STJ Mar25 - Júri - Pronúncia Anulada - violação ao princípio in dubio pro reo - Testemunhos Indiretos :"possível motivação para o crime não significa autoria para o crime'
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, impetrado em favor de EXXXXXXXXXX, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (Apelação Criminal n. 5013922-09.2020.8.21.0019).
Colhe-se dos autos que, após o Juízo de primeiro grau impronunciar o paciente, o Tribunal de origem deu parcial provimento ao apelo ministerial para pronunciá-lo, pela suposta prática do delito tipificado no artigo 121, §2º, incisos I e IV, do Código Penal, nos termos do acórdão de fls. 8-20 (e-STJ).
Neste writ, a defesa sustenta, em síntese, que a pronúncia foi proferida sem lastro probatório mínimo, com base em indícios frágeis e contradições evidentes nas provas colhidas. Defende que não foi demonstrada prova suficiente da materialidade e indícios idôneos de autoria, argumentando que “as provas são baseadas em depoimentos contraditórios de testemunhas, sem perícias conclusivas, violando o princípio in dubio pro reo e a jurisprudência do STJ e do STF” (e-STJ, fl. 3).
Requer, liminarmente, a suspensão do processo até o julgamento do writ. No mérito, pugna pela impronúncia do paciente.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício. A decisão do juízo processante encontra-se assim fundamentada:
"Pois bem, diante da análise dos relatos acima, não há provas suficientes acerca da autoria ou participação do denunciado no fato, de modo que a impronúncia é a medida cabível. Nota-se que não há nenhuma testemunha presencial do fato, sendo que a menção pelo nome do réu, ou ainda, da alcunha "Veio" está unicamente baseada na narrativa apresentada por Pablo - o qual relatou extrajudicialmente e confirmou em juízo que a vítima e o acusado teriam feito um negócio com uma motocicleta e que, em razão do veículo ser objeto de furto, Everaldo teria ido até a residência da vítima, o qual teria ingressado no veículo do réu, onde estavam mais duas pessoas e sumido. Em verdade, as demais testemunhas corroboram a versão apresentada por Pablo, no entanto, percebe-se que apresentam tal narrativa em razão da história contada pela própria testemunha, que pode ter visto a vítima ingressar no veículo do réu, no entanto, não há qualquer prova de coloque o acusado como autor do desaparecimento e posterior morte da vítima. Observa-se que os depoimentos, como já referido, estão ampardos no "falatório" ocorrido, sendo que não foram trazidos aos autos qualquer elemento capaz de afirmar que Everaldo foi autor da morte de Gilson. Assim, diante da análise das provas existentes nos autos é possível constatar que não há indícios mínimos de autoria do acusado, não sendo possível encaminhá-lo ao julgamento pelo Conselho de Sentença, impondo-se a impronúncia." O Tribunal de Justiça, ao dar provimento à apelação, assim entendeu: "[...] À luz de tais diretrizes, verifica-se que a materialidade do crime resta evidenciada pelos boletins de ocorrência n.º 10249/2015/100929, n.º 4259/2015/100942 (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, DENUNCIA2, fl. 19 e processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, INQ4, fl. 25), auto de necropsia (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, INQ4, fls. 01/12), certidão de óbito da vítima (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, INQ4, fl. 33), auto de reconhecimento por fotografia (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, INQ4, fl. 53), além da prova oral coligida aos autos. Da mesma forma, há indícios suficientes de autoria. No aspecto, com o escopo de evitar desnecessária tautologia, homenageando o trabalho da Colega a quo, peço vênia para transcrever o resumo da prova oral procedido na sentença, realizado com precisão e propriedade: (...) O policial militar Marcos recordou que o corpo foi localizado dentro do rio. Marilei, irmã da vítima, relatou que sabe que o crime tem relação com uma moto e a uma pessoa conhecida como “Véio”. Pablo disse que a vítima foi a Novo Hamburgo resolver um negócio de uma moto. No dia seguinte o ofendido ainda não havia retornado, Pablo disse que Gilmar havia levado a vítima para Novo Hamburgo. Conversaram com Gilmar que disse que o autor do crime seria “Véio”. Gilmar é falecido. Rubem, policial civil contou que foi registrada uma ocorrência de desaparecimento da vítima, a mãe de Gilson relatou que ele teria negociado uma moto e que três homens teriam ido até sua casa para buscar seu filho, que entrou no veículo e depois não foi mais visto. Gilmar relatou que saberia indicar, em Novo Hamburgo, onde morava a pessoa que tinha negociado a moto com a vítima. Foram até a residência de Everaldo e falaram com ele, que informou que negociou uma moto com Gilson, mas negou que tivesse buscado Gilson em Sapiranga e colocado ele dentro de um veículo. Depois ficaram sabendo que o corpo da vítima foi localizado em Novo Hamburgo. Viu um veículo Clio Sedan dourado estacionado na garagem do réu. A testemunha Pablo, amigo da vítima, narrou que Gilson comprou uma moto, não sabe de quem. Alguns dias depois “Gilma” disse que um homem de Novo Hamburgo tinha um negócio para fazer com ele, Gilson trocou a moto que tinha com a moto do rapaz. Everaldo foi até a casa da vítima, disse que não queria mais a moto, pois era roubada, e era para a vítima ir buscá-la. Everaldo e mais dois homens buscaram Gilson, que não foi mais visto. A moto que Gilson tinha comprado e depois trocou com Everaldo era roubada, mas Gilson não sabia. Everaldo quis desfazer o negócio. Gilson estava disposto a desfazer, mas ele já tinha vendido a moto que recebeu de Everaldo e não tinha mais o dinheiro. Everaldo deu um prazo para ele lhe devolver a moto ou lhe dar o dinheiro, mas antes do prazo o réu procurou pela vítima novamente. Era um Clio prata ou chumbo. Não viu mais a vítima após ela entrar no carro do acusado. O policial civil Cristian disse que era uma ocorrência de desaparecimento de um rapaz em Sapiranga, ele teria ingressado em um Clio, que seria propriedade de “Véio” e depois não foi mais visto. Foram até a casa de Everaldo, para saber se ele tinha notícias de Gilson. No dia seguinte o corpo da vítima foi encontrado e a investigação foi repassada para a delegacia de homicídios de Novo Hamburgo. Gilberto disse que seu irmão Gilmar e a vítima eram amigos, eles usavam drogas juntos. Ficou sabendo que o ofendido foi morto. Soube que Gilson tinha trocado uma moto por outra, tinha vendido ou algo assim. O acusado Everaldo negou a prática do fato. Não sabe onde a vítima morava. Gilson não ficou lhe devendo dinheiro. Nunca teve arma de fogo. Gilson e Gilmar lhe ofereceram uma moto roubada, mas não aceitou. Não houve troca nem devolução de moto. Tinha um Clio. Sua mãe mora perto da "Prainha" de Sapiranga. Pois bem. Diante de tais filigranas probatórias, confrontando-se, em Pretório, as narrativas apresentadas pelo acusado e pelas testemunhas, não há como se aplicar a hipótese do art. 414 do CPP. A Magistrada sentenciante fundamenta a decisão de impronúncia no sentido de que, dentre outros argumentos, os depoimentos estão amparados no "falatório" ocorrido, não sendo trazidos aos autos qualquer elemento capaz de afirmar que o réu foi autor da morte de Gilson. Aqui, destaca-se que a prova testemunhal está disciplinada no Capítulo VI do CPP, entre os artigos 202 e 225. Esclarece Hélio Tornaghi (1959, p. 461)3 que as palavras testemunhar e testemunho são por vezes usadas para exprimir o ato de depor e que, em doutrina, deve evitar-se tal emprego, pois “testemunhar é presenciar o fato. O testemunho refere-se ao presente. Depor é dizer sobre o fato testemunhado; refere-se ao passado”. Existem três características básicas da prova testemunhal: oralidade – deve ser recolhido por meio de uma narrativa verbal, objetividade – em regra, a testemunha deve se ater aos fatos, sem expor opiniões pessoais ou realizar qualquer juízo de valor4 , e retrospectividade – o testemunho prestado versa sobre fatos passados, e não futuros (LOPES JR., 2015). A testemunha hearsay, ou testemunha do ouvi dizer, apresenta-se então como “aquela pessoa que não viu ou presenciou o fato e tampouco teve contato direto com o que estava ocorrendo, senão que sabe através de alguém, por ter ouvido alguém narrando ou contando o fato” (LOPES JR., 2015)5 . O depoimento “ouvi dizer” não encontra proibições no ordenamento jurídico pátrio. Pela redação do art. 2036 do CPP, a testemunha deve i) relatar o que souber; e ii) explicar as razões e as circunstâncias dessa informação, a fim de que sua credibilidade possa ser verificada ou refutada. Pode-se então tratar a testemunha “ouvi dizer” como uma prova atípica. Para Moreira (1994, p. 114-115), Como se pode conceituar a prova atípica? Evidentemente, por oposição à prova típica. O conceito de atipicidade, obviamente, pressupõe o conceito de tipicidade, e define-se por oposição a ele. [...] essa oposição da prova atípica à prova típica, podia manifestar-se por duas maneiras diversas: ou a prova era atípica por constituir espécie diferente daquelas reguladas na lei, ou a prova era atípica porque colhida de modo diferente, por foma diferente da utilizada na prova típica que a ela correspondesse7 . O testemunho hearsay é uma prova atípica na medida em que pode ser visto como uma espécie diferente da prova testemunhal formalmente regulada em lei, ou colhida de forma diferente utilizada na prova típica. De toda sorte, relatos reflexos não são suficientes para a decisão de pronúncia. [...] Filio-me ao entendimento de que o testemunho hearsay é uma prova atípica e que relatos reflexos não são suficientes para a decisão de pronúncia. Ocorre que, no caso dos autos, a testemunha Pablo Fernando não apresenta relatos "ouvi dizer". Em que pese não seja testemunha ocular do delito descrito na denúncia, apresenta narrativa que não permite a impronúncia do réu. Isso porque, do teor das narrativas apresentadas em sede judicializada de ausculta pela testemunha Pablo Fernando (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 74, VÍDEO6), denota-se que, poucos dias antes de ser encontrado o corpo da vítima, o réu, em tese, buscou o ofendido próximo à sua residência, sendo este o último momento em que Gilson foi visto com vida. A testemunha confirma que morava com a vítima na época dos fatos, bem assim a existência de animosidade entre réu e ofendido, gerada após negociação comercial mal sucedida envolvendo duas motocicletas, porquanto a moto recebida pelo acusado, por parte da vítima, seria roubada. Pablo Fernando referiu que o réu quis desfazer o "brick" das motocicletas, dando um prazo para que a vítima devolvesse a veículo por ele recebido, ou pagasse em pecúnia o valor correspondente ao bem. Em relação ao dia dos fatos, referiu a testemunha que Everaldo, na companhia de outras duas pessoas, foi até a sua residência, onde morava com Gilson, perguntando sobre a vítima e dizendo que "não queria mais aquela moto e que era pra ele [Giilson] ir junto com ele [Everaldo] lá em Novo Hamburgo pegar essa moto e trazer de volta, que ele [Everaldo] não queria mais". Neste momento, disse ter entrado em contato com Gilson, que não estava na moradia, sendo por ele informado que se encontrava em uma lanchonete próxima, almoçando. Pablo, então, referiu ter ingressado no automóvel, pilotado pelo denunciado, direcionado os indivíduos até o local em que a vítima estava e, chegando, foi ordenado pelo réu que saísse do veículo, enquanto a vítima ingressou, e nunca mais foi vista. Ainda, refere a testemunha que Gilson não tinha animosidade com outras pessoas. E em que pese o réu tenha negado a autoria delitiva, até mesmo a realização de negociação comercial com o ofendido, a narrativa judicial da testemunha Pablo Fernando não permite a conclusão pela ausência de indícios de participação do acusado no delito narrado na exordial acusatória. O corpo da vítima foi encontrado aproximadamente quatro dias após os fatos narrados na denúncia, no dia 09.05.2015, em um rio, sendo constatada sua morte, segundo laudo de necropsia, por "hemorragia e desorganização encefálica consecutiva a ferimentos por projéteis de arma de fogo", ocasionada por "instrumento pérfuro- contundente" (processo 5013922-09.2020.8.21.0019/RS, evento 2, INQ4, fls. 01/12). Assim que, existente filigrana probatória judicializada para eventual íntima convicção condenatória dos Jurados, deverá o réu ser submetido ao Conselho de Sentença. Não se está a afirmar com isso que o indigitado cometeu o ilícito que lhe foi atribuído. Entretanto, com precisão, não se pode negar tal assertiva. [...] No entanto, a negativa de autoria do inculpado é insuficiente para afastar a competência do Tribunal do Júri em relação ao fato descrito na inicial, uma vez que a narrativa ofertada testemunhas Pablo Fernando na fase judicializada de ausculta, se assim entenderem os Jurados, será suficiente para alicerçar eventual condenação. Somente os Juízes naturais da causa poderão, dentro de sua íntima convicção, concluir se a negativa de autoria do increpado merece, ou não, acolhimento.” (e-STJ, fls. 11-15).
Como cediço, a sentença de pronúncia possui cunho declaratório e finaliza mero juízo de admissibilidade, não comportando exame aprofundado de provas ou juízo meritório.
Nesse diapasão, cabe ao Juiz apenas verificar a existência nos autos de materialidade do delito e indícios de autoria, conforme mandamento do art. 413 do Código de Processo Penal:
“O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação”. Extrai-se do art. 413 do CPP, quando utiliza o adjetivo “suficientes”, ao dizer que, para pronunciar, o juiz deve se convencer da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, que “não é qualquer indício de autoria que justifica a pronúncia, mas indícios fortes o bastante para comprová-la com uma probabilidade considerável” (AREsp 2236994/SP, relator Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/11/2023, DJe de 27/11/2023).
Cito, a título de melhor elucidação do tema:
"[...] Na fase da pronúncia, exige-se do juiz unicamente o exame do material probatório produzido até então, especialmente para a comprovação da inexistência de qualquer das possibilidades legais de afastamento da competência ou então de absolvição sumária (situações estas em que, ao contrário da pronúncia, deverá haver convencimento judicial pleno) (Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência / Eugênio Pacelli, Douglas Fischer. - 13. ed. - São Paulo: Atlas, 2021, p. 2.599).
Assim, a presença de indícios de autoria não se cuida de prova de certeza da prática delitiva, exigível somente para a sentença condenatória. Não obstante, deve ser demonstrada, em decisão concretamente fundamentada, a presença dos referidos indícios, o que não ocorreu na espécie.
No caso dos autos, ao manter a pronúncia do paciente, o Tribunal de origem apontou a autoria delitiva com base no depoimento da testemunha Pablo Fernando, a qual relata sobre a animosidade existente entre o réu e a vítima na época dos fatos, derivada da realização de uma negociação comercial envolvendo duas motocicletas, além de narrar, sobre o dia dos fatos, que “Everaldo, na companhia de outras duas pessoas, foi até a sua residência, onde morava com Gilson, perguntando sobre a vítima e dizendo que "não queria mais aquela moto e que era pra ele [Giilson] ir junto com ele [Everaldo] lá em Novo Hamburgo pegar essa moto e trazer de volta, que ele [Everaldo] não queria mais". Neste momento, disse ter entrado em contato com Gilson, que não estava na moradia, sendo por ele informado que se encontrava em uma lanchonete próxima, almoçando. Pablo, então, referiu ter ingressado no automóvel, pilotado pelo denunciado, direcionado os indivíduos até o local em que a vítima estava e, chegando, foi ordenado pelo réu que saísse do veículo, enquanto a vítima ingressou, e nunca mais foi vista” (e-STJ, fl. 14).
Assim, em que pese o acórdão impugnado confirmar que há indícios de autoria aptos a pronunciar o paciente, diante da prova testemunhal ouvida em juízo, observa-se que se trata de testemunhos indiretos, na medida em que não foram ouvidas testemunhas presenciais do fato.
Consoante bem delineado na decisão de impronúncia, "em verdade, as demais testemunhas corroboram a versão apresentada por Pablo, no entanto, percebe-se que apresentam tal narrativa em razão da história contada pela própria testemunha, que pode ter visto a vítima ingressar no veículo do réu, no entanto, não há qualquer prova de coloque o acusado como autor do desaparecimento e posterior morte da vítima". Assim sendo, os testemunhos indiretos não autorizam a pronúncia, porque são meros depoimentos de "ouvir dizer" - ou hearsay, na expressão de língua inglesa -, que não tem a força necessária para submeter um indivíduo ao julgamento popular. A propósito, cito os seguintes julgados a respeito do tema:
“PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRONÚNCIA BASEADA, APENAS, EM DEPOIMENTOS COLHIDOS NA FASE POLICIAL. ILEGALIDADE. DEPOIMENTO EM JUÍZO DE "OUVI DIZER". RELATOS INDIRETOS. FUNDAMENTO INIDÔNEO PARA SUBMISSÃO DO ACUSADO AO JÚRI. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate. Dessa forma, para a admissão da denúncia, há que se sopesar as provas, indicando os indícios da autoria e da materialidade do crime, bem como apontar os elementos em que se funda para admitir as qualificadoras porventura capituladas na inicial, dando os motivos do convencimento, sob pena de nulidade da decisão, por ausência de fundamentação. 2. Segundo entendimento desta Corte Superior, o testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony não é suficiente para fundamentar a pronúncia, não podendo esta, também, encontrar-se baseada exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP. 3. Pela leitura do trecho acima, verifica-se que a despronúncia dos acusados é medida que se impõe, tendo em vista que, desconsiderando os depoimentos colhidos das vítimas sobreviventes, ainda na fase investigativa, os quais não foram repetidos em Juízo, a única prova submetida ao crivo do Juízo de primeiro grau são relatos de uma testemunha, pai de duas vítimas, que teria "ouvido dizer" de outras pessoas (vizinhos e de seu filho, vítima sobrevivente) sobre a suposta autoria delitiva, inexistindo fundamentos idôneos para a submissão dos acusados ao Tribunal do Júri. 4. Agravo regimental não provido.” (AgRg no AgRg no AREsp n. 2.097.753/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/8/2022, DJe de 8/8/2022, grifou-se). “HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. TESTEMUNHO INDIRETO (DE "OUVIR DIZER"). IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DEMAIS INDÍCIOS DE AUTORIA. DESPRONÚNCIA. 1. O art. 413 do Código de Processo Penal exige, para a submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, a existência de comprovação da materialidade delitiva e de indícios suficientes de autoria ou participação. 2. Conforme o entendimento jurisprudencial desta Corte Superior, "muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia baseada, exclusivamente, em testemunho indireto (por ouvir dizer) como prova idônea, de per si, para submeter alguém a julgamento pelo Tribunal Popular" (REsp 1.674.198/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, DJe 12/12/2017). 3. No caso dos autos, as instâncias ordinárias fundamentaram a pronúncia apenas no depoimento de testemunhas não presenciais, que ouviram falar, inclusive da própria vitima, antes do falecimento, sobre a autoria dos fatos na pessoa do acusado. 4. De toda forma, a vítima não chegou a ser ouvida em juízo, e o acusado negou a autoria do crime, não servindo esses depoimentos pré-processuais, com referências às suas declarações, na fase de convalescença, como elementos suficientes à sentença de pronúncia. 5. Habeas corpus concedido.” (HC n. 742.876/BA, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 15/8/2022, grifou-se). "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRONÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE TESTEMUNHOS PRESENCIAIS. DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE ATENDERAM A OCORRÊNCIA. HEARSAY TESTIMONY. AUSÊNCIA DE OUTRAS PROVAS JUDICIAIS VÁLIDAS. VIOLAÇÃO DO ART. 155 DO CPP. TEORIA DA PERDA DA CHANCE PROBATÓRIA. PRODUÇÃO DAS PROVAS. ÔNUS DA ACUSAÇÃO. 1. Na hipótese, verifica-se que não foram ouvidas testemunhas presenciais, na medida em que o próprio Ministério Público as dispensaram, dos fatos em juízo e as testemunhas inquiridas judicialmente, policiais que atenderam a ocorrência, por sua vez, narraram apenas fatos que ouviram dizer acerca do crime narrados pela vítima e pela mãe da vítima que estava no local do delito, não havendo outras provas válidas a corroborar tais testemunhos. 2. Assim sendo, os testemunhos indiretos não autorizam a pronúncia, porque são meros depoimentos de "ouvir dizer" - ou hearsay, na expressão de língua inglesa -, que não tem a força necessária para submeter um indivíduo ao julgamento popular. 3. Portanto, tem-se que todos os depoimentos colhidos em juízo aconteceram apenas de "ouvir dizer". Nenhum deles, como visto, é aceito pela jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça como fundamento válido para a pronúncia, de modo que o acórdão impugnado efetivamente afrontou o disposto no art. 155 do CPP. 4. Ora, se os policiais não presenciaram os fatos, não podem ser considerados testemunhas oculares, aferindo-se, dessarte, que os seus depoimentos somente poderiam ser prestados de forma indireta. Assim, "o testemunho indireto (também conhecido como testemunho de "ouvir dizer" ou hearsay testimony) não é apto para comprovar a ocorrência de nenhum elemento do crime [mormente porque retira das partes a prerrogativa legal de inquirir a testemunha ocular dos fatos (art. 212 do CPP)] e, por conseguinte, não serve para fundamentar a condenação do réu. Sua utilidade deve se restringir a apenas indicar ao juízo testemunhas referidas para posterior ouvida na instrução processual, na forma do art. 209, § 1º, do CPP." (AREsp 1.940.381/AL, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). 5. Ainda que o Ministério Público tivesse envidado esforços para localizar possíveis testemunhas do ocorrido, registra-se que é ônus da acusação, e não do acusado, a produção das provas que expliquem a dinâmica dos fatos. Mutatis Mutandis, "se o Parquet não conseguir produzi-las, por mais diligente que tenha sido e mesmo que a insuficiência probatória decorra de fatos fora de seu controle, o acusado deverá ser absolvido." (AREsp 1.940.381/AL, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 16/12/2021). 6. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 725.552/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 26/4/2022, grifou-se). "PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM INDÍCIOS DO INQUÉRITO POLICIAL E TESTEMUNHO INDIRETO (HEARSAY TESTIMONY). INADMISSIBILIDADE. RECENTE ALTERAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme a orientação mais atual das duas Turmas integrantes da Terceira Seção deste STJ, a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP. 2. O testemunho indireto ou por "ouvir dizer" (hearsay testimony) não é apto a embasar a pronúncia. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC 703.960/RS, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021, grifou-se). "AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. SÚMULA N. 7 DO STJ. AFASTAMENTO. FUNDAMENTAÇÃO. IDONEIDADE JURÍDICA. VERIFICAÇÃO. POSSIBILIDADE. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. CONDENAÇÃO. TRIBUNAL DO JÚRI. DEPOIMENTO DA VÍTIMA. FASE INQUISITIVA. TESTEMUNHAS DE "OUVIR DIZER". VERSÕES CONTRADITÓRIAS. TESE DE JULGAMENTO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIO Á PROVA DOS AUTOS. AFASTAMENTO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL PROVIDO A FIM DE SE CONHECER DO AGRAVO E DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. 1. É possível a esta Corte Superior verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é juridicamente idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de provas, pois a discussão é eminentemente jurídica e não fático-probatória. 2. Mesmo que se trate de Tribunal do Júri, não se admite que a condenação esteja fundamentada tão-somente em prova produzida no inquérito policial, ainda que seja o depoimento da Vítima, e no depoimento de testemunhas de "ouvir dizer", mormente quando estes últimos possuem contradições entre as versões prestadas na fase investigatória e judicial. 3. Não sendo idônea a fundamentação utilizada pela Corte de origem para concluir pela inexistência de julgamento manifestamente contrário à prova dos autos, impõe-se o acolhimento da pretensão defensiva, com a anulação do julgamento proferido pelo Tribunal do Júri. 4. Se, nos termos da jurisprudência atual, nem mesmo a pronúncia, que é proferida numa fase processual em que se observa o in dubio pro societate, pode estar fundamentada apenas em provas colhidas na fase investigativa ou em testemunhos de "ouvir dizer", muito menos se admite que uma condenação, que deve observar o in dubio pro reo, seja mantida pelas instâncias recursais com lastro nesse tipo de fundamentação. 5. Agravo regimental provido a fim de se conhecer do agravo e dar provimento ao recurso especial, anulando o julgamento proferido pelo Tribunal do Júri e determinando que seja o Agravante submetido a novo Júri Popular". (AgRg no AREsp 1847375/GO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/06/2021, DJe 16/06/2021, grifou-se).
Convém registrar que a existência de prova de uma possível motivação para o crime (embora possa levantar suspeitas da autoridade policial e do Ministério Público e ensejar o aprofundamento das investigações) não permite considerar provada, também, sua autoria, que é elemento jurídico diverso (AREsp n. 1.803.562/CE, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021).
Dessa forma, a impronúncia do paciente é medida que se impõe. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, para cassar o acórdão da Apelação Criminal e impronunciar EVERALDO DA SILVA. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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