STJ Abr25 - Prisão Domiciliar Humanitária -

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de agravo interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS contra decisão que inadmitiu o recurso especial anteriormente manejado.

O agravante requer, em síntese, o conhecimento e o provimento do recurso de agravo para a retratação da decisão agravada. Argumenta que busca apenas a apreciação de teses jurídicas à luz da jurisprudência sobre a matéria, bem como das premissas fáticas expressamente consignadas no acórdão, na esteira da remansosa jurisprudência desse Superior Tribunal de Justiça

. Aduz que “a Corte goiana ignorou o entendimento desta Corte cidadã, segundo o qual “a concessão da substituição da prisão preventiva pela domiciliar nos casos de enfermidade cinge-se aos casos em que o indivíduo esteja extremamente debilitado por motivo de doença grave, sendo imperativa a comprovação de que o tratamento necessário não pode ser devidamente realizado no ambiente prisional”. Contraminuta apresentada (e-STJ fls. 204-216).  Parecer do Ministério Público Federal pelo provimento do agravo (e-STJ fls. 233-238).

É o relatório.  Decido.

O Tribunal de origem inadmitiu o recurso especial interposto pela parte agravante com amparo nos seguintes fundamentos (e-STJ fls. 186-187): 

“De plano, vejo que o juízo de admissibilidade a ser exercido, neste caso, é negativo. Com efeito, a análise de eventual violação ao dispositivo apontado encontra óbice na Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça, por demandar o revolvimento do acervo fáticoprobatório dos autos, de modo que se pudesse aferir a pertinência da tese de inexistência de comprovação de que o encarcerado esteja extremamente debilitado ou da impossibilidade do tratamento ser realizado no ambiente prisional. E isso, de forma hialina, impede o trânsito do recurso especial. (cf. STJ, 5ª T., AgRg no HC n. 894.511/SC, relª. Minª. Daniela Teixeira, DJe de 29/10/2024). Ao teor do exposto, deixo de admitir o recurso. Publique-se. Intimem-se.”

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que  “a decisão que não admite o recurso especial tem como escopo exclusivo a apreciação dos pressupostos de admissibilidade recursal. Seu dispositivo é único, ainda quando a fundamentação permita concluir pela presença de uma ou de várias causas impeditivas do julgamento do mérito recursal, uma vez que registra, de forma unívoca, apenas a inadmissão do recurso. (...) A decomposição do provimento judicial em unidades autônomas tem como parâmetro inafastável a sua parte dispositiva, e não a fundamentação como um elemento autônomo em si mesmo, ressoando inequívoco, portanto, que a decisão agravada é incindível e, assim, deve ser impugnada em sua integralidade, nos exatos termos das disposições legais e regimentais” (EAREsp 746.775 /PR, relator Ministro João Otávio de Noronha, redator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 19/9/2018, DJe de 30/11/2018). 

Postas essas premissas, verifica-se que o recurso especial foi inadmitido com base no óbice previsto na Súmula 7 desta Corte.  Todavia, o agravo em recurso especial é tempestivo e infirmou os argumentos da decisão do Tribunal a quo, razão pela qual, nos termos do art. 253, parágrafo único, inc. II, do RISTJ, conheço do agravo e passo ao exame do recurso especial.

Nas razões recursais, a parte alega, em síntese, que o acórdão proferido pelo Tribunal a quo nega vigência ao artigo 318, inciso II, do Decreto Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), pois, conforme aduz, os fundamentos lançados no acórdão não são suficientes para a substituição da prisão preventiva do acusado por prisão domiciliar deferida. Requer, assim, a reforma do acórdão a fim de que seja restabelecida a prisão preventiva do recorrido. Entretanto, referida pretensão não merece acolhida.

Com efeito, assim fundamentou o Tribunal a quo (e-STJ fls. 138-140):

“No caso em testilha, a necessidade da segregação cautelar do paciente não se mostra desarrazoada ou ilegal, pois justificada em dados concretos, considerado, para além da gravidade da conduta que lhe é imputada, o risco concreto à aplicação da lei penal, na medida em que foi encontrado em outro local, para onde rumou logo após ser ouvido (não há interrogatório) em sede policial. Destaca-se que entre Jataí/GO, local que reside o paciente, e a cidade em que foi capturado (Barra do Garças/MT), há distância considerável (275Km) e permite a inferência de tentativa de escapar-se a eventual responsabilização criminal. A tese segundo a qual o paciente não teria fugido do distrito da culpa, todavia, apenas se afastado de sua residência por conta de ameaças de morte está desacompanhada de qualquer indício validativo. Logo, a menção, por si só, é incapaz de afastar o requisito para prisão cautelar. Todavia, as condições pessoais do paciente, acometido de doenças graves (Alzheimer e Transtorno de Bipolaridade), conforme relatórios médicos (mov. 01, arquivos 10 e 11), ao lado de trata-se de pessoa idosa (71 anos de idade). A hipótese de prisão domiciliar depende de exame casuístico acerca da gravidade da doença e de se encontrar extremamente debilitado o paciente. Os relatórios médicos colacionados aparentam aptidão para atestar ou mesmo indicar que o paciente possui sua saúde comprometida, em particular, pelo mal equivalente ao transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal consistente no Alzheimer. A condição física do paciente demanda, ante o bom senso e os informes médicos colacionados, acompanhamento constante, em razão da enfermidade referida, especialmente, porque não prescinde de cuidados por terceiros. Nada obstante, não escapa ao conhecimento geral que as Unidades Prisionais possuem limitações acerca das condições para promover adequadamente as necessidades de saúde dos presos. Acometimentos leves são e devem ser relegados ao Estado, todavia quando envolver doenças incuráveis graves, como o Alzheimer, que pode alterar o discernimento e o humor do paciente, a disponibilização ao paciente do cuidado e estrutura necessários para tratamento deve ser implementada de modo sensível, sem perder-se de sondagem eventual recomendação diversa, naturalmente, decorrente de exames e laudos médicos. Além de gerar dificuldade administrativa para o Estado, o direito à saúde do paciente estaria em risco iminente. Não se está a ponderar entre direitos da suposta vítima e do paciente, mas, tão somente, faz-se o destacamento da efetiva aplicação legal à luz dos princípios constitucionais caros inscritos na Constituição Federal de 1988, especialmente, a saúde e a dignidade humana. Desse modo, preenche o requisito objetivo constante do artigo 318, II, do Código de Processo Penal, conforme documentação que instrui o writ. [...] Portanto, merece acolhimento a pretensão deduzida, a prisão domiciliar condicionada ao contemporâneo cumprimento das seguintes cautelares diversas: I – Monitoração eletrônica, de 50 (cinquenta) metros de tolerância da área de permissão estipulada, esta considerada a sua residência; II – Recolhimento domiciliar no período integral. As saídas se limitarão a consultas e tratamentos médicos, devendo ser comunicadas ao Juízo de origem e a permanência do preso fora de sua residência terá duração necessária à finalidade da saída. Demais afastamentos deverão ser autorizados pelo Juízo insular; III – Proibição de contato com a suposta vítima e a representante legal. Ao teor dessas Documento eletrônico VDA46746816 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): CARLOS CINI MARCHIONATTI Assinado em: 09/04/2025 06:41:46 Publicação no DJEN/CNJ de 11/04/2025. Código de Controle do Documento: ad846dc8-746f-4c0a-943e-22221c92cd72 ponderações, desacolho o parecer ministerial de cúpula, CONHEÇO do presente habeas corpus e CONCEDO A ORDEM ao paciente, para SUBSTITUIR a prisão preventiva por domiciliar, cumulada com o cumprimento das medidas cautelares diversas acima delineadas. EXPEÇA-SE Mandado de Prisão Domiciliar e providencie-se o que imprescindível à efetividade desta decisão, inclusive, mediante escolta da paciente do estabelecimento prisional até seu endereço residencial, empós aposição de monitoração eletrônica, se houver disponibilidade de equipamento. Comunique-se à autoridade coatora com cópia do acórdão.”

Inicialmente, cumpre consignar que o deferimento da substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar, nos termos do art. 318, inciso II, do Código de Processo Penal, depende da comprovação inequívoca de que o réu esteja extremamente debilitado, por motivo de grave doença aliada à impossibilidade de receber tratamento no estabelecimento prisional em que se encontra. (RHC n. 58.378/MG, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 6/8/2015, DJe 25/8/2015).

Na hipótese, extrai-se que o TJGO, a partir da análise fática das particularidades da doença que acomete o agravado e dos demais documentos constantes dos autos, concluiu pelo cabimento da substituição da prisão preventiva por domiciliar mediante a conclusão de que a condição física do paciente demandaria, ante o bom senso e os informes médicos colacionados, acompanhamento constante, em razão da enfermidade referida, especialmente, porque não prescindiria de cuidados por terceiros.

Concluiu, assim, o Tribunal a quo que o quadro de saúde do agravado denotaria relevante debilidade, razão pela qual também compreendeu que, recolhido em ambiente prisional, ele seria submetido a condições de séria periclitação, pois, segundo consta, a documentação médica indicaria a necessidade de acompanhamento constante e de cuidados prestados por terceiros.

Firmados referidos pontos, tem-se que a fundamentação adotada pela Origem, ao analisar as particularidades do quadro de saúde do agravado e concluir pela possibilidade de concessão de prisão domiciliar, consolidou-se em consonância com a jurisprudência desta Corte.

Anota-se, ademais, que, para se afastar os fundamentos adotados na origem a fim de se acolher a pretensão de indeferimento do pedido de prisão domiciliar, seria necessário o revolvimento fático-probatório dos autos, o que não é cabível em sede de recurso especial por força da Súmula n. 7 desta Corte. Em sentido semelhante já compreendeu esta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 112 E 117 DA LEP. Documento eletrônico VDA46746816 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): CARLOS CINI MARCHIONATTI Assinado em: 09/04/2025 06:41:46 Publicação no DJEN/CNJ de 11/04/2025. Código de Controle do Documento: ad846dc8-746f-4c0a-943e-22221c92cd72 PRISÃO DOMICILIAR. CONCESSÃO EM VIRTUDE DA PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS (COVID 19). RECOMENDAÇÃO Nº 62/2000 DO CNJ. PARTICULARIDADES DO CASO CONCRETO. REEXAME DE PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7 DO STJ. ANÁLISE DOS DELITOS PELOS QUAIS O REEDUCANDO CUMPRE PENA. TESE NÃO SUSCITADA NO RECURSO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - No caso, o eg. Tribunal de origem entendeu que, diante das peculiaridades do caso concreto, seria recomendável a concessão da prisão domiciliar, em caráter excepcional, a qual foi acompanhada de medidas cautelares. II - Desse modo, a apreciação da tese ministerial com o fim de revogar a prisão domiciliar deferida ao recorrido incorre, necessariamente, o reexame dos fatos e provas dos autos, providência vedada pela Súmula n. 7/STJ. III - Indevida a análise de tese suscitada apenas em sede de agravo regimental, concernente a necessária análise dos delitos pelos quais o reeducando cumpre pena, por caracterizar inovação recursal. Agravo regimental desprovido. (AgRg no REsp n. 1.922.168/MG, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 26/5/2021.) PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 282, 312, 313 E 319 DO CPP. PRISÃO PREVENTIVA. RESTABELECIMENTO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Havendo entendimento do Tribunal de origem de que outras medidas cautelares diversas da prisão são mais adequadas ao caso, não é possível esta Corte Superior alterar o referido entendimento e restabelecer a custódia preventiva, sob pena de incorrer em indevido reexame do acervo fático-probatório dos autos. 2. No caso dos autos, não é possível, em sede de recurso especial, acolher a pretensão do Ministério Público para restabelecer a prisão preventiva, pois demandaria reexame de fatos e provas, o que é vedado nos termos do enunciado n. 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, verbis: "A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial". 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no AREsp 1.069.988/MT, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 4/5/2017, DJe 11/5/2017)

Ante o exposto, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial.  Publique-se. Intimem-se.  Brasília, 09 de abril de 2025.

(STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2838911 - GO (2025/0017904-4) RELATOR : MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS), Publicação no DJEN/CNJ de 11/04/2025)

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