STJ Abr25 - Júri Anulado - TJES tem Decisão Anulada - Defensora Constituída Horas Antes da Sessão - Cerceamento de Defesa - Paridade de Armas - SUM 523 do STF - Ferimento ao Art. 465 do CPP: "defendido por três advogados dativos diferentes, sendo que no início da sessão plenária do Tribunal do Júri foi-lhe nomeado outro defensor"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto por REINALDO XXXXXX contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO no julgamento do HC n. 5008844-49.2023.8.08.0000.

Extrai-se dos autos que o recorrente foi condenado em primeira instância pela prática do crime de homicídio qualificado tentado. Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, o qual denegou a ordem nos termos do acórdão que restou assim ementado:

"HABEAS CORPUS. PEDIDO DE ANULAÇÃO DE JULGAMENTO. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE DURANTE O ATO. PEDIDOS ALTERNATIVOS PREJUDICADOS. DENEGAÇÃO DA ORDEM DE HABEASCORPUS. 1. A alegação contida na impetração de que a douta advogada nomeada para participar do julgamento “não teve o devido momento para se preparar para um ato complexo como o tribunal do júri, desta forma, cerceando a defesa técnica em favor do réu”, respeitosamente, cabe, exclusivamente a ela alegar, o que não ocorreu. 2. A escolha pelos jurados por uma das teses apresentadas em plenário, não temo condão de anular o julgamento e, consequentemente a r. sentença condenatória, porque não houve demonstração de ilegalidade durante o ato. 3. Em relação aos pedidos alternativos de concessão da liberdade “por excesso de prazo e por não persistirem os requisitos do artigo 312 do CPP” ou “aplicação de medidas cautelares outras”, estão prejudicados porque foi mantida a prisão do paciente, tratando-se de novo título executivo. 4. Denegar a ordem de habeas corpus" (fls. 651/652).

No presente recurso, a defesa relata que no curso da instrução processual o recorrente foi defendido por três advogados dativos diferentes, sendo que no início da sessão plenária do Tribunal do Júri foi-lhe nomeado outro defensor.

Argumenta que a sucessão de advogados, que praticavam apenas um ato e depois deixavam o processo, além da nomeação de causídico na ata do julgamento do Tribunal do Júri implica em ausência de defesa técnica efetiva. Alega que o recorrente é analfabeto funcionar e que, após a leitura da sentença, não é perguntado se tem interesse em recorrer, portanto, ele nem sabia que poderia ter manifestado essa intenção.

Ademais, a defesa foi nomeada somente para o ato e houve desídia ao se manter inerte em recorrer. Invoca a Súmula n. 523/STF e aponta violação ao princípio da ampla defesa. Ressalta que o paciente conta 65 anos de idade, é portador de doenças crônicas e está preso há 4 anos e 10 meses. Alega que "em caso de anulação da sentença e sessão do júri, tendo que realizar uma nova sessão, a prisão do recorrente volta ao status quo, ou seja, voltará a ter natureza de segregação cautelar e não cumprimento de prisão definitiva" (fl. 671).

Daí, afirma que não haveria risco à ordem pública ou à garantia da instrução criminal na colocação do paciente em liberdade. Requer, em liminar, a imediata colocação do recorrente em liberdade.

No mérito, pugna sucessivamente pela anulação da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri e pela concessão de liberdade provisória. Pedido liminar indeferido (fls. 686/688). Informações prestadas (fls. 694/696). Parecer do Ministério Público Federal pelo desprovimento do recurso (fls. 709/710).

É o relatório. Decido.

Consta dos autos despacho do Juízo de primeiro grau com informação de que a Defensoria Pública não atende à Comarca da Barra de São Francisco, sendo perceptível a dificuldade de se obter um advogado dativo (vide sucessivas designações e recusas, fls. 361/373, 481).

Com essas limitações, dois foram os advogados dativos que atuaram na fase sumário da culpa (fls. 590), e um terceiro havia sido previamente designado para atuar na sessão plenária, marcada para dia 14/06/2022 (fl. 519).

Poucas horas antes da sessão plenária, o advogado dativo enviou e-mail para a Secretaria judicial, informando a impossibilidade de comparecimento, porque se sentia doente (fl. 485).

Não houve pedido de renúncia do advogado, mas somente comunicação da ausência. Entretanto, ciente da impossibilidade de comparecimento do defensor dativo, o magistrado não adiou o julgamento, mas sim designou uma advogada para atuar no ato (fl. 548), tendo ela feito uso da palavra por apenas dezoito minutos (fls. 549/550).

Houve ofensa ao disposto no art. 456 do Código de Processo Penal, que preconiza que haja adiamento no caso de ausência de advogado, ainda que, eventualmente, a escusa fosse protelatória:

"Art. 456. Se a falta, sem escusa legítima, for do advogado do acusado, e se outro não for por este constituído, o fato será imediatamente comunicado ao presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil, com a data designada para a nova sessão. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008) § 1º Não havendo escusa legítima, o julgamento será adiado somente uma vez, devendo o acusado ser julgado quando chamado novamente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008) §2º Na hipótese do §1º deste artigo, o juiz intimará a Defensoria Pública para novo julgamento, que será adiado para o primeiro dia desimpedido, observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias."

Após a sentença condenatória, o réu ficou indefeso, pois a advogada havia sido designada somente para a sessão plenária, e o advogado dativo anterior, que se ausentou alegando doença, foi desconstituído e multado. De forma que a sentença transitou livremente em julgado (fl. 694).

O Tribunal de origem compreendeu que caberia somente à própria advogada suscitar essa nulidade (fls. 655):

"Sustenta o impetrante, em síntese, .no dia da realização da sessão do tribunal do júri o advogado nomeado e que estava patrocinando os interesses do réu não compareceu em plenário, mediante sua ausência fora nomeado, NO ATO DO JÚRI (ATA DO JÚRI fls. 261/262), outra advogada para realizar sua defesa em plenária' e tal comportamento 'fere totalmente o princípio da ampla defesa', pois, segundo o impetrante, a douta advogada nomeada para participar do julgamento 'não teve o devido momento para se preparar para um ato complexo como o tribunal do júri, desta forma, cerceando a defesa técnica em favor do réu'. Ademais, a alegação contida na impetração de que a douta advogada nomeada para participar do julgamento “não teve o devido momento para se preparar para um ato complexo como o tribunal do júri, desta forma, cerceando a defesa técnica em favor do réu”, respeitosamente, cabe, exclusivamente a ela alegar, o que não ocorreu. Registro, ainda, que a escolha pelos jurados por uma das teses apresentadas em plenário, não tem o condão de anular o julgamento e, consequentemente a r. sentença condenatória, porque não houve demonstração de ilegalidade durante o ato."

Entretanto, não cabe pessoalizar a legitimidade para apresentar os argumentos defensivos, pois o evidente prejuízo - condenação à pena de 18 anos e 4 meses de reclusão - foi experimentado pelo recorrente, e não pela profissional.

Ademais, como já exposto, a advogada foi nomeada somente para atuar no ato, desvinculando-se do processo com o término do julgamento pelo Júri. Uma defesa eficiente em Plenário demanda estudo do processo, contato pessoal com o réu e planejamento dos argumentos a serem expostos oralmente aos jurados, o que é virtualmente impossível quando um profissional é chamado para atuar imediatamente, sem tempo para se preparar.

Em caso similar, o STJ decidiu pela anulação do julgamento por ofensa à paridade de armas:

"PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NÃO CONHECIMENTO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE OFÍCIO. FLAGRANTE ILEGALIDADE. DEFENSOR PÚBLICO NATURAL. DEFENSORIA PÚBLICA. NOMEAÇÃO DE ADVOGADO AD HOC. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA PLENITUDE DE DEFESA. NULIDADE PROCESSUAL RECONHECIDA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO, MAS CONCEDIDO DE OFÍCIO. I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, sendo possível a concessão da ordem de ofício. II - Ao intimar a Defensoria Pública, via whatsapp, com pouco tempo de antecedência (22 horas antes da sessão) e nomear advogado dativo, o juízo de primeiro grau violou as normas do Código de Processo Penal, os precedentes desta Corte Superior e o princípio da plenitude de defesa. III - Não parece razoável que se pretenda, com tão exíguo tempo, que a defesa seja feita de maneira eficiente e em paridade de armas, na medida em que o Ministério Público sempre acompanhou o feito e a Defensoria Pública possui menos de um dia para estudar o processo, conversar com o assistido e preparar uma defesa adequada ao caso para sustentar aos jurados. IV - A decisão impugnada violou o princípio da plenitude de defesa, do contraditório e do devido processo legal, uma vez que não permitiu que a Defensoria Pública tivesse um prazo razoável para ser intimada, estudar os autos e preparar uma defesa diligente. Precedentes. V - O prejuízo está claramente demonstrado uma vez que o réu foi condenado a 12 anos de reclusão. VI - São direitos dos assistidos da Defensoria Pública, além daqueles previstos na legislação estadual ou em atos normativos internos, o patrocínio de seus direitos e interesses pelo defensor natural, ou seja, não caberia o juízo nomear advogado dativo em comarca com Defensoria Pública estruturada. VII - O col. Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que é nulo o processo quando há nomeação de defensor dativo em comarcas em que existe Defensoria Pública estruturada. Precedentes. VIII - Cabe, destacar, ainda, que a Corte Interamericana, no caso Ruano Torres e outros vs. El Salvador, com sentença publicada em 5 de outubro de 2015, determinou a "parametrização da defesa eficaz no sistema interamericano." IX - Em suma, não foi oportunizado ao paciente seu defensor público natural e nem tempo hábil para que a defesa técnica realizasse uma defesa diligente no caso concreto, de acordo com as regras mínimas fixadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. X - Habeas corpus não conhecido, contudo concedido de ofício. (HC n. 865.707/SC, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 14/5/2024, DJe de 23/5/2024.) Com relação ao pedido de liberdade provisória, entendo que assiste razão ao Tribunal de origem ao referendar a manutenção da custódia preventiva, haja vista que o crime, de feição de violência doméstica contra a mulher, teria sido praticado em descumprimento de medida protetiva. Neste sentido: HABEAS CORPUS SUBSTITUTO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. LEI MARIA DA PENHA. LESÃO CORPORAL LEVE. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. IDONEIDADE. INSUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS ANTERIORMENTE IMPOSTAS. COMPROVAÇÃO DO DESCUMPRIMENTO. MATÉRIA DE PROVA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. ORDEM NÃO CONHECIDA. [...] 3. Na hipótese versada nos presentes autos, constata-se que o paciente foi denunciado pela prática de crimes de lesão corporal leve no contexto de violência doméstica, tendo lhe sido aplicadas medidas protetivas de afastamento do lar e proibição de aproximação de raio de 200 metros da vítima. Não obstante devidamente intimado da determinação, descumpriu-a, vindo a ser preso. A prisão, porém, foi posteriormente revogada. Sobreveio, então, condenação, na qual o magistrado deferiu a manutenção da liberdade. A despeito da sentença condenatória, inclusive pela conduta anterior de descumprimento de medida protetiva, o paciente teria voltado a se aproximar da vítima e mesmo tentado invadir sua residência. 4. Ora, o descumprimento de medida protetiva anteriormente fixada com amparo na Lei n. 11.340/2006, no caso dos autos ocorrida duas vezes, explicita a insuficiência da cautela, justificando, portanto, a decretação da prisão nos termos do art. 313, inciso III do Código de Processo Penal. 5. As cogitações a respeito da não veracidade das notícias de descumprimento comunicadas pela vítima consistem em matéria que não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório. 6. Ademais, o reiterado descumprimento das medidas protetivas impostas demonstra que outras providências previstas no art. 319 do Código de Processo Penal são insuficientes para a consecução do efeito almejado. Ou seja, tendo sido exposta de forma fundamentada e concreta a necessidade da prisão, revela-se incabível sua substituição por outras medidas cautelares mais brandas. 7. Ordem não conhecida. (HC n. 546.829/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 4/2/2020, DJe de 10/2/2020.)

Isso posto, na forma do art. 34, XX, c/c art. 202, c/c art. 246, todos do Regimento Interno do STJ, dou parcial provimento ao recurso em habeas corpus para anular a sessão do Tribunal do Júri e determinar realização de novo julgamento, intimando-se a defesa com prazo mínimo de 10 dias (Ação Penal n. 0000322-36.2019.8.08.0008). Mantida a prisão preventiva do recorrente. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 195216 - ES (2024/0090894-0) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 24/04/2025.)

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