STJ Mar25 - Estupro de Vulnerável - Pena de 8 anos - Direito ao Regime Inicial Semiaberto - Condições Favoráveis do Réu
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
EMENTA HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. WRIT SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VULNERABILIDADE. SÚMULA 593/STJ. ERRO DE PROIBIÇÃO. INEVIDÊNCIA. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME INICIAL FECHADO. FLAGRANTE ILEGALIDADE EVIDENCIADA. Petição inicial indeferida liminarmente. Habeas corpus concedido de ofício, conforme o dispositivo.
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de R DA S A, condenado à pena de 8 anos de reclusão, inicialmente, no regime fechado, pela prática do delito descrito no art. 217-A do Código Penal (Processo n. 3002002-38.2013.8.26.0097, da 1ª Vara da comarca de Buritama/SP).
Aponta-se como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Menciona-se que a Corte a quo anulou a sentença absolutória de primeiro grau e determinou a renovação dos atos processuais, o que resultou na prolação de nova decisão por outro magistrado, desta vez, condenando o paciente. Aduz-se que, ao recurso interposto contra a condenação, a Sexta Câmara de Direito Criminal negou provimento, conforme este resumo (fl. 13):
ESTUPRO DE VULNERÁVEL. Recursos defensivos. PRELIMINAR. Ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Rejeição. MÉRITO. Absolvição. Impossibilidade. Autoria e materialidade bem delineadas. Coação moral irresistível não configurada. DOSIMETRIA. Penas e regime preservados. DESPROVIMENTO.
Alega-se a ocorrência de constrangimento ilegal devido ao não reconhecimento da atipicidade da conduta e do erro de proibição. Sustenta-se que a desenvoltura e a aparência física da ofendida sugeriam autonomia e consciência sobre suas decisões sexuais, ultrapassando o escopo da presunção de incapacidade estipulada pela Súmula 593/STJ.
Argumenta-se que o paciente, em razão de sua realidade social e cultural, não tinha como compreender que o namoro com uma pessoa menor de idade seria ilícito, acreditando, de boa-fé, tratar-se de algo socialmente aceito no meio em que vive (fl. 9).
Defende-se, em tese subsidiária, que o Tribunal de origem, ao manter o regime fechado, baseou-se em dispositivo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal Requer-se a concessão de medida liminar para suspender os efeitos do acórdão impugnado.
No mérito, pleiteia-se a expedição da ordem de habeas corpus para restabelecer a sentença absolutória ou, subsidiariamente, para fixar o regime semiaberto. A condenação do paciente transitou em julgado no dia 5/9/2022 (EAREsp n. 2.465.009/SP, fl. 609). Estes autos foram a mim distribuídos por prevenção.
É o relatório.
O writ não merece ir adiante.
O presente habeas corpus é sucedâneo de revisão criminal.
Ocorre que, como não existe, neste Tribunal, julgamento de mérito passível de revisão em relação à condenação sofrida pelo paciente, é forçoso reconhecer a incompetência desta Corte Superior para o processamento do presente pedido (AgRg no HC n. 751.156/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 18/8/2022).
Seja como for, a Súmula 593/STJ estabelece que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. Também é pacífico que, nos crimes de natureza sexual, não se admite a alegação de que a vítima possuía aparência física incompatível com sua verdadeira idade, sob pena de legitimar um subjetivismo tendenciosamente sexista em detrimento do critério objetivo legalmente estabelecido, qual seja, a idade (AgRg no AREsp n. 2.240.102/PI, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 28/2/2023, DJe 3/3/2023).
Da mesma forma, argumentação baseada em fatores como a diferença de idade entre réu e vítima, o consentimento da família e os costumes locais, não se sustenta à luz da jurisprudência, que repudia a relativização do bem jurídico tutelado - a proteção integral da criança e do adolescente, conforme disposto no art. 227 da Constituição Federal e no art. 34, "b", da Convenção sobre os Direitos da Criança, internalizada pelo Decreto Legislativo n. 28/1990 (AgRg no REsp n. 2.118.508/SC, Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJEN 24/2/2025).
Em outras palavras, não afasta a responsabilização penal de autores de crimes a aclamada aceitação social da conduta imputada ao réu por moradores de sua pequena cidade natal, ou mesmo pelos familiares da ofendida, sob pena de permitir-se a sujeição do poder punitivo estatal às regionalidades e diferenças socioculturais existentes em um país com dimensões continentais e de tornar írrita a proteção legal e constitucional outorgada a específicos segmentos da população (REsp n. 1.480.881/PI, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 10/9/2015).
Afora isso, a verificação dos argumentos relacionados ao erro de proibição esbarra no reexame do conjunto fático-probatório da ação penal. Já no que se refere ao regime inicial, há constrangimento ilegal a ser reparado mediante a concessão da ordem de ofício.
No caso dos autos, apesar do quantum da pena aplicada (8 anos), da primariedade do agente e da ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, as instâncias antecedentes fixaram o regime fechado com fundamento exclusivo na natureza hedionda do delito (fls. 19 e 44).
Ocorre que tal justificativa, amparada em dispositivo tido por inconstitucional, para a imposição do regime mais gravoso configura motivação inidônea, em evidente descompasso com a jurisprudência dos Tribunais Superiores. A propósito, por exemplo, o HC n. 932.166/SP, Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, DJe 29/10/2024; e o AgRg no HC n. 696.244/SP, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 13/12/2021.
Ante o exposto, indefiro liminarmente o writ. Contudo, diante da flagrante ilegalidade, de ofício, concedo a ordem para fixar o regime inicial semiaberto ao paciente em relação à condenação na Ação Penal n. 3002002-38.2013.8.26.0097, da 1ª Vara da comarca de Buritama/SP. Comunique-se. Intime-se o Ministério Público estadual. Publique-se.
Relator
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR
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