STJ Mar25 - Execução Penal - Livramento Condicional Indeferido Pelo Fato do Paciente Não Ter ido ao Semiaberto - Ilegalidade - Decisão Anulada :"Tema Repetitivo n. 1.161"

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de CRISTIANO XXXXXX, apontando como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS no julgamento do habeas corpus criminal n. 1.0000.24.495865-8/000.

Extrai-se que o Juízo das Execuções indeferiu o pedido de livramento condicional formulado pelo paciente. Irresignada, a Defesa impetrou Habeas Corpus perante o Tribunal de origem, que não conheceu da impetração nos termos do acórdão que restou assim ementado (fl. 28):

"EMENTA: HABEAS CORPUS – EXECUÇÃO PENAL – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO VERIFICADO. Tendo em vista a necessidade de se preservar a utilidade do writ como instrumento de tutela da liberdade de locomoção, prevalece na jurisprudência o entendimento de que não se admite a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado. A concessão da ordem em HC substitutivo de recurso próprio ou de revisão criminal fica adstrita, portanto, às hipóteses de flagrante ilegalidade constatável sem a necessidade de revolvimento fático-probatório, o que não se verifica nos autos."

No presente writ, a impetrante sustenta que deve ser concedido o livramento condicional, sob o argumento de que o apenado preenche os requisitos objetivos e subjetivos necessários para a obtenção do benefício. Requer, liminarmente e no mérito, a concessão do livramento condicional, com a soltura do encarcerado.

A liminar foi indeferida. (fls. 41/42) Informações prestadas pelo Juízo de primeiro grau (fl. 63) e pela autoridade coatora. (fl. 54) Parecer do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do habeas corpus (fls. 68/73).

É o relatório. Decido.

Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.

A questão posta a deslinde se refere ao livramento condicional, benefício que pode ser concedido pelo Juízo das execuções penais aos condenados que preencherem os requisitos previstos no art. 83 do Código Penal.

No caso dos autos, o Juízo das Execuções indeferiu o livramento condicional ao paciente com base nos seguintes fundamentos (fls. 37/38):

"[...] Nesse contexto, é necessário analisar todo o histórico prisional do sentenciado a fim de verificar o preenchimento do requisito subjetivo para a concessão do livramento condicional, sem a limitação temporal prevista no art. 83 do CP. Ademais, no caso, a concessão da benesse ao sentenciado implica em colocar o sentenciado diretamente em liberdade, sem que passasse pela progressão gradual dos regimes, ou seja, do regime fechado imediatamente para a liberdade condicionada. Ainda que tal fato não seja obstáculo legal para o deferimento do benefício, urge ressaltar a peculiaridade desta Comarca, que não conta com estrutura adequada para garantir a aplicabilidade da progressão dos regimes prisionais, sendo que para maior efetividade da lei é adotado, em caráter excepcional, a prisão domiciliar com monitoração eletrônica quando os detentos atingem os requisitos para o semiaberto. Sendo assim, me parece razoável aguardar o prazo previsto para concessão do regime semiaberto com prisão domiciliar e monitoramento, já que para usufruir da benesse do livramento condicional, o sentenciado permaneceria solto, sem vigilância estatal. Com tais considerações, não preenchido o requisito subjetivo, consistente em bom comportamento durante a execução da pena, indefiro o livramento condicional ao sentenciado."

Como se observa, a decisão se amparou na necessidade de o apenado passar pelo regime semiaberto, indeferindo-se o livramento condicional, apesar de se tratar de benesses com regramentos diversos.

Sobre o tema, esta Corte Superior entende ser ilegal a exigência de passagem ou permanência por determinado tempo em regime intermediário para efeito de concessão de livramento condicional, sob pena de afronta ao princípio da legalidade, tendo em vista que tal exigência não encontra previsão no art. 83 do Código Penal. A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. GRAVIDADE DOS DELITOS PELOS QUAIS FOI CONDENADO O REEDUCANDO. NECESSIDADE DE REGIME INTERMEDIÁRIO. FUNDAMENTAÇ ÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Para a concessão do livramento condicional, deve o acusado preencher tanto o requisito de natureza objetiva (lapso temporal) quanto os pressupostos de cunho subjetivo (em especial, "bom comportamento durante a execução da pena", "bom desempenho no trabalho que lhe foi atribuído" e "aptidão para prover à própria subsistência mediante trabalho honesto"), nos termos do art. 83 do Código Penal, com a atual redação, c/c o art. 131 da Lei de Execução Penal. 2. A jurisprudência deste Superior Tribunal se firmou no sentido de que "a gravidade dos delitos pelos quais o paciente foi condenado, bem como a longa pena a cumprir não são fundamentos idôneos para indeferir os benefícios da execução penal, pois devem ser levados em consideração, para a análise do requisito subjetivo, eventuais fatos ocorridos durante o cumprimento da pena" (HC n. 480.233/SP, Quinta Turma, rel. Min. Félix Fischer, DJe de 19/2/2019). 3. No mesmo sentido, "O indeferimento do pedido de livramento condicional, arrimado na necessidade do paciente ser submetido a regime intermediário de cumprimento de pena antes de sua concessão, configura constrangimento ilegal, tendo em vista que esta exigência não se encontra prevista na legislação que rege aquele instituto. Precedentes" (HC n. 296.206/SP, Sexta Turma, relª. Minª. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4/11/2014). 4. Na hipótese, o Tribunal de origem concluiu, a despeito de tal entendimento, que o agravado "cumpre pena pela reiterada prática de crime, incluindo figura da mais perniciosa espécie, donde se evidencia a sua periculosidade e possível inclinação à reiteração delitiva" e por não ter vivenciado o regime intermediário. 5. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 807.050/SP, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT, Sexta Turma, julgado em 14/8/2023, DJe de 17/8/2023, grifei.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. GRAVIDADE ABSTRATA DOS DELITOS. NECESSIDADE DO APENADO PASSAR PELO REGIME INTERMEDIÁRIO. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Na hipótese dos autos, resta evidenciada a inidoneidade da fundamentação utilizada na origem pois, nos termos do entendimento desta Corte, "não há obrigatoriedade de o apenado passar por regime intermediário para que obtenha o benefício do livramento condicional, ante a inexistência de previsão no art. 83 do Código Penal" (RHC 116.324/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 18/9/2019). 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 702.072/SP, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 26/11/2021, grifei.) AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. LIVRAMENTO CONDICIONAL. INDEFERIMENTO COM FUNDAMENTO EM REQUISITO NÃO PREVISTO EM LEI . AUSÊNCIA DE PASSAGEM PELO REGIME SEMIABERTO. IMPOSSIBILIDADE. INDICAÇÃO DE FALTA DISCIPLINAR DE NATUREZA MÉDIA PELO TRIBUNAL. CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS . ORDEM LIMINARMENTE CONCEDIDA. MANUTENÇÃO QUE SE IMPÕE. 1. Deve ser mantida a decisão monocrática em que se concede liminarmente a ordem quando evidenciado constrangimento ilegal manifesto à liberdade de locomoção. 2. Hipótese em que o magistrado singular indeferiu o pedido de livramento condicional, ao argumento de que o sentenciado cumpre pena em regime fechado, não sendo permitida a concessão do benefício sem antes passar pelo regime intermediário. O Tribunal, para manter o indeferimento do pedido, indicou a existência de falta disciplinar de natureza grave não reabilitada. 3 . Este Superior Tribunal tem reiteradamente decidido ser inviável o indeferimento de benefícios da execução penal, com fundamento em requisito não previsto em lei. 4. O art. 83, III, b, do Código Penal exige apenas que não exista falta disciplinar de natureza grave nos últimos 12 meses. 5. A existência de uma falta disciplinar de natureza média não é capaz, por si só, de justificar o não adimplemento do requisito subjetivo. 6. A jurisprudência desta Corte consolidou entendimento no sentido de que não há obrigatoriedade de o apenado passar por regime intermediário para que obtenha o benefício do livramento condicional, ante a inexistência de previsão no art . 83 do Código Penal. Precedente. 7. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no HC: 658486 SP 2021/0104907-2, Relator.: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Julgamento: 25/05/2021, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 07/06/2021, grifei)

Ressalta-se que a decisão de primeiro grau discorreu sobre a necessidade de se analisar todo o histórico prisional do apenado, a fim de verificar o preenchimento do requisito subjetivo para a concessão do livramento condicional, sem limitação temporal, consoante entendimento firmado no Tema Repetitivo n. 1.161 desta Corte Superior.

Todavia, a mencionada decisão não apontou nenhuma circunstância negativa com o propósito de afastar o preenchimento do requisito subjetivo para a obtenção da liberdade antecipada, a exemplo de atos de indisciplina ou faltas graves eventualmente cometidas no curso da execução.

Tem-se, portanto, que a situação determinante para a negativa do livramento condicional foi o fato de ser o paciente egresso do regime fechado, o que não se admite por ausência de previsão legal. Assim, é evidente o constrangimento sofrido pelo paciente, capaz de justificar a concessão da ordem de ofício. Ante o exposto, nos termos do art. 34, XX, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, de ofício, para determinar que o Juízo das Execuções reavalie o pedido de livramento condicional, à luz da orientação jurisprudencial citada. Publique-se. Intimem-se.

Relator

JOEL ILAN PACIORNIK

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 974020 - MG (2025/0005775-5) RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK, Publicação no DJEN/CNJ de 11/03/2025)

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