STJ Abr25 - Prisão Preventiva de Ofício - MP Ficou Inerte - Estupro de Vulnerável - Reformation in Pejus
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de A. A. C ., contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 1500863-93.2022.8.26.0038). Consta dos autos que o paciente foi condenado como incurso no art. 217-A, caput e § 1º, c/c art. 226, II, por diversas vezes, na forma do art. 71, caput, todos do Código Penal, à pena privativa de liberdade fixada em 18 anos e 8 meses de reclusão em regime inicial fechado (e-STJ fls. 49-58). A sentença foi confirmada em segunda instância, determinando-se a imediata expedição de mandado de prisão (e-STJ fl. 31). A denegação se deu nos termos da seguinte ementa e-STJ fl. 14:
Apelação. Crimes de estupro de vulnerável majorado. Preliminar de nulidade do processo por inépcia da inicial. Rejeição. Absolvição por fragilidade probatória. Não cabimento. Autoria e materialidade demonstradas. Atenuação das penas. Não cabimento. Não provimento ao recurso.
Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus nesta Corte alegando, em síntese, que há constrangimento ilegal, tendo em vista o pretenso direito de recorrer em liberdade. Afirma, nesse particular, que o paciente é primário, com bons antecedentes, possui residência fixa, onde cuida sozinho dos dois filhos, e labora em ocupação lícita há anos na mesma empresa. Diante disso, pede, liminarmente e no mérito a revogação da prisão preventiva. A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 154/155).
As informações foram prestadas e-STJ fls. 161/199. O Ministério Público Federal se manifestou em parecer opinando pelo não conhecimento do habeas corpus, e em caso de conhecimento, pela denegação da ordem e-STJ fls. 201/206. É o relatório, decido. Busca-se, no presente, assegurar o direito do paciente de recorrer em liberdade da sentença penal condenatória.
A prisão preventiva é uma medida excepcional, de natureza cautelar, que autoriza o Estado, observadas as balizas legais e demonstrada a absoluta necessidade, a restringir a liberdade do cidadão antes de eventual condenação com trânsito em julgado (art. 5º, LXI, LXV, LXVI e art. 93, IX, da CF). Para a privação desse direito fundamental da pessoa humana, é indispensável a demonstração da existência da prova da materialidade do crime, da presença de indícios suficientes da autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, bem como a ocorrência de um ou mais pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
Exige-se, ainda, que a decisão esteja pautada em motivação concreta de fatos novos ou contemporâneos, bem como demonstrado o lastro probatório que se ajuste às hipóteses excepcionais da norma em abstrato e revelem a imprescindibilidade da medida, vedadas considerações genéricas e vazias sobre a gravidade do crime. Na sentença, proferida em 16/5/2024, foi garantido ao réu o direito de recorrer em liberdade (e-STJ fls. 58). Somente a defesa recorreu da condenação. Ao examinar as razões de apelação e decidir sobre o mérito, o Tribunal decretou a prisão preventiva, ponderando o seguinte (e-STJ fls. 30/31):
Por fim, seja em razão da confirmação da sentença, seja pela necessidade de se assegurar a paz pública (na qual se embutem, tanto a garantia da ordem pública, quanto a asseguração da efetiva aplicação da lei penal), e especialmente pela situação fática concreta (crimes praticados no âmbito familiar, com condenação à intensidade máxima), sabendo-se também que eventuais recursos, desta fase em diante, têm cabimento restrito e sem efeito suspensivo, como, aliás, já reconheceu o Superior Tribunal de Justiça (HC n° 430.896-SP rel. Min. Félix Fischer, 5ª T., j. em 02.08.2018 “III - Os recursos às instâncias superiores carecem de efeito suspensivo e a execução provisória da pena é consectário lógico do esgotamento da jurisdição das instâncias ordinárias, não necessitando de fundamentação a determinação do cumprimento provisório da pena fixada”), DECRETA-SE A PRISÃO PREVENTIVA DO RÉU de acordo com a situação fática suso exposta (destacado que NÃO SE TRATA, PORTANTO, DE PRISÃO AUTOMÁTICA PELO JULGAMENTO EM SEGUNDA INSTÂNCIA, fiquem os desavisados bem alertados e cientes disso!!!!!!), com fundamento no artigo 387 § 1°, c/c artigo 312, ambos do Código de Processo Penal, com a imediata expedição de mandado de prisão. Ante o exposto, rejeitada a preliminar, nega-se provimento ao recurso. Expeça-se de imediato mandado de prisão contra o Réu.
Cumpre verificar se o decreto prisional afronta aos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como aduz a inicial. A prisão é ilegal. Primeiramente, ao analisar os autos, verifica-se que o Tribunal decretou a prisão preventiva de ofício, sem que houvesse representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público nesse sentido.
Tal medida viola frontalmente o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme disposto na Súmula 676: "Em razão da Lei n. 13.964/2019, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter prisão em flagrante em prisão preventiva." (TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2024, DJe de 17/12/2024). Em segundo lugar, observa-se que a decretação da prisão ocorreu no bojo de recurso interposto exclusivamente pela defesa. Conforme consta no relatório do acórdão, o Ministério Público não apresentou apelação. Assim, a decisão do Tribunal configura reformatio in pejus, expressamente vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido:
HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA, POSSE DE ARMAS DE FOGO, MUNIÇÕES E ARTEFATOS EXPLOSIVOS. CONDENAÇÃO. RÉU RESPONDEU PARTE DO PROCESSO EM LIBERDADE. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA NO JULGAMENTO DA APELAÇÃO. AUSÊNCIA DE REFERÊNCIA A ARGUMENTOS NOVOS, CAPAZES DE JUSTIFICAR A SUPERVENIÊNCIA DA PRISÃO. RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA. REFORMATIO IN PEJUS. OCORRÊNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Hipótese em que o paciente permaneceu solto por mais de dois anos, inexistindo no acórdão que lhe impôs a prisão preventiva qualquer registro quanto à alteração do contexto fático a tornar imprescindível a segregação corpórea, evidenciada a falta de contemporaneidade da medida. 2. Diante da inexistência de apelo ministerial requerendo a custódia cautelar do acusado, o Tribunal de origem promoveu indevida reformatio in pejus, agravando a situação do réu em recurso exclusivo da defesa. 3. Ordem concedida para assegurar ao paciente o direito de aguardar solto o trânsito em julgado da condenação, salvo se por outro motivo estiver preso. Liminar confirmada. (HC n. 649.206/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10/8/2021, DJe de 16/8/2021.)
Em complemento, a decisão que decretou a prisão preventiva carece de fundamentação concreta. Os motivos invocados estavam presentes já no momento da sentença condenatória, ocasião em que foi assegurado ao paciente o direito de recorrer em liberdade e não houve qualquer inconformismo do Ministério Público. Ora, a supressão desse direito somente se justifica mediante a demonstração de fato novo que comprove a necessidade da medida cautelar extrema, com base em elementos concretos que evidenciem a presença dos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal. Nesse sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ROUBO EM CONCURSO DE PESSOAS. ACUSADO EM LIBERDADE DURANTE TODA A AÇÃO PENAL. PRISÃO PROVISÓRIA DECRETADA NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS CONTEMPORÂNEOS À DECRETAÇÃO DA MEDIDA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. RECURSO PROVIDO. 1. Por fatos ocorridos em 01/6/2010, o recorrente foi processado como incurso nas penas do art. 157, § 2º, I, na forma do art. 71, ambos do Código Penal (roubo em concurso de pessoas, em continuidade delitiva), tendo respondido a toda a ação penal solto, pois concedida liberdade provisória, em 14/6/2010 (eSTJ fls. 32/33). 2. Cinco anos depois, por ocasião da prolação da sentença condenatória, foi decretada a prisão preventiva do acusado e negado o direito de recorrer em liberdade, sob o argumento de necessidade da medida para garantia da ordem pública. 3. Na hipótese, a prisão foi decretada como consequência da própria condenação em primeiro grau, em argumentação genérica e desconectada com as circunstâncias do caso concreto. Com efeito, cuida-se de roubo sem uso de arma branca ou de fogo, não foram apontadas circunstâncias especiais relativas à prática delitiva, o Magistrado consignou a primariedade do acusado, que não cometeu qualquer outro delito após os fatos pelos quais foi condenado, não havendo notícia, ainda, de que tenha se furtado a comparecer em juízo durante o trâmite da ação penal. 4. A urgência intrínseca da prisão preventiva impõe a contemporaneidade dos fatos justificadores aos riscos que se pretende com a prisão evitar (HC-214.921 /PA, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 25/3/2015). No caso, o tempo decorrido entre o início da ação penal e a sentença, de 5 (cinco) anos, sem a indicação de fatos novos que trouxessem riscos ao processo ou à sociedade, infirmam a necessidade do cárcere cautelar para garantia da ordem pública. 5. Recurso provido, para revogar o decreto prisional do acusado, assegurandolhe o direito de aguardar o julgamento do recurso de apelação em liberdade, salvo se preso por outro motivo, sem prejuízo da decretação de medidas cautelares diversas, previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal. (RHC n. 72.351/CE, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 25/10/2016, DJe de 7/11/2016.)
Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo a ordem de habeas corpus para revogar a prisão preventiva do paciente.
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