). Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo provimento do segundo recurso, para absolver o acusado (fls. 389-393). 

É o relatório. Decido. 

A insurgência defensiva é procedente quanto ao pedido absolutório. O acórdão recorrido contrariou a jurisprudência deste STJ ao concluir que a condenação pelo crime de dano contra o patrimônio público (art. 163, parágrafo único, III, do CP) dispensaria a comprovação do dolo específico.

 Aqui, o réu foi condenado pelo rompimento da tornozeleira eletrônica, ação que, conquanto voluntária, não se voltava propriamente à destruição de bem público, mas sim à fuga da fiscalização estatal, o que inclusive já conta com consequências próprias na execução da pena ou cautelar (regressão de regime, reconhecimento de falta grave, conversão da cautelar em prisão preventiva etc.). 

Justamente por isso, em situações análogas, a jurisprudência deste STJ tem proferido decisões absolutórias e mantido a exigência de comprovação do especial fim de agir na conduta do réu. A propósito:

 "DIREITO PENAL. RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AUSÊNCIA. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame. 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que condenou o recorrente pelo crime de dano qualificado, previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, por deterioração de tornozeleira eletrônica pertencente ao Estado. 2. O Tribunal de Justiça reformou a sentença de primeiro grau, condenando o recorrente, ao entender que o dolo genérico era suficiente para a configuração do crime de dano qualificado. II. Questão em discussão. 3. A questão em discussão consiste em saber se a configuração do crime de dano qualificado, previsto no art. 163, parágrafo único, III, do Código Penal, exige a presença de dolo específico, ou se o dolo genérico é suficiente. III. Razões de decidir. 4. "Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, Ill, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi." (AgRg no REsp 1722060 / PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 02/08/2018, DJe 13/08/2018). 5. A ausência de dolo específico no caso concreto, conforme reconhecido nas instâncias ordinárias, impede a condenação pelo crime de dano qualificado. IV. Dispositivo e tese. 6. Recurso provido para reestabelecer a sentença absolutória". (REsp n. 2.025.790/SP, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 18/2/2025, DJEN de 25/2/2025.) "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CÓDIGO PENAL - CP. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A danificação de tornozeleira eletrônica para evasão não configura o delito do art. 163, parágrafo único, III, do CP, por ausência de animus nocendi. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido". (AgRg no REsp n. 1.861.044/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 28/4/2020, DJe de 4/5/2020.) "AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. CRIME DE DANO QUALIFICADO. ART. 163, PARÁGRAFO ÚNICO, III, DO CP. DANO QUALIFICADO PRATICADO CONTRA PATRIMÔNIO PÚBLICO. DESTRUIÇÃO DE TORNOZELEIRA ELETRÔNICA PARA EVASÃO. AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. ANIMUS NOCENDI. AUSÊNCIA. PRECEDENTES. 1. Para a caracterização do crime tipificado no art. 163, parágrafo único, Ill, do Código Penal, é imprescindível o dolo específico de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, ou seja, a vontade do agente deve ser voltada a causar prejuízo patrimonial ao dono da coisa, pois, deve haver o animus nocendi. 2. O agravo regimental não merece prosperar, porquanto as razões reunidas na insurgência são incapazes de infirmar o entendimento assentado na decisão agravada. 3. Agravo regimental improvido". (AgRg no REsp n. 1.722.060/PE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 2/8/2018, DJe de 13/8/2018.) 

Idênticas, aliás, foram as ponderações apresentadas pelo MPF em seu parecer (fls. 391-392): 

"No mérito, assiste razão ao recorrente. Confira-se a fundamentação lançada pela Corte de origem para manter a condenação pelo crime de dano qualificado (f. 316): Posto isso, entendo que restou comprovado o propósito do réu de, voluntariamente, deteriorar patrimônio público, não consistindo a presente hipótese em situação que se possa definir como caracterizadora de atipicidade. Com efeito, evidente o elemento subjetivo do tipo penal em comento, qual seja, a vontade livre e consciente de deteriorar ou destruir patrimônio público, razão pela qual descabe falar em atipicidade da conduta, impondo-se a manutenção da condenação do réu nas sanções do artigo 163, parágrafo único, inciso III, do Código Penal, nos termos delineados pelo voto condutor. A jurisprudência da Corte Superior é pacífica no sentido de que, para a configuração do crime de dano tipificado no art. 163, par. único, III, do Código Penal, é indispensável a presença do dolo específico de causar prejuízo patrimonial ao bem público, pois deve haver o animus nocendi, o que não se verifica na espécie, em que o recorrente destruiu a tornozeleira eletrônica para fins de fuga. Confira-se: [...] Assim, o recurso especial deve ser provido para absolver o recorrente da imputação do art. 163, par. único, II; do Código Penal". 

Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do Regimento Interno do STJ, dou provimento ao recurso especial de fls. 353-362, para absolver o réu, nos termos do art. 386, III, do CPP. Fica prejudicado o recurso especial de fls. 329-334, que discutia a dosimetria da pena. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ -  RECURSO ESPECIAL Nº 2182724 - MG (2024/0434134-0) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS,  Publicação no DJEN/CNJ de 22/04/2025)

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