STJ Mar25 - Dosimetria Irregular - Crime Militar - Roubo - Vetoriais Afastados :(i)personalidade - voltados para a senda criminosa; (ii) personalidade do agente com base na gravidade abstrata do delito (iii) Periculosidade do Agente em Bis in Idem com agravante genérica do artigo 70, II, “l” do CPM, o agente praticara o delito durante o serviço militar

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO 

Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de BXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO AMAZONAS. Em suas razões, o impetrante, em síntese, pretende a revisão da pena-base do delito em relação a ambos os pacientes e o afastamento da agravante do art. 70, II, “l”, do CPM, quanto ao corréu JOÃO ROSÁRIO DE ALMEIDA E SILVA JÚNIOR, com o consequente impacto no regime prisional dos pacientes após a fixação da nova dosimetria da pena. 

Prestadas as informações (e-STJ fls. 77-89). Parecer do MPF pelo não conhecimento da impetração (e-STJ fls. 96-98). 

É o relatório. Decido. 

A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal. Veja-se:

 "O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício" (AgRg no HC n. 895.777/PR, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 8/4/2024). "De acordo com a jurisprudência do STJ, não é cabível o uso de habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, notadamente quando não há indicação de incidência de alguma das hipóteses previstas no art. 621 do CPP. Precedentes" (AgRg no HC n. 864.465/SC, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no mesmo sentido: "Do ponto de vista processual, o caso é de  habeas corpus substitutivo de agravo regimental (cabível na origem). Nessas condições, tendo em vista a jurisprudência da Primeira Turma desta Corte, entendo que o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux) (...) A orientação jurisprudencial deste Tribunal é no sentido de que o “habeas corpus não se revela instrumento idôneo para impugnar decreto condenatório transitado em julgado” (HC 118.292-AgR, Rel. Min. Luiz Fux). 4. O caso atrai o entendimento desta Corte no sentido de que não cabe habeas corpus para reexaminar os pressupostos de admissibilidade de recurso interposto perante outros Tribunais (HC 146.113-AgR, Rel. Min. Luiz Fux; e HC 110.420, Rel. Min. Luiz Fux). (...) (HC 225896 AgR, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 17/5/2023). 

O entendimento é de elevada importância, devendo ser utilizado para preservar a real utilidade e eficácia da ação constitucional, qual seja, a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a necessária celeridade no seu julgamento.

 A concessão de ofício da ordem, nos termos dos arts. 647-A e 654, § 2º, do Código de Processo Penal, depende da existência de flagrante ilegalidade. Analisando-se o conteúdo da documentação colacionada aos autos, verifica-se que a ordem deve ser concedida de ofício para o fim de readequação da dosimetria da pena. 

Inicialmente, extrai-se que o TJAM fundamentou a dosimetria da pena a partir dos seguintes elementos (e-STJ fls. 26-27): 

“(...) Quanto ao pleito relativo à reforma na dosimetria da pena, embora a defesa alegue que os fundamentos utilizados para exasperar a pena-base são inidôneos ou inerentes ao próprio tipo penal, verifico, de outro modo, que a dosimetria da reprimenda fora corretamente analisada, sendo a penalidade fixada de maneira coesa e resguardando a devida razoabilidade e proporcionalidade. Explico. Ao individualizar a conduta dos Acusados, o ínclito Julgador de primeira instância entendeu que o comando do delito foi exercido pelos dois Acusados, ora Apelantes, de modo que deve as reprimendas merecem o agravamento, nos termos do art. 53, § 2º, inciso I, do Código Penal Militar. Ato contínuo, consignou que a gravidade e a periculosidade do crime mereceriam destaque, tendo em vista que os Recorrentes se valeram do posto que ocupavam para a prática do furto de modo qualificado. Considerou, ainda, a necessidade de exasperação da pena-base em função do concurso de pessoas e da prática do delito durante o período noturno, desprezando o rompimento de obstáculo. Por fim, quanto ao Réu João XXXXXXXXXXX, verificou a incidência da agravante genérica, prevista no art. 70, inciso II, letra "l", do Código Penal Militar, tendo em vista que o Recorrente estava de serviço na noite do crime. Outrossim, reitero que, quanto ao pleito de retirada do monitoramento eletrônico, ante a gravidade do delito em tela, bem como a pluralidade de Acusados, não há que se falar em excesso de prazo na condução processual, de modo que o equipamento de monitoramento é medida necessária para garantir a aplicação da lei penal. Nessa ordem de ideias, entendo que a sanção fixada é coesa e guarda compatibilidade com os postulados da razoabilidade e proporcionalidade, ressaltando que o douto Juízo a quo observou os critérios legais e o sistema trifásico da dosimetria da pena, razão pela qual MANTENHO a pena definitiva fixada, em relação ao réu João Rosário de Almeida e Silva Júnior, em 10 (dez) anos de reclusão, e quanto ao acusado Bruno Dayvison Lima de Sales, em 8 (oito) anos de reclusão, ambos em regime inicial fechado, pelo delito previsto no art. 240, §§ 4º e 6º, incisos I e IV, c/c art. 53 do Código Penal Militar.”

 Inicialmente, cabe anotar que é uníssona a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "[a] individualização da pena, como atividade discricionária do julgador, está sujeita à revisão apenas nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia, quando não observados os parâmetros legais estabelecidos ou o princípio da proporcionalidade" (AgRg no REsp n. 2.118.260/MS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 13/5/2024, DJe de 15/5/2024).

 Pelo que se extrai, o juízo de piso fundamentou a dosimetria adotada: 

“No âmbito das circunstâncias judiciais, de acordo com o artigo 69 do Código Penal Militar e conforme o que já foi especificado na individualização das condutas delituosas, a gravidade do crime, de natureza qualificada, é tamanha, que põe em risco toda a credibilidade da segurança pública. Como se pode conceber que oficiais da Polícia Militar se aliem a bandidos perigosos, capazes de planejar subtração ou roubo a agências bancárias, para angariar ilicitamente altas somas, fazendo o oposto do que deveriam fazer, a proteção do patrimônio público e privado? Isso demonstra periculosidade, porque se valem do cargo que ocupam para acobertar criminosos, que eles mesmos são, colaborando até para furto qualificado, com dano e arrombamento em paredes, durante o período noturno, do que se extraem as personalidades voltadas para a senda criminosa, maculadas pela própria indiferença de em nada representar a dignidade do oficialato. Há de ser justificada a exasperação da pena, apesar da aparente primariedade técnica dos réus, pois, na análise das circunstâncias judiciais e no concurso de qualificadoras, aplico uma das mais graves para qualificar, a do concurso de pessoas, desconsidero a de rompimento ou obstáculo para a subtração da coisa, e, por ser o delito cometido à noite, tenho esta qualificadora como circunstância de agravação, ao menos no mínimo legal, tomando como parâmetro os 2 (dois) anos de reclusão previstos para o furto praticado durante a noite. Especificamente em relação ao réu JOÃO ROXXXXXXXXXIOR estava de serviço na noite do crime e esta circunstância agravante genérica há de ser considerada, porque prevista no artigo 70, inciso II, letra “l”, do Código Penal Militar. Esse mesmo réu deve ter a pena-base exacerbada porque a análise das circunstâncias judiciais considerou ser ele o oficial que dirigiu a atividade criminosa em Parintins, entrando em contato com os executores por meio sorrateiro e desviando o trabalho policial militar do local que seria o alvo da empreitada criminosa. Especificamente em relação ao réu BRUNOXXXXXXXXXX há de ser tido como o mentor ou organizador do crime, dirigindo a atividade dos demais agentes, mesmo à distância, pelo que deve ter a pena-base exacerbada.” (e-STJ fls. 58-60) 

Com preponderância, extrai-se que a valoração da vetorial relativa à gravidade do delito baseou-se no fato de os réus serem oficiais da Polícia Militar que se aliaram a criminosos para subtrair valores de agências bancárias, colocando em risco a credibilidade da segurança pública. Mencionada circunstância revela-se como não inerente ao tipo penal de furto qualificado.

 Isso porque, constituindo maior desvalor da conduta em razão da quebra de confiança institucional, reputa-se válida sua consideração a fim de que se frise a distinção da gravidade da conduta dos pacientes, que, contrariando preceitos básicos e essenciais de suas funções, alinharam-se a terceiros para a prática de delitos patrimoniais. 

Com ressalvas, portanto, entende-se que, em se tratando de crime militar, a quebra do dever de lealdade institucional e o abalo à imagem da corporação podem ser validamente considerados na primeira fase da dosimetria, por não constituírem elementos típicos, mas circunstâncias concretas que demonstram maior reprovabilidade da conduta do agente.

 No mais, a condição de militar do agente, quando valorada sob o prisma do desprestígio causado à instituição em razão da prática criminosa, pode ser validamente considerada como circunstância judicial desfavorável, por não constituir elemento inerente ao tipo penal do furto qualificado, mas circunstância concreta que demonstra maior reprovabilidade na conduta.

 Logo, irreparável a valoração de referida circunstância. 

Já quanto à personalidade, a simples fundamentação de que eles “seriam voltados para a senda criminosa” revela-se insuficiente, pois não ilustra elementos concretos além do próprio contexto do crime em comento.

 Frisa-se que a jurisprudência deste Tribunal Superior pacificou entendimento no sentido de que "a simples afirmação de que o réu possui personalidade voltada para o crime, sem menção a nenhum elemento concreto dos autos que, efetivamente, evidencie especial agressividade e/ou perversidade do agente, ou mesmo menor sensibilidade ético-moral, não justifica o aumento da pena-base" (AgRg no AREsp n. 743.772/ES, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/8/2018, DJe de 22/8/2018).

 Dessa forma, além da simples afirmação de ter o sentenciado personalidade voltada para a prática de delitos, deve haver demonstração de elementos concretos para a valoração negativa do vetor, o que não foi observado no caso dos autos.

Assim, necessária a concessão da ordem para afastar a circunstância judicial relativa à personalidade do réu, pois identificada ilegalidade no ato contestado. 

Além disso, não é possível a valoração negativa da personalidade do agente com base na gravidade abstrata do delito, em afirmações genéricas e desprovidas de fundamentação concreta, ou em elementos essenciais ao tipo penal, como indevidamente procedeu o magistrado sentenciante. Nesse sentido: 

"HABEAS CORPUS. FURTO AO BANCO CENTRAL. QUADRILHA E LAVAGEM DE DINHEIRO. FIXAÇÃO DA PENA. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. MOTIVAÇÃO INSUFICIENTE. REDUÇÃO NECESSÁRIA. ORDEM CONCEDIDA. [...] 5. A simples afirmação de que a personalidade é desvirtuada, conforme a jurisprudência desta Corte, não justifica a valoração negativa dessa circunstância judicial para fixação da pena-base. O mesmo se diga em relação à conduta social, cuja simples menção à reprovabilidade não serve de substrato justificante para considerá-la negativa. 6. Habeas corpus concedido para reduzir as penas impostas ao paciente." (HC 203.434/CE, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 20/06/2017, DJe 26/06/2017) 

Reprisa-se, ainda, que não se mostra possível a valoração negativa da personalidade do agente com base em aspectos como 'personalidade voltada para o crime' ou 'personalidade deturpada', sem referência a elementos concretos extraídos dos autos que efetivamente demonstrem tal característica do acusado, sob pena de se proceder a uma análise subjetiva, dissociada das circunstâncias fáticas objetivas que devem embasar a elevação da pena-base. 

No caso, o paciente sequer registrava antecedentes, nem mesmo foi referenciado maior aprofundamento quanto à sua personalidade e ao seu eventual nível de envolvimento com atos criminosos

Em continuidade, extrai-se que a valoração da periculosidade se deu sobre o fato de que os pacientes teriam se utilizado do cargo para acobertar a própria atividade criminosa. Mencionada fundamentação, em uma análise técnica, confunde-se com a agravante genérica do artigo 70, II, “l” do Código Penal Militar, pois ambas dizem respeito ao fato de que o agente praticara o delito durante o serviço- o que incorre em inquestionável bis in idem. 

Por conseguinte, referidas vetoriais atinentes à personalidade e periculosidade devem ser decotadas. Os demais deslocamentos de agravantes e qualificadoras efetuados não revelam latente ilegalidade e vinculam-se à discricionariedade conferida aos julgadores durante o procedimento de fixação da pena. Em razão disso, devem ser mantidos inalterados.

 Ante o exposto, não conheço do habeas corpus substitutivo. Entretanto, concedo a ordem, de ofício a fim de determinar o retorno dos autos à origem para a realização da nova dosimetria das penas. Esse recálculo deverá ser feito mediante o decote da valoração negativa das vetoriais relativas à personalidade e periculosidade, com consequente redução proporcional das penas-base calculadas, mantida, entretanto, a agravante do artigo 70, II, “l” do Código Penal Militar, em relação ao paciente JXXXXXXXXXX. Publique-se. Intimem-se.

Relator

CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS)

(STJ -  HABEAS CORPUS Nº 948810 - AM (2024/0365731-5) RELATOR : MINISTRO CARLOS CINI MARCHIONATTI (DESEMBARGADOR CONVOCADO TJRS),  Publicação no DJEN/CNJ de 24/03/2025)

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