STJ Mar25 - Exercício Ilegal da Profissão - Absolvição Por Atipicidade - Ausência da Prova da Habitualidade art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais). - Pena de 17 dias Anulada

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO WASHINGTON XXXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios na Apelação Criminal n. 07078684120228070003.

Consta dos autos que o paciente foi condenado à pena de 17 dias de prisão simples, em regime inicial aberto, pela prática de contravenção penal descrita no art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41.

A defesa aduz, em síntese, que a habitualidade da conduta não foi comprovada por elementos concretos, configurando atipicidade e constrangimento ilegal, razão pela qual pleiteia a absolvição do réu. O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 746/748).

Decido.

I. O caso dos autos

Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, pela 3ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, à pena de 17 dias de prisão simples, em regime inicial aberto, pela prática da contravenção penal de exercício ilegal de profissão, prevista no art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais).

O Juízo a quo absolveu o paciente, sob o fundamento de ausência de comprovação da habitualidade da conduta, elementar do tipo penal, conforme trecho da sentença (fls. 39-47, grifei):

[...] a denúncia está embasada em documentos que noticiam um fato específico, ou seja, um flagrante de transporte irregular de passageiros ocorrido em 20/01/2022. […] Considerando o contido nos autos, vê-se que o Ministério Público presumiu que entre um flagrante e outro o réu continuou a praticar a conduta. Afirma-se que essa conclusão do Ministério Público foi mera presunção porque não há elemento fático algum produzido previamente, na esfera extrajudicial, que viabilizasse essa conclusão de que nesse período de 11/01 a 20/01/2022 ocorreu a prática habitual da conduta. Em relação à menção a outros fatos pretéritos relativos à mesma conduta praticada pelo réu, cabe destacar que a denúncia deve descrever um fato original, pois se ele for repetido haverá “bis in idem” e, por conseguinte litispendência ou coisa julgada. Ainda, se a denúncia deve descrever um fato original em todas as suas circunstâncias, por certo não pode “buscar” em outros processos criminais fatos que sejam necessários para constituir as elementares do tipo penal e, assim, configurar “o seu fato original”, em especial fatos que já deram ensejo a persecução criminal própria e autônoma. A circunstância elementar da habitualidade da conduta não pode, portanto, ser composta por fatos ou situações de flagrantes que deram ensejo a outras persecuções criminais, que já foram julgadas ou que ainda estejam em tramitação, porque, como dito alhures, isso viola o princípio do “ne bis in idem”. Se a composição do período de habitualidade é pretendida com base em processos precedentes, afigura-se que o correto a ser fazer seria reunir os vários fatos numa só denúncia e, por conseguinte, num só processo, e não oferecer denúncia em diversos processos e complementar a descrição do fato que configura a infração penal com base em fatos objeto de outras denúncias ou que já foram julgados em processos criminais próprios.” Considerando a definição penal do art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/1941, realiza o tipo a conduta do acusado que transporta passageiros de maneira remunerada, na forma de transporte público coletivo, no perímetro urbano mediante cobrança de valor, sem que possua condições legais para tal. No entanto, a referida contravenção demanda a habitualidade para sua tipificação, o que pressupõe a reiteração de condutas para sua caracterização.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, sob o argumento de que a habitualidade estava caracterizada pelas provas coligidas nos autos. O recurso foi provido pela 3ª Turma Recursal, que condenou o paciente nos seguintes termos (fls. 97-111, grifei):

[…] A materialidade e autoria do crime foram comprovadas, segundo o Termo Circunstanciado nº 015716-2002 (ID 47349412), as declarações colhidas na esfera extrajudicial e a prova oral produzida em juízo, a qual foi submetida ao contraditório e à ampla defesa. Com efeito, os policiais militares que participaram da abordagem foram coerentes ao narrarem a conduta da apelante, conhecido pela prática reiterada e habitual no exercício de transporte de pessoas sem autorização. Embora tenha exercido o direito de permanecer em silêncio, em sede de interrogatório, há outros elementos probatórios aptos a caracterizar a conduta típica, como a folha de antecedentes penais, os registros da PMDF e a declaração do acusado no TC nº 163403/2021, no sentido de que “é o único meio de sustento da família e realiza este procedimento há anos.” Ademais, segundo a testemunha Abraão Pereira Tavares, o denunciado já possuiu autorização para o para o transporte de passageiros. 6. Destarte, comprovadas a materialidade e a autoria de fato típico, ilícito e culpável, e ausentes causas excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, a condenação do acusado é medida que se impõe. 7. Individualização e dosimetria da pena. Obedecendo ao critério constitucional e observados os artigos 59 e 68 do Código Penal, verifica-se que a conduta do acusado merece a devida reprovação social e censura, sendo certo que a sua culpabilidade não extrapola o tipo penal. A análise da folha de antecedentes criminais revela que o acusado ostenta 1(uma) condenação transitada em julgado (processo nº 0700533-90.2021.8.07.0007), pela mesma contravenção penal, que será considerada nesta fase, como maus antecedentes. A conduta social não foi devidamente investigada e não há elementos para aferir a personalidade do acusado. O motivo do delito foi o inerente ao tipo. As circunstâncias e suas consequências não agravam a conduta, uma vez que não ultrapassam os limites do previsto para o crime. Assim, fixo a pena base em 17 (dezessete) dias de prisão simples. Na segunda fase de aplicação de pena, não há circunstâncias atenuantes ou agravantes a serem consideradas e, à míngua de causas de aumento ou de diminuição de pena, torno a pena definitiva em 17 (dezessete) dias de prisão simples, que determino o cumprimento no regime inicialmente ABERTO. 8. Outrossim, não é recomendável a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, em razão da recidiva na prática da contravenção penal, avaliada negativamente como maus antecedentes. Dessa forma, não estão preenchidos os requisitos do § 3º do artigo 44 do Código Penal. 9. Recurso CONHECIDO E PROVIDO. Sentença reformada para, julgando procedente a pretensão punitiva estatal deduzida na denúncia, condenar o réu como incurso no art. 47 da Lei de contravenções penais, à pena de 17 (dezessete) dias de prisão simples, a ser cumprida no regime inicial aberto.

Diante disso, a defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça de origem. O writ não foi conhecido. Ato contínuo, impetrou o habeas corpus em análise perante esta Corte.

II. Ausência de habitualidade

Nas razões do writ, a defesa sustenta que a condenação do paciente constitui constrangimento ilegal, pois a habitualidade da conduta não foi demonstrada, sendo o fato atípico.

Conforme asseverado, o paciente foi condenado pela prática da contravenção penal descrita no art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41, consistente no exercício ilegal da profissão.

O art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41 exige a demonstração concreta de habitualidade para configuração da contravenção penal de exercício ilegal de profissão.

Vejamos:

“Art. 47. Exercer profissão ou atividade econômica ou anunciar que a exerce, sem preencher as condições exigidas por lei: pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa.”

A habitualidade, conforme amplamente consolidado pela doutrina e jurisprudência, é elemento subjetivo indispensável à configuração do tipo penal. Trata-se de contravenção de natureza habitual, cuja consumação exige a reiteração ou continuidade da conduta delituosa.

No caso concreto, o Juízo singular corretamente absolveu o paciente ao fundamento de que os elementos colhidos no termo circunstanciado não demonstraram a reiteração da prática.

Ressaltou o magistrado a inexistência de provas concretas, conforme trecho da sentença (fl. 47): “Desse modo, o fato que está em análise nesta ação penal, devidamente individualizado e descrito na denúncia, que é prática habitual da atividade de motorista de transporte irregular coletivo de passageiros no período de 11/01 a 20/01/2022, não restou comprovado, pois o contexto probatório dos autos só permite afirmar que há prova de um flagrante, uma abordagem isolada no dia 20/01/2022, que não configura contravenção penal.”

A reforma da sentença pela 3ª Turma Recursal foi baseada em registros policiais e na possível confissão extrajudicial do paciente, que teria afirmado que o transporte irregular de passageiros era sua única fonte de sustento. Contudo, esta Corte já se manifestou nos sentido de que tais elementos, isoladamente, não configuram a habitualidade exigida pelo tipo penal. Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. EXERCÍCIO IRREGULAR DA PROFISSÃO (DECRETO-LEI 3.688/41, ART. 47). LAVADOR/GUARDADOR DE CARRO. INEXIGIBILIDADE DE CONHECIMENTOS TÉCNICOS PARA O EXERCÍCIO DA ATIVIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA EVIDENCIADA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...] 2. A jurisprudência dos tribunais superiores admite o trancamento do inquérito policial ou de ação penal, excepcionalmente, nas hipóteses em que se constata, sem o revolvimento de matéria fático-probatória, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não se observa no presente caso. Precedentes. 3. A contravenção de exercício irregular de profissão penaliza aquele que desempenha habitualmente profissão ou atividade econômica sem preencher as condições legais. O objetivo da infração penal é coibir a simulação de atividade laboral especializada, hipótese em que se presume a habilitação do profissional. 4. Inviável concluir que o guardador ou lavador de carros exerça profissão ou atividade econômica especializada, apta a caracterizar a contravenção penal prevista no artigo 47 do Decreto-lei 3.688/1941. Isso porque lavar ou guardar automóveis são atividades que não exigem quaisquer conhecimentos técnicos ou habilidades específicas as quais, caso não preenchidas ou não observadas, possam ofender a proteção à organização do trabalho pelo Estado. Ademais, não geram perante a sociedade a presunção da habilitação do profissional. 5. A mera exigência registro dos guardadores ou lavadores de veículos em Delegacias Regionais do Trabalho pela Lei 6.242/1975 não satisfaz a elementar do tipo, referente à necessidade da existência de condições que subordinam o exercício da profissão. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal, determinar o trancamento do processo penal de autos nº. 13.006.269-8. (HC n. 309.958/MG, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 22/9/2016, DJe de 28/9/2016.) (…) a habitualidade exigida para a caracterização do exercício ilegal da profissão não se configura quando há a prática de um único ato privativo da profissão, configurando-se, porém, se, ainda que num processo apenas, seja em causa própria seja em favor de terceiro, o acusado praticar vários atos processuais, como ocorreu na hipótese sob julgamento. (STF, HC 75.022-2, Min. Moreira Alves, 1997, Informativo 81).

Dessa forma, entendo que não demonstrada, nos presentes autos, a elementar relativa à habitualidade do exercício ilegal da profissão, não é possível a identificação do fato típico da contravenção penal do art. 47 da LCP. III.

Dispositivo Ante o exposto, concedo a ordem para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, diante da ausência de habitualidade indispensável para a configuração do tipo penal descrito no art. 47 do Decreto-Lei nº 3.688/41, e absolver o réu. Comunique-se o inteiro teor desta decisão às instâncias de origem, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 952245 - DF (2024/0381921-4) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 11/03/2025.)

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

STJ Jun24 - Consunção Aplicada entre Receptação e Adulteração de Sinal de Identificador de Veículos - Exclusão da Condenação da Receptação

STJ Fev25 - Execução Penal - Prisão Domiciliar para Mãe Com Filho Menor de 12 Anos se Aplica para Presas Definitivas

STJ Dez24 - Estupro - Absolvição - Condenação Baseada Exclusivamente na Palavra da Vítima :"Vítima Prestou Depoimentos com Contradições"