STJ Mar25 - Lei de Drogas - Art. 33 - Redutor do Tráfico Privilegiado aplicado em 2/3 bis in idem na dosimetria - quantidade e a natureza da droga usadas para agravar a pena na primeira fase e reduzir a fração da minorante do tráfico privilegiado
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO Trata-se de habeas corpus, sem pedido liminar, impetrado em favor de MAURICIO XXXXXXXXXX contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, na Apelação Criminal n. 1501011 94.2024.8.26.0536.
Consta dos autos que o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, à pena de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa, no mínimo legal. Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação, que foi desprovido, por acórdão assim ementado:
APELAÇÃO CRIMINAL Tráfico de drogas Materialidade e autoria comprovadas Confissão corroborada pelos depoimentos seguros dos policiais e pelo exame pericial Condenação mantida Penas adequadamente fixadas e bem fundamentadas Variedade e natureza dos entorpecentes que justificam a exasperação da pena-base Quantidade de droga que serve de baliza à fração aplicada diante do reconhecimento do redutor do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 Inocorrência de bis in idem Regime inicial semiaberto Impossibilidade de substituição da pena corpórea pela restritiva de direitos Recurso desprovido.
No presente writ, a defesa sustenta constrangimento ilegal ao paciente em razão da adoção da fração mínima de redução do tráfico privilegiado. Aponta a ocorrência de bis in idem na dosimetria da pena, sob o argumento de que a quantidade e a natureza da droga foram utilizadas para agravar a pena na primeira fase da dosimetria e, posteriormente, para reduzir a fração da minorante do tráfico privilegiado (art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06), o que afrontaria a jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Diante disso, requer a concessão da ordem para aplicar o redutor do tráfico privilegiado no grau máximo (2/3), com a consequente fixação do regime inicial aberto, e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade. Busca-se, como relatado, o afastamento do apontado bis in idem, mediante a aplicação da fração máxima do redutor do tráfico privilegiado.
Nos termos do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, os condenados pelo crime de tráfico de drogas terão a pena reduzida, de um sexto a dois terços, quando forem reconhecidamente primários, possuírem bons antecedentes e não se dedicarem a atividades criminosas ou integrarem organizações criminosas.
Essa causa especial de diminuição de pena tem por objetivo conferir tratamento mais benéfico aos traficantes iniciantes e não imersos na prática criminosa.
A partir dessa premissa e com base no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, a jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que a consideração da quantidade e natureza dos entorpecentes constitui critério idôneo para a análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CP, na primeira fase da dosimetria da pena, ou para a aplicação do redutor previsto no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, quando for o caso.
Sobre o tema, incumbe destacar que a Quinta Turma desta Corte, revisitando parte dos temas debatidos no REsp 1.887.511/SP (Relator Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Terceira Seção, DJe 1º/7/2021), decidiu por manter o posicionamento anterior, conforme acolhido no ARE 666.334/AM, sobre à possibilidade de valoração da quantidade e da natureza da droga apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, neste último caso ainda que sejam os únicos elementos aferidos (AgRg no HC n. 685.184/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 28/9/2021, DJe 4/10/2021).
Referido entendimento foi confirmado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do HC n. 725.534/SP, fixando-se a tese de que é possível a valoração da quantidade e natureza da droga apreendida, tanto para a fixação da pena-base quanto para a modulação da causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, neste último caso ainda que sejam os únicos elementos aferidos, desde que não tenham sidos considerados na primeira fase do cálculo da pena (HC n. 725.534/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Terceira Seção, julgado em 27/4/2022, DJe de 1/6/2022).
Na hipótese, a Corte local, manteve a reprimenda fixada na sentença, consignando (e-STJ, fls. 18/19):
[...] Na terceira fase, reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06, as reprimendas foram reduzidas em 1/6, tornadas definitivas em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão e 416 (quatrocentos e dezesseis) dias-multa, no valor mínimo unitário. Uma vez aplicado o redutor, mantido diante da ausência de recurso ministerial, este atende aos critérios do artigo 42 da Lei nº 11.343/06, tendo em vista que o Apelante trazia consigo considerável quantidade de drogas (72,2 gramas de maconha, 13,8 gramas de MDMB-4EN-PINACA, 60,3 gramas de cocaína e 48,3 gramas de crack, totalizando 572 porções), mostrando-se proporcional a fração aplicada. Saliente-se que não há se falar em bis in idem. Na primeira etapa da dosimetria, o douto Magistrado sentenciante utilizou-se das circunstâncias relativas à variedade e à natureza das substâncias entorpecentes para fixar a pena-base acima do mínimo legal, evidenciando a gravidade da conduta. De outra sorte, nesta última fase, foi utilizado o critério da quantidade de droga para modular a fração aplicada. [...]
Dessa forma, extrai-se que a pena-base do paciente foi majorada em razão da natureza e da diversidade dos entorpecentes apreendidos, e o redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 foi aplicado na fração mínima, com base na quantidade das drogas apreendidas.
No entanto, a fundamentação adotada pelas instâncias locais destoa da jurisprudência desta Corte, firmada no sentido de que, por serem a natureza, diversidade e quantidade de drogas características relacionadas ao mesmo objeto (entorpecente apreendido), não podem ser utilizadas como circunstâncias autônomas, para o fim de incidirem em momentos diferentes da dosimetria das penas penas, sob pena de incidência no vedado bis in idem.
Nesse sentido, confira-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DOSIMETRIA. PENA-BASE. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGAS APREENDIDAS. AUMENTO DA REPRIMENDA MANIFESTAMENTE DESPROPORCIONAL. REGIME. SÚMULA N. 269 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Embora a quantidade de drogas apreendidas constitua, de fato, circunstância preponderante a ser sopesada na dosimetria da pena, a quantidade de substâncias apreendidas em poder da agravada foi muito pequena, de maneira que se mostra manifestamente desproporcional sopesar, no caso ora analisado, apenas tal circunstância para justificar a exasperação da pena-base. 2. Ainda que natureza e quantidade sejam, ontologicamente, coisas distintas, e que haja, de fato, algumas substâncias mais lesivas do que outras, trata-se de duas características intrinsecamente ligadas ao mesmo objeto: as substâncias entorpecentes apreendidas em cada caso. Por isso, dissociar as circunstâncias e tratá-las como se fossem entidades completamente autônomas e independentes implica uma afronta, ao menos indireta, ao princípio do ne bis in idem. 3. Realizada a nova dosimetria e diminuída a reprimenda para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, correto também o ajuste feito no regime de cumprimento de pena, com a fixação do modo inicial semiaberto, a teor do enunciado na Súmula n. 269 do STJ. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 883.599/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 29/4/2024, DJe de 2/5/2024.)
Em consequência, comporta reparo a dosimetria das penas para afastar a modulação do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006, porquanto fundada em circunstância já utilizada para majorar a pena-base do paciente. Passo, portanto ao ajuste da reprimenda.
Mantidos os critérios adotados até a segunda fase da dosimetria, com pena provisória de 5 anos de reclusão e 500 dias-multa, na terceira fase, aplico o redutor do tráfico privilegiado na fração máxima de 2/3, ficando a sanção definitivamente fixada em 1 ano e 8 meses de reclusão, e 166 dias-multa. Quanto ao regime, não obstante tratar-se de paciente primário e sem antecedentes, a existência de circunstância judicial negativa justifica a fixação do regime intermediário, na esteira do disposto no art. 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal.
Com base no mesmo argumento, não é recomendada a substituição da pena. A propósito:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO PRIVILEGIADO. PENA INFERIOR A 4 ANOS. PENA BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL PELO TRIBUNAL A QUO. SUBSTIUTIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. 1 - O Tribunal a quo fixou a pena-base do paciente acima do mínimo legal, e a jurisprudência desta Corte entende que, não obstante o montante final da sanção ter sido estabelecido em patamar aquém de 4 (quatro) anos de reclusão, a existência de circunstância judicial negativa, em razão da quantidade e natureza da droga apreendida, justifica a manutenção do regime semiaberto para o início do cumprimento da pena e impossibilita a substituição da pena privativa de liberdade em restritivas de direitos. (AgRg no AREsp 1661315/RJ, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 11/3/2021). 2 - Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 620.628/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/05/2021, DJe 24/05/2021) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL DESFAVORÁVEL. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. APLICAÇÃO DO REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Nos termos dos arts. 33 e 59 do Código Penal e em sintonia com a orientação das Súmulas n. 440/STJ, 718 e 719/STF, observada a existência de circunstância judicial desfavorável, correta a imposição do regime mais gravoso, qual seja, o semiaberto, ao réu condenado a pena inferior a 4 anos de reclusão. Pelas mesmas razões, não preenchidos os requisitos do art. 44 do Código Penal, inviável a substituição da pena privativa de liberdade. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no AREsp 1846543/SP, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 18/05/2021, DJe 27/05/2021)
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo a ordem, de ofício, para aplicar a fração máxima do redutor previsto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 e, em consequência, reduzir as penas da paciente ao novo patamar 1 ano e 8 meses de reclusão, em regime semiaberto, e 166 dias-multa, mantidos os demais termos da condenação. Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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