STJ Abr25 - Reconhecimento Fotográfico Ilegal - Única Foto - RESp Provido - Absolvição em Roubo

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

BRUNO XXXXXXXX interpõe recurso especial, fundado no art. 105, III, "a", da Constituição, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais na Apelação Criminal n. 1.0000.24.147154-9/001. O recorrente foi condenado, pela prática do crime de roubo simples, a 5 anos de reclusão, em regime fechado, mais 12 dias-multa.

O Tribunal de origem, por maioria, negou provimento à apelação defensiva. Os embargos infringentes opostos foram rejeitados. Em suas razões recursais, a defesa indicou violação dos arts. 155, 157, 226 e 386, VII, do Código de Processo Penal e pediu a absolvição do acusado. Argumentou que a única prova produzida para condenar o réu foi o reconhecimento fotográfico feito pela vítima, em desacordo com o art. 226 do CPP. Apresentadas as contrarrazões e admitido o recurso na origem, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do recurso especial (fls. 507-511).

Decido.

O recurso especial preenche os requisitos de admissibilidade e, no mérito, comporta provimento.

I. O reconhecimento de pessoas como meio probatório e o avanço da jurisprudência

Antes de adentrar o mérito da discussão, convém salientar que o exame da controvérsia não demanda reexame aprofundado de prova – inviável na seara estreita do especial –, mas a valoração dela, o que é perfeitamente admitido no julgamento do apelo nobre. Feito esse esclarecimento, registro que, segundo o disposto no art. 226 do CPP (grifei):

Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; II - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; [...] IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Esta Corte Superior entendia, até recentemente, que as prescrições contidas no referido dispositivo constituiriam "mera recomendação" e, como tal, o eventual descumprimento dos requisitos formais nele previstos não ensejaria nulidade da prova.

Rompendo com essa posição jurisprudencial, a Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o antigo entendimento e definir que o procedimento legal "não configura mera recomendação do legislador, mas rito de observância necessária, sob pena de invalidade do ato". Estabeleceu-se ali a necessidade de se determinar a invalidade de qualquer reconhecimento formal – pessoal ou fotográfico – que não siga estritamente o que determina o art. 226 do CPP, sob pena de continuar-se a potencializar o concreto risco de graves erros judiciários.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, a temática também tem se repetido. Exemplificativamente, menciono o HC n. 172.606/SP (DJe 5/8/2019), de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, em que, monocraticamente, se absolveu o réu, em razão de a condenação haver sido lastreada apenas no reconhecimento fotográfico realizado na fase policial. Ainda, há de se destacar que, em julgamento concluído no dia 23/2/2022 , a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n. 206.846/SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação.

Na ocasião, o Ministro relator mencionou outros precedentes do STF em sentido similar e, reportando-se ao que o STJ decidiu no HC n. 598.886/SC, propôs a fixação de três teses, acolhidas à unanimidade pelo colegiado:

1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa. 2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas. 3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos. (Destaquei)

Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 15/3/2022, esta colenda Sexta Turma, por ocasião do julgamento do HC n. 712.781/RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC e decidiu, à unanimidade, que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar, nem para lastrear outras decisões, ainda que de menor rigor quanto ao standard probatório exigido, tais como a decretação de prisão preventiva, o recebimento de denúncia e a pronúncia.

Pontuou-se, ainda, no referido julgado, que o reconhecimento de pessoas é prova cognitivamente irrepetível, porque o ato inicial afeta todos os subsequentes e a sua repetição, mesmo que em conformidade com o art. 226 do CPP, não convalida os vícios pretéritos. Mais recentemente, com o objetivo de minimizar erros judiciários decorrentes de reconhecimentos equivocados, a Resolução n. 484/2022 do CNJ incorporou os avanços científicos e jurisprudenciais sobre o tema e estabeleceu "diretrizes para a realização do reconhecimento de pessoas em procedimentos e processos criminais e sua avaliação no âmbito do Poder Judiciário" (art. 1º). Tecidas essas considerações, passo ao exame do caso concreto posto em julgamento.

II. O caso dos autos

O Tribunal de origem, por maioria, manteve a sentença condenatória, nestes termos (fls. 389-392, grifei):

Portanto, se o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal é apenas recomendável e não obrigatório, a sua inobservância, por si, não macula o reconhecimento realizado pela vítima. In casu, sem me ater ao exame do mérito, não obstante o reconhecimento do réu tenha ocorrido sem a devida observância do procedimento legal recomendado pelo art. 226 do CPP, inferese dos autos que referida identificação é segura nos autos, mormente pelos depoimentos dos policiais militares Evandro Carlos Rodrigues e Robson do Nascimento Souza, em ambas as fases da persecução criminal, corroborada pela narrativa da vítima, inclusive na fase inquisitorial, a denotar indícios suficientes que apontam o recorrente como autor do crime sub judice. Logo, malgrado o reconhecimento do apelante tenha sido realizado sem a observância das formalidades legalmente recomendadas, não vislumbro, na hipótese, qualquer vício capaz de configurar a indigitada nulidade processual e invalidade das provas derivadas. Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac [...] Consta do histórico do REDS: “SENHOR DELEGADO DE POLÍCIA JUDICIARIA, COMPARECEMOS NO LOCAL ONTEM SENHOR VILSON NOS RELATOU QUE ESTAVA TRANSITANDO COM SUA BICICLETA PELA RUA QUANDO UM INDIVÍDUO DESCONHECIDO O PAROU E COMEÇOU A CONVERSAR COM ELE. A VÍTIMA ESTAVA EMPURRANDO SUA BICICLETA E DE REPENTE O AUTOR COMEÇOU A XINGA-LA E APANHOU UMA PEDRA QUE ESTAVA NO CHÃO QUE FOI USADA PARA GOLPEAR A CABEÇA DA VÍTIMA POR TRÊS VEZES ATÉ QUE ELA CAIU NO CHÃO. APÓS AGREDIR A VÍTIMA O AUTOR SAIU DO LOCAL LEVANDO CONSIGO A BICICLETA DA VÍTIMA TOMANDO SENTIDO DESCONHECIDO. SEGUNDO O SENHOR VILSON O AUTOR ERA UM HOMEM MORENO, MAGRO, DE ESTATURA MEDIANA QUE TRAJAVA BERMUDA AZUL, CHINELO E CAMISA VERMELHA. REALIZAMOS RASTREAMENTO E DURANTE AS DILIGÊNCIAS FOMOS INFORMADOS QUE O AUTOR SERIA UM INDIVÍDUO DE NOME BRUNO DO QUAL FOI MOSTRADA UMA FOTOGRAFIA PARA A VÍTIMA QUE PRONTAMENTE O RECONHECEU COMO O AUTOR DO ROUBO, ELE MORARIA NA ENTRADA DO BAIRRO SANTO ANTÔNIO, ATÉ O MOMENTO NÃO LOCALIZAMOS O SUSPEITO CONTUDO CONTINUAREMOS AS BUSCAS. A VÍTIMA ESTAVA COM UM CORTE NA CABEÇA E FOI SOCORRIDA PARA O HPS (FICHA Nº 1099882) ONDE FOI ATENDIDA NO SETOR DE TRIAGEM E POSTERIORMENTE ENCAMINHADA PARA A UPA NORTE (...)” Na fase investigativa, o ofendido declarou: “(...) QUE na data dos fatos. por volta das 19h30min, o declarante seguia a pé sozinho empurrando sua bicicleta por uma subida em uma rua do Bairro Parque Serra Verde; QUE o autor se aproximou a pé, sozinho, por trás do declarante e desferiu uma pedrada na cabeça do declarante; QUE o declarante se virou e entrou em luta corporal com o autor; QUE o autor armado com a pedra ainda desferiu mais duas pedradas no declarante; QUE o declarante soltou sua bicicleta, a qual foi subtraída pelo autor, que seguiu desceu a rua em direção ao Poço Dantas: QUE não sabe informar o Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac modelo ou a marca da bicicleta roubada, sendo que a comprou de segunda mão por R$ 200,00; QUE o autor não disse nada antes de cometer o crime; QUE não apresenta testemunhas do fatos; QUE não sabe informar se nas proximidades do local do crime existem câmeras de segurança; QUE o autor estava sozinho e armado com uma pedra; QUE afirma que foi atendido no HPS e UPA NORTE, onde recebeu 05 pontos na cabeça e foi liberado; QUE neste ato foi apresentada ao declarante a fotografia retirada do Sistema ISP do suspeito BRUNO APOLINÁRIO PIRES (RG 20271737), o qual foi reconhecido pelo declarante, sem dúvidas, como sendo o autor do roubo do qual foi vítima.” Em audiência de instrução (disponível no PJe Mídias), a vítima não foi ouvida, tendo o apelante negado qualquer envolvimento com o delito, sustentando estar no Rio de Janeiro na data dos fatos, sendo preso em 18/03/2017, três dias após seu retorno a Minas Gerais. Por sua vez, os policiais Evandro Carlos Rodrigues e Robson do Nascimento Souza ratificaram o histórico do REDS. Diante disso, tendo a vítima reconhecido o apelante como autor do delito, e considerando os demais elementos de prova – notadamente os depoimentos prestados em juízo pelos militares – deve ser mantido o decreto condenatório.

Por oportuno, transcrevo o seguinte excerto do voto divergente (fls. 453- 456, destaquei):

No presente caso, a dinâmica do flagrante conduz à necessidade de realização do ato de reconhecimento pessoal e, em caso de descumprimento do disposto no art. 226 do CPP, ausente prova autônoma, da absolvição em respeito ao princípio do “in dubio pro reo”. Explico. Inicialmente, há que se considerar que Bruno a todo momento negou a prática delitiva e alegou que estava no Rio de Janeiro quando da data do fato. Em juízo, os militares somente ratificaram o histórico de ocorrência e, indagados pelo Magistrado, afirmaram que não se lembravam de mais detalhes do caso (PJE mídias). No referido histórico consta: [...] O ofendido não foi ouvido em juízo e não pode confirmar o seu relato. Na delegacia, destaca-se que somente uma fotografia foilhe mostrada, a qual foi extraída do sistema prisional: [...] Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac Dessa forma, extrai-se que a descrição da vítima foi extremamente genérica, sendo que o reconhecimento ocorreu por meio da apresentação de uma única fotografia e o acusado não foi localizado pelos militares nem a “res furtiva”. Como se vê, o que se tem, é tão somente o reconhecimento pessoal, realizado por meio de “show up” fotográfico, sem alinhamento de pessoas com fisionomias semelhantes e, portanto, com inobservância ao procedimento do art. 226 do CPP. Ressaltese que não há registro de que o reconhecimento pessoal tenha sido realizado. Destarte, estabelecida a imprestabilidade do reconhecimento pessoal extrajudicial, subsiste, neste caso, (i) a negativa da autoria delitiva, que foi corroborada (ii) pelo fato de Bruno não ter sido encontrado pelos militares na data do fato e a “res furtiva” não ter sido recuperada, (iii) pela ausência de ratificação em juízo do reconhecimento, (iv) pela inexistência de esclarecimento em juízo sobre como chegou-se ao nome do acusado, já que no histórico cita-se somente o prenome Bruno e (v) pela ausência de prova judicializada sobre a autoria, considerando que os militares não se lembravam mais dos fatos. [...] Nesse cenário, com a devida vênia aos cultos colegas, à míngua de elementos probatórios capazes de comprovar que autoria do embargante, deve ser resgatado o voto minoritário com a absolvição de Bruno, nos termos do art. 386, V, do CPP.

Faço prevalecer o entendimento firmado no voto divergente, de que há dúvida razoável acerca da autoria delitiva. Isso porque o conjunto probatório é precário. A vítima foi ouvida pela autoridade policial, mas não ratificou seu depoimento em juízo.

Os policiais não presenciaram os fatos e perseguiram o acusado apenas com base nas características fornecidas pelo agredido, atributos esses comuns, que poderiam resultar na prisão de uma infinidade de pessoas. Ademais, durante a audiência de instrução, os agentes públicos afirmaram não se recordarem mais dos fatos. Além disso, o réu não foi preso na data da ocorrência, e o objeto subtraído não foi encontrado com ele. Havendo dúvida razoável acerca da autoria delitiva, diante da fragilidade dos elementos de prova trazidos pela acusação, a absolvição por insuficiência de provas, com fundamento no art. 386, VII, do CPP, é medida que se impõe. Nesse sentido:

As provas indicadas pelas instâncias ordinárias para condenar devem superar qualquer dúvida razoável acerca da possibilidade de inocência do Acusado. Sem a indicação dessas provas, como ocorreu no caso concreto, a absolvição é medida que se impõe, pela insuficiência de provas, na forma do art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal ((REsp n. 2.116.936/BA, relator Ministro Teodoro Silva Santos, Sexta Turma, julgado em 12/3/2024, DJe de 15/3/2024).

Como se tudo isso não bastasse, não houve procedimento formal de reconhecimento pessoal nos moldes do art. 226 do CPP, pois apenas foi exibida a foto do denunciado ao ofendido. A identificação, única prova da autoria delitiva, decorreu apenas do reconhecimento fotográfico feito pela vítima na delegacia. Portanto, ausentes o ato de reconhecimento exigido pela lei e outras provas independentes dele, faz-se necessário declarar a absolvição do ora recorrente, nos termos do voto divergente. Ilustrativamente:

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DO PARQUET ESTADUAL. ROUBO. RECONHECIMENTO PESSOAL PELA TÉCNICA DO SHOW UP. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 226 DO CPP. CONDENAÇÃO AMPARADA EM RECONHECIMENTO PESSOAL FALHO E NO TESTEMUNHO DA VÍTIMA. DESCRIÇÃO DOS EVENTOS DELITIVOS QUE GERA DÚVIDA. AUSÊNCIA DE OUTRAS FONTES MATERIAIS INDEPENDENTES DE PROVA. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. REVALORAÇÃO DE PROVAS QUE AFASTA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O reconhecimento fotográfico serve como prova apenas inicial e deve ser ratificado por reconhecimento presencial, assim que possível. E, no caso de uma ou ambas as formas de reconhecimento terem sido efetuadas, em sede inquisitorial, sem a observância (parcial ou total) dos preceitos do art. 226 do CPP e sem justificativa idônea para o descumprimento do rito processual, o reconhecimento falho se revelará incapaz de permitir a condenação, como regra objetiva e de critério de prova, sem corroboração independente e idônea do restante do conjunto probatório, produzido na fase judicial. 2. É nulo o reconhecimento pessoal efetuado pela técnica conhecida como show-up, conduta que consiste em exibir apenas Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac o suspeito, ou sua fotografia, e solicitar que a vítima ou testemunha diga se identifica o autor do crime, o que contraria a dicção do art. 226 do Código de Processo Penal e a jurisprudência desta Corte de Justiça consolidada no HC n. 598.886/SC, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 18/12/2020. Precedentes: HC n. 822.286/RJ, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 28/11/2023, DJe de 4/12/2023; AgRg no AREsp n. 1.852.475 /SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe de 9/3/2023; HC n. 700.313/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022; HC 918.793/SP, Rel. Min. JOEL ILAN PACIORNIK, DJe de 06/06/2024; AgRg no AREsp 2.594.573/SP, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe de 03/06/2024; AgRg no AREsp 2.464.192/DF, Rela. Mina. DANIELA TEIXEIRA, DJe de 29/04/2024; HC 770.348/RJ, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, DJe de 14/09/2022. 3. "A confirmação, em juízo, dos reconhecimentos fotográficos e pessoal extrajudiciais, por si só, não torna os atos seguros e isentos de erros involuntários, pois 'uma vez que a testemunha ou a vítima reconhece alguém como o autor do delito, há tendência, por um viés de confirmação, a repetir a mesma resposta em reconhecimentos futuros, pois sua memória estará mais ativa e predisposta a tanto' (STJ, HC n. 712.781/RJ, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 15/3/2022, DJe de 22/3/2022)" (REsp n. 2.029.730/SC, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27/6/2023, DJe de 30/6/2023). 4. A despeito do relevo que merece a palavra da vítima em crimes cometidos na clandestinidade, a jurisprudência desta Corte tem ressalvado que a narrativa da vítima também deve ser sopesada em relação "aos demais fatos trazidos aos autos, assim como, aos indícios passíveis de induzir à conclusão sobre as circunstâncias fáticas, sempre sob a lente da razoabilidade e de demais garantias constitucionais" (AgRg no RHC n. 174.353/MS, rel. p/ ac. Min. Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 8/8/2023, DJe 23/8/2023). 5. "Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima, mesmo nas hipóteses em que ela diga ter 'certeza absoluta' do que afirma, não se está a questionar a idoneidade moral daquela pessoa ou a imputar-lhe má-fé, vale dizer, não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente. O que se pondera apenas é que, não obstante subjetivamente sincera, a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade, porque decorrente de Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac um 'erro honesto', causado pelo fenômeno das falsas memórias" (HC n. 700.313/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 10/6/2022). 6. O mero fato de a vítima ter entrado em luta corporal com o réu não se presta, por si só, a validar o reconhecimento pessoal efetuado em descompasso com as regras do art. 226 do CPP tanto mais quando não amparado em outras provas independentes e autônomas da autoria do delito, mas apenas em testemunho da vítima que revela narrativa incongruente dos eventos. 7. "não há violação à Súmula 7 desta Corte quando a decisão se limita a revalorar juridicamente as situações fáticas constantes da sentença e do acórdão recorridos" (AgRg no REsp n. 1.444.666 /MT, Sexta Turma Relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/8/2014), caso dos autos. Precedentes. 8. Situação em que o réu foi condenado como incurso no art. 157, § 1º, na forma do art. 61, I, ambos do Código Penal, à pena de 5 (cinco) anos de reclusão, no regime inicial fechado, e 10 (dez) dias-multa, em virtude do roubo de uma máquina fotográfica e de uma calça jeans. 9. No caso concreto, a despeito de a vítima ter asseverado tanto em sede inquisitorial quanto em juízo ter absoluta certeza ao apontar o réu como o autor do delito, verifica-se que o reconhecimento fotográfico entre seis fotos apresentadas foi seguido de reconhecimento pessoal, em sede policial, dois meses após o evento delituoso, pela técnica do show up, sem que a autoridade policial tenha apresentado qualquer justificativa idônea para que o suspeito não fosse mostrado à vítima juntamente com outros indivíduos que guardassem semelhança com ele, em atenção ao disposto no art. 226, II, do CPP. Ademais, gera dúvidas a narrativa da vítima que, inicialmente, afirmou ter-lhe sido subtraída apenas uma calça jeans, agregando, depois, o roubo de uma máquina fotográfica, quando a mesma vítima admite que, após breve embate corporal com o réu, acompanhou a rota de sua fuga pela janela pulando para muro vizinho e por outra cerca, sem mencionar que ele trazia qualquer objeto em suas mãos e afirmando não saber o que ele tinha nos bolsos. Isso porque dificilmente uma pessoa consegue guardar uma calça jeans tamanho 46 nos bolsos. 10. Se nenhum dos objetos subtraídos foi encontrado em poder do réu e a sentença ancorou a materialidade do delito apenas nos autos de reconhecimento fotográfico e pessoal realizado em desconformidade com o art. 226 do CPP e na palavra da vítima, cuja narrativa demonstra incongruência/dúvida sobre o desenrolar Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac dos fatos, é de se reconhecer a fragilidade dos elementos probatórios que levaram à condenação do réu, sendo de rigor sua absolvição. 11. Agravo regimental do Ministério Público estadual desprovido. (AgRg no REsp n. 1.989.537/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 7/10/2024, DJe de 14/10/2024, grifei) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO. RECONHECIMENTO DE PESSOAS. INOBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. PROVA INVÁLIDA COMO FUNDAMENTO PARA A CONDENAÇÃO. ABSOLVIÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que referido o artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. 2. Em julgamento concluído no dia 23/2/2022, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal deu provimento ao RHC n. 206.846 /SP (Rel. Ministro Gilmar Mendes), para absolver um indivíduo preso em São Paulo depois de ser reconhecido por fotografia, tendo em vista a nulidade do reconhecimento fotográfico e a ausência de provas para a condenação. Reportando-se ao decidido no julgamento do referido HC n. 598.886/SC, no STJ, foram fixadas pelo STF três teses: 2.1) O reconhecimento de pessoas, presencial ou por fotografia, deve observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime e para uma verificação dos fatos mais justa e precisa; 2.2) A inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita, de modo que tal elemento não poderá fundamentar eventual condenação ou decretação de prisão cautelar, mesmo se refeito e confirmado o reconhecimento em Juízo. Se declarada a irregularidade do ato, eventual condenação já proferida poderá ser mantida, se fundamentada em provas independentes e não contaminadas; 2.3) A realização do ato de reconhecimento pessoal carece de justificação em elementos que indiquem, ainda que em juízo de verossimilhança, a autoria do Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac fato investigado, de modo a se vedarem medidas investigativas genéricas e arbitrárias, que potencializam erros na verificação dos fatos. 3. Posteriormente, em sessão ocorrida no dia 15/3/2022, a Sexta Turma desta Corte, por ocasião do julgamento do HC n. 712.781 /RJ (Rel. Ministro Rogerio Schietti), avançou em relação à compreensão anteriormente externada no HC n. 598.886/SC e decidiu, à unanimidade, que, mesmo se realizado em conformidade com o modelo legal (art. 226 do CPP), o reconhecimento pessoal, embora seja válido, não tem força probante absoluta, de sorte que não pode induzir, por si só, à certeza da autoria delitiva, em razão de sua fragilidade epistêmica; se, porém, realizado em desacordo com o rito previsto no art. 226 do CPP, o ato é inválido e não pode ser usado nem mesmo de forma suplementar. 4. No caso, por volta de 23h40, a vítima teve seu celular roubado por um criminoso. Logo após o delito, foi até uma mercearia e acionou a polícia, oportunidade em que descreveu as características físicas e as cores das vestimentas do suspeito. Cerca de uma hora depois, em torno de 00h45, policiais militares depararam com o réu em local bem distante de onde ocorreu o crime. Suas características eram compatíveis com aquelas mencionadas pelo ofendido, razão pela qual o abordaram, mas nada de ilícito, nem mesmo o celular subtraído, foi encontrado com ele, e o indivíduo negou veementemente a autoria do delito. Diante disso, os militares telefonaram para a vítima (que estava com o pai), enviaram uma foto do acusado por telefone e perguntaram se havia sido ele o autor do roubo, ao que o ofendido respondeu afirmativamente. Na sequência, a vítima compareceu até o local onde o réu foi encontrado e confirmou o reconhecimento, o que também fez novamente na delegacia. Em juízo, não foi realizado o procedimento de reconhecimento. 5. Fica evidente, portanto, que nos três reconhecimentos (por fotografia enviada no telefone; pessoalmente no local onde o acusado foi detido e pessoalmente na delegacia) não foi observado o rito legal previsto no art. 226 do CPP, porque exibido apenas o réu à vítima. 6. Não se trata de insinuar que a vítima mentiu ao dizer que reconheceu o acusado. Chama-se a atenção, nesse ponto, para o fundamental conceito de "erros honestos" trazido pela psicologia do testemunho. Para este ramo da ciência, o oposto da ideia de "mentira" não é a "verdade", mas sim a "sinceridade". Quando se coloca em dúvida a confiabilidade do reconhecimento feito pela vítima, mesmo nas hipóteses em que ela diga ter "certeza absoluta" do que afirma, não se está a questionar a idoneidade Documento eletrônico VDA46562793 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ Assinado em: 01/04/2025 19:07:53 Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025. Código de Controle do Documento: 8dffd494-4970-401e-b761-84fd2596c0ac moral daquela pessoa ou a imputar-lhe má-fé, vale dizer, não se insinua que ela esteja mentindo para incriminar um inocente. O que se pondera apenas é que, não obstante subjetivamente sincera, a afirmação da vítima pode eventualmente não corresponder à realidade, porque decorrente de um "erro honesto", causado pelo fenômeno das falsas memórias. 7. Uma vez que o reconhecimento do agravado é nulo, visto que foi realizado em desconformidade com o disposto no art. 226 do CPP, deve ser proclamada a sua absolvição, ante a inexistência, como se deflui da sentença condenatória e do acórdão impugnado, de qualquer outra prova independente e idônea a formar o convencimento judicial sobre a autoria do crime de roubo que lhe foi imputado. 8. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 730.232/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/12/2022, DJe de 21/12/2022, destaquei)

III. Dispositivo À vista do exposto, dou provimento ao recurso especial, a fim de reconhecer a nulidade do reconhecimento fotográfico e de todas as provas dele derivadas e, assim, com fundamento no arts. 386, VII, do CPP, absolver o recorrente. Publique-se e intimem-se, inclusive a vítima, para ciência do resultado do julgamento. Brasília (DF), 01 de abril de 2025. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2200363 - MG (2025/0069466-9) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 03/04/2025.)

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