STJ Mar25 - Dosimetria Irregular - Revisão Criminal - Receptação e Adulteração de Sinais de Veículos - Fração do Quantum de Cada Vetorial em 1/6 (regra): "deve haver fundamento concreto para aplicação de fração maior"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso especial, sem pedido liminar, impetrado em favor de JEFFERSON XXXXXXXXXXX, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, no julgamento da Revisão Criminal n. 0019336-05.2023.8.17.9000.
Consta dos autos que o paciente foi condenado, em primeiro grau de jurisdição, às penas de 6 anos e 6 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e 100 dias-multa, pela prática dos delitos tipificados no art. 180, caput, e no art. 311, caput, n/f do art. 69, todos do Código Penal (e-STJ, fls. 51/58). O pedido de revisão criminal foi julgado parcialmente procedente, para redimensionar as sanções do paciente a 5 anos, 1 mês e 20 dias de reclusão, além de 80 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação (e-STJ, fls. 10/38), em acórdão assim ementado:
REVISÃO CRIMINAL. RECEPTAÇÃO. ADULTERAÇÃO DE SINAL DE VEÍCULO. SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. ART. 621, I, DO CPP. DOSIMETRIA DA PENA. REDUÇÃO DA PENA- BASE PARA O MÍNIMO LEGA L. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE PATENTE NA VALORAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE E PERSONALIDADE DO AGENTE. PENA REDIMENSIONADA. REVISÃO CRIMINAL CONHECIDA E DEFERIDA PARCIALMENTE. COMUNICAÇÃO AO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. 1. É possível a correção da dosimetria da pena em sede de revisão criminal, nas hipóteses de manifesta ilegalidade por violação aos critérios dos arts. 59 e 68, do Código Penal, ou quando se está diante de falta ou evidente deficiência de fundamentação ou ainda de erro de técnica. Precedentes do STJ e do STF. 2. A potencial consciência da ilicitude ou a exigibilidade de conduta diversa são pressupostos da culpabilidade em sentido estrito, não fazendo parte do rol das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal (CP), logo, não constitui elemento idôneo a justificar a exacerbação da pena-base. 3. Há impropriedade na majoração da pena-base pela consideração negativa da personalidade do agente em razão da prévia prática de atos infracionais, pois é incompossível considerar que o agente possui personalidade desabonadora e voltada à prática de crimes com base em passagens pela Vara da Infância. 4. Consoante entendimento consolidado na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a prática de novo delito na condição de foragido do sistema prisional evidencia maior reprovabilidade da conduta perpetrada e constitui circunstância apta a exasperar a pena-base pela valoração negativa da conduta social. 5. O fato de praticar delitos com a intenção de não ser identificado, por estar foragido, e, assim, furtar-se da aplicação da lei penal, demonstra maior reprovabilidade da conduta delitiva, constituindo motivação concreta, idônea e suficiente para amparar o afastamento da pena-base do mínimo legal. 6. Revisão Criminal conhecida e deferida parcialmente.
Neste writ (e-STJ, fls. 3/8), a impetrante afirma que o paciente sofre constrangimento ilegal na primeira fase da dosimetria de sua pena. Para tanto, alega que apesar de a autoridade coatora reconhecer que dois vetores desabonados mereciam ser decotados, não procedeu a redução proporcional na basilar imposta.
Diante disso, requer a concessão da ordem para que sejam redimensionadas as sanções do paciente, nos termos acima reportados. As informações foram prestadas, às e-STJ, fls. 80/112 e 113/125, e o Ministério Público Federal, em parecer exarado às e-STJ, fls. 127/131, opinou pela concessão da ordem, de ofício, apenas para corrigir a dosimetria calculada para o crime de receptação.
É o relatório. Decido.
De início, o presente habeas corpus não comporta conhecimento, pois impetrado em substituição a recurso próprio. Entretanto, nada impede que, de ofício, seja constatada a existência de ilegalidade que importe em ofensa à liberdade de locomoção do paciente.
Conforme relatado, busca-se o redimensionamento das sanções do paciente, ante a redução de suas penas-base. Preliminarmente, cabe ressaltar que a revisão da dosimetria da pena, na via do habeas corpus, somente é possível em situações excepcionais de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, cujo reconhecimento ocorra de plano, sem maiores incursões em aspectos circunstanciais ou fáticos e probatórios (HC n. 304.083/PR, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJe 12/3/2015).
Nesse contexto, a exasperação da pena-base deve estar fundamentada em dados concretos extraídos da conduta imputada ao acusado, os quais devem desbordar dos elementos próprios do tipo penal. Ademais, a ponderação das circunstâncias judiciais não constitui mera operação aritmética, em que se atribuem pesos absolutos a cada uma delas, mas sim exercício de discricionariedade vinculada, devendo o Direito pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e, também, pelo elementar senso de justiça.
Precedentes: AgRg no HC n. 355.362/MG, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 28/6/2016, DJe 1º/8/2016; HC n. 332.155/SP, Relator Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Quinta Turma, julgado em 3/5/2016, DJe 10/5/2016; HC n. 251.417/MG, Relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 3/11/2015, DJe 19/11/2015; HC n. 234.428/MS, Relatora Ministra LAURITA VAZ, Quinta Turma, julgado em 1º/4/2014, DJe 10/4/2014.
Para uma melhor compreensão da controvérsia, confira-se como a sanção do paciente foi revisada pela Corte pernambucana (e-STJ, fls. 14/19, grifei):
[...] A respeito das circunstâncias judiciais, é sabido que a culpabilidade, para fins de individualização da pena, deve ser compreendida como o juízo de reprovabilidade da conduta, ou seja, o menor ou maior grau de censura do comportamento do réu. In casu, o Juiz prolator da decisão entendeu, por bem, valorar negativamente a culpabilidade do recorrente sob o argumento de ele estar “ciente da ilicitude dos seus atos, sendo sua conduta dotada de intensa reprovabilidade”. No entanto, como é sabido, a potencial consciência da ilicitude é pressuposto da culpabilidade em sentido estrito, não fazendo parte do rol das circunstâncias judiciais do art. 59, do Código Penal (CP), logo, não constitui elemento idôneo a justificar a exasperação da pena-base. [...] Constato que não há nos autos elementos concretos a justificar o recrudescimento da pena do requerente em razão da circunstância judicial referente à culpabilidade. Desse modo, considerando que a culpabilidade do requerente é normal para a espécie de crimes praticados, entendo que ela deve ser considerada neutra na valoração da pena-base dos dois delitos. Da mesma forma, deve ser afastada a circunstância judicial da personalidade como circunstância desfavorável ao requerente. No caso, verifico ser inidôneo o aumento da pena-base, considerando desfavorável o vetor relativo à personalidade do agente sob o argumento de haver respondido à várias representações, por atos infracionais, quando era menor de idade, além de ter cumprido medidas socioeducativas, pois, nos termos do entendimento firmado pelo STJ, não se pode considerar que a personalidade do agente é desajustada ou voltada para a prática de crimes com base em suas passagens anteriores pela Vara de Infância. [...] Por outro lado, entendo que deve ser mantida a valoração negativa dos antecedentes criminais do réu, bem como de sua conduta social e das circunstâncias do crime. Verifico que, para considerar os maus antecedentes do ora requerente, o Magistrado de primeiro grau apontou, de maneira correta, que, à época da prolação da sentença, este já possuía sentença condenatória transitada em julgado pela prática dos crimes de tráfico de drogas e posse ilegal de arma de fogo, no Processo nº 0001355-76.2015.8.17.0420. Em relação à conduta social, é sabido que esta circunstância judicial está atrelada ao estilo de vida do réu, se correto ou inadequado, perante a sociedade, sua família, ambiente de trabalho, círculo de amizade, não se confundindo com histórico criminal do indivíduo. In casu, em que pese o Juízo a quo tenha citado, de forma inadequada, que a conduta do réu seria desregrada por ele ter respondido a outro processo criminal, verifico que este fundamentou o desvalor desta circunstância também no fato de que “quando do crime de que trata os autos, estava foragido do Sistema Penitenciário”. [...] Assim, não há ilegalidade nos fundamentos utilizados para o reputar a circunstância judicial referente à conduta social em desfavor do requerente. Em igual sentido, foi empregada fundamentação idônea pelo Juízo sentenciante para considerar as circunstâncias do crime em desfavor do réu. Isso porque, os delitos foram cometidos, como o próprio acusado confessou, para que ele se mantivesse escondido da polícia, no intuito de encobrir a sua condição de foragido, de modo a não ser responsabilizado pelos delitos que havia cometido anteriormente. [...] Sendo assim, considerando que devem ser afastadas as circunstâncias judiciais relativas à culpabilidade e personalidade do réu, mas levando em conta que deve ser mantida a valoração negativa da conduta social, dos antecedentes e das circunstâncias do crime, entendo que as penas-bases do requerente devem ser reduzidas para: 2 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão, e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa, em relação ao delito de receptação; 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão, e pagamento de 48 (quarenta e oito) dias-multa, em relação ao delito de adulteração de sinal identificador de veículo.
Pela leitura do recorte acima, verifica-se que foi apresentada fundamentação idônea para justificar a exasperação das penas-base do paciente, ante o desvalor de seus antecedentes criminais, conduta social e circunstâncias do delito. Todavia, os argumentos exarados não justificam o incremento em fração superior à usual fração de 1/6, adotada por esta Corte de Justiça, para cada circunstância judicial desfavorável Desse modo, constato o flagrante constrangimento ilegal apontado pela impetrante e, de ofício, adoto a fração de 1/6 para valorar negativamente cada circunstância judicial desabonada. Ilustrativamente, mutatis mutandis:
HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. NÃO CONHECIMENTO. [...] TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DOSIMETRIA. CIRCUNSTÂNCIA ATENUANTE PREVISTA NO ART. 65, III, D, DO CP. QUANTUM DE REDUÇÃO NÃO ESPECIFICADO NO CÓDIGO PENAL. DISCRICIONARIEDADE VINCULADA. DESPROPORCIONALIDADE. CONFISSÃO PARCIAL DA PRÁTICA DELITIVA. IRRELEVÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Se a confissão do agente é utilizada como fundamento para embasar a conclusão condenatória, a atenuante prevista no art. 65, inciso III, alínea d, do CP, deve ser aplicada em seu favor, pouco importando se a admissão da prática do ilícito foi espontânea ou não, integral ou parcial, ou se houve retratação posterior em juízo. 2. O quantum de diminuição pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea não está estipulado no Código Penal, de forma que devem ser observados os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da necessidade e da suficiência à reprovação e à prevenção do crime, informadores do processo de aplicação da pena. 3. Na hipótese, as instâncias de origem reduziram a pena do paciente em 2 (dois) meses de forma desproporcional, sendo patente, pois, o constrangimento ilegal imposto, devendo ser aplicada a redução de 1/6 (um sexto) em razão da confissão espontânea. [...] 3. Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, a fim de redimensionar a pena imposta para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e multa, em regime inicial aberto (HC n. 408.154/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 21/9/2017, DJe 27/9/2017, grifei). PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO QUANTO AO DELITO DE ASSOCIAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. DOSIMETRIA DA PENA. REPRIMENDA BÁSICA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. QUANTIDADE E NATUREZA DO ENTORPECENTE. DISTRIBUIÇÃO EM VÁRIAS LOCALIDADES. FUNDAMENTOS SUFICIENTES. INCIDÊNCIA DO REDUTOR PREVISTO NO § 4º DO ART. 33 DA LEI N.º 11.343/2006. CONDENAÇÃO POR ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. IMPOSSIBILIDADE. ATENUANTE DA CONFISSÃO. PERCENTUAL DE APLICAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. [...] 4. O Código Penal não estabelece limites mínimo e máximo de aumento ou redução de pena em razão da incidência das agravantes e das atenuantes genéricas. Diante disso, a doutrina e a jurisprudência pátrias anunciam que cabe ao magistrado sentenciante, nos termos do princípio do livre convencimento motivado, aplicar a fração adequada ao caso concreto em obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. E, no caso, tem-se por proporcional a diminuição de 1 ano, operada em decorrência do reconhecimento da atenuante da confissão. 5. Agravo regimental a que se nega provimento (AgRg no R Esp n.º 1.672.672/CE, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, julgado em 7/11/2017, DJe 14/11/2017, grifei).
Passo, agora, ao novo cálculo da dosimetria das penas do paciente, observados os critérios adotados pelas instâncias singelas.
1) Crime de receptação Na primeira fase, reconhecido o desvalor de três circunstâncias judiciais (maus antecedentes, conduta social e circunstâncias do delito), exaspero a pena em 1/2 (1/6 para cada vetorial desabonada), ficando as sanções fixadas em 1 ano e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa.
Na segunda etapa, ausentes circunstâncias agravantes e reconhecida a incidência da atenuante da confissão, mantenho a redução das sanções em 1/6, fixando-as em 1 ano e 3 meses de reclusão, além de 12 dias-multa. Na terceira fase, ausentes causas de amento e de diminuição de pena, as sanções permanecem inalteradas.
2) Crime de adulteração de sinal identificador de veículo Na primeira fase, reconhecido o desvalor de três circunstâncias judiciais (maus antecedentes, conduta social e circunstâncias do delito), exaspero a pena em 1/2 (1/6 para cada vetorial desabonada), ficando as sanções fixadas em 4 anos e 6 meses de reclusão e 15 dias-multa. Na segunda etapa, ausentes circunstâncias agravantes e reconhecida a incidência da atenuante da confissão, mantenho a redução das sanções em 1/6, fixando-as em 3 anos e 9 meses de reclusão, além de 12 dias-multa. Na terceira fase, ausentes causas de amento e de diminuição de pena, as sanções permanecem inalteradas – reduzo as penas para 3 anos, 4 meses e 25 dias de reclusão (e-STJ, fl. 19), para não incorrer em reformatio in pejus).
Reconhecido o concurso material de crimes, as penas são somadas, ficando as reprimendas do paciente definitivamente estabilizadas em 4 anos, 7 meses e 25 dias de reclusão, além de 24 dias-multa. Ante o exposto, com fulcro no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem ex officio, para redimensionar as sanções do paciente a 4 anos, 7 meses e 25 dias de reclusão, além de 24 dias-multa, mantidos os demais termos de sua condenação. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal impetrado e ao Juízo de primeiro grau. Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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