STJ Mar25 - Nulidade do Julgamento em que o TJ Não Atendeu o Pedido da Defesa para Realizar Defesa Oral - Cerceamento de Defesa

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão assim ementado:

PENAL - PROCESSO PENAL REVISÃO CRIMINAL - HOMÍCIDIO QUALIFICADO PROMESSA DE RECOMPENSA SUSTENTAÇÃO ORAL NÃO ADMITIDA - PRELIMINAR – NULIDADE - DEFESA DEFICIENTE - ABSOLVIÇÃO - NOVO JÚRI QUALIFICADORA AFASTAMENTO - TEMAS JÁ TRATADOS. Sustentação oral não admitida pela d. Maioria. Não há nulidade por deficiência de defesa quando o defensor faz, por sua conta e risco, a opção por sua linha de atuação. O que gera nulidade é ausência de defesa e não eventual deficiência, nem mesmo constatada. Em se tratando de ação constitutiva de Revisão Criminal, o ônus da prova agora é do Peticionário, e se ele não produz prova alguma no sentido do desacerto do julgado, buscando apenas reabrir a discussão sobre temas já tratados, inclusive em Apelação, como absolvição, novo júri, afastamento da qualificadora, tornam-se manifesta impertinência as pretensões deduzidas. SUSTENTAÇÃO ORAL NÃO ADMITIDA. REVISÃO CRIMINAL NÃO CONHECIDA.

A paciente foi condenada pelo Segundo Tribunal do Júri da Comarca de São Paulo, nos autos de Processo Crime nº 0000837-62.2017.8.26.0001, à pena de 20 anos de reclusão, em regime fechado, por infração ao art. 121§ 2º, I e IV, c. c. § 4º e, art. 29, todos do Código Penal.

A defesa alega, em síntese, que durante o julgamento da pauta, quando a defesa estava aguardando para realizar a sustentação oral, os desembargadores decidiram indeferir, por maioria, a sustentação oral apenas porque não iriam conhecer do pedido revisional (e-STJ fl. 3), caracterizando assim, cerceamento de defesa (e-STJ fl. 4).

Requer, liminarmente e no mérito final, que seja reconhecida a nulidade do cerceamento de defesa em indeferir a sustentação oral, anulando o julgamento da revisão criminal (e-STJ fl. 9).

É o relatório. Decido.

A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal. Veja-se:

"O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício" (AgRg no HC n. 895.777/PR, Relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/4/2024, DJe de 8/4/2024). "De acordo com a jurisprudência do STJ, não é cabível o uso de habeas corpus como sucedâneo de revisão criminal, notadamente quando não há indicação de incidência de alguma das hipóteses previstas no art. 621 do CPP. Precedentes" (AgRg no HC n. 864.465/SC, Relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024). A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no mesmo sentido: "Do ponto de vista processual, o caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental (cabível na origem). Nessas condições, tendo em vista a jurisprudência da Primeira Turma desta Corte, entendo que o processo deve ser extinto sem resolução de mérito, por inadequação da via eleita (HC 115.659, Rel. Min. Luiz Fux) (...) A orientação jurisprudencial deste Tribunal é no sentido de que o ?habeas corpus não se revela instrumento idôneo para impugnar decreto condenatório transitado em julgado? (HC 118.292-AgR, Rel. Min. Luiz Fux). 4. O caso atrai o entendimento desta Corte no sentido de que não cabe habeas corpus para reexaminar os pressupostos de admissibilidade de recurso interposto perante outros Tribunais (HC 146.113-AgR, Rel. Min. Luiz Fux; e HC 110.420, Rel. Min. Luiz Fux). (...) (HC 225896 AgR, Relator Ministro Luís Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 15/5/2023, DJe de 17/5/2023).

O entendimento é de elevada importância, devendo ser utilizado para preservar a real utilidade e eficácia da ação constitucional, qual seja, a proteção da liberdade da pessoa, quando ameaçada por ato ilegal ou abuso de poder, garantindo a necessária celeridade no seu julgamento. A concessão de ofício da ordem, nos termos dos arts. 647-A e 654§ 2º, do Código de Processo Penal, depende da existência de flagrante ilegalidade.

Passo à análise de ofício. No presente writ, sustenta a defesa que a negativa de sustentação oral ocorrida caracterizou flagrante cerceamento de defesa. Assiste razão à defesa.

O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento de que caracteriza cerceamento de defesa o não atendimento de pedido expresso da defesa constituída para a realização de sustentação oral (HC 583.604/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 30/06/2020/ HC n. 690.336, Ministro Ribeiro Dantas, DJEN de DJe 20/09/2021).

O Tribunal de origem assim entendeu sobre a controvérsia em análise (e-STJ fls. 13-16):

1. Em Sessão de julgamento telepresencial de 18.02.2025, por maioria de Votos, vencidos este Relator, o Revisor - LUIZ TOLOZA NETO e, o 8º Juiz - FREDDY LOURENÇO RUIZ COSTA, a d. Maioria houve por bem não permitir fosse efetivada a sustentação oral, pelos fundamentos que serão lançados no v. Voto Vencedor, no particular. Ousei divergir da d. Maioria por entender que deveria ser concedida a palavra para sustentação oral a d. Defensorsa da Peticionária ALDERINA FARIAS DA COSTA, Doutora MARIANA SANTOS DE OLIVEIRA. Como se constada as dd. Defensoras manifestaram, tempestivamente, interesse em proceder sustentação oral (fls. 1056). No entanto, apregoado o julgamento, mesmo presente uma das ilustres Advogadas, já prevendo qual seria o resultado do julgamento, com possível não conhecimento do pedido de Revisão Criminal, a d. Maioria dispensou a sustentação oral, mesmo diante da ratificação, pela Defesa, do seu desejo de valer-se desse Direito. A sustentação oral está amparada por princípios constitucionais como o da ampla defesa e do devido processo legal, com isso d. Defensor tinha interesse e legitimidade no exercício da sustentação oral. O possível resultado do julgamento não conhecimento do pedido de Revisão Criminal não era fator impeditivo do exercício do direito de sustentação oral, ao contrário, até mesmo o justificava, pois era o momento da Peticionária, através de sua defesa técnica, buscar convencer os julgadores da pertinência das pretensões deduzidas. Merece destaque o art. , da Lei nº 8.906, de 04.07.1994, que é preciso no sentido de que:"São direitos do advogado: ... X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer tribunal judicial ou administrativo, órgão de deliberação coletiva da administração pública ou comissão parlamentar de inquérito, mediante intervenção pontual e sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, a documentos ou a afirmações que influam na decisão; ..."(Redação dada pela Lei nº 14.365/2022). Superada essa questão, com a proibição da sustentação oral, o julgamento seguiu-se nos seguintes termos: 2. A Revisão Criminal é medida excepcional, que tem por fim a correção de erro judiciário eventualmente existente nos autos, por isso, cabível apenas em casos expressamente previstos na legislação processual penal, não amparando mero reexame de provas. Ao interpretar o art. 621I, do Código de Processo Penal, PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF MALULY, lembram que “... A decisão contrária à evidência dos autos é aquela que, desde logo, antagoniza-se com as provas colhidas na instrução criminal. A condenação, nesse caso, não pode estar amparada em nenhuma prova, ou seja, se existirem elementos de convicção pró e contra e a sentença se basear num deles, já não será contra a evidência dos autos. Nem mesmo 'a eventual precariedade da prova, que possa gerar dúvida no espírito do julgador na fase da revisão, depois de longa aferição dos elementos probatórios de, muitas vezes, duas instâncias', como acentua Mirabete (1991, p. 646), permite a revisão ...” (Curso de Processo Penal, 5ª Ed., Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2009, p. 662). No mesmo sentido, FLORÊNCIO DE ABREU (Comentários ao CPP, 1945, v. V, p. 427), MAGALHÃES NORONHA (Curso de Direito Processual Penal, 17ª ed. atualizada, 1986, p. 385), BORGES DA ROSA (Processo Penal Brasileiro, 1943, v. 4º, p. 65), BENTO DE FARIA ( Código de Processo Penal, 1942, v 2º, p. 215/216), DAMÁSIO E. DE JESUS (Decisões Anotadas do STF em Matéria Criminal, 1978, p. 276) e ARY FRANCO, ( Código de Processo Penal, 1943, vol. 2º, p. 299). A Peticionária foi definitivamente condenada porque no dia 14 de dezembro de 2016, por volta de 03h42min, na rua Maranhão, nº 60, Jardim Felicidade, nesta cidade e Comarca de São Paulo, concorreu para a morte da vítima Jerônimo José Theodoro Filho, maior de 60 anos, com promessa de recompensa a terceiros indivíduos não identificados, que, agindo com animus necandi, o mataram com disparo de arma de fogo, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa. 3. Sustenta a Peticionária, preliminarmente, nulidade do julgamento isso porque, “... temos como dado insofismável e incontroverso, o fato de que o nobre [seu] defensor ... teria sido negligente quando procedeu a defesa ..., em Plenário do Júri, redundando, tal desleixo, em sua condenação. ...”. Entretanto, a alegação de deficiência não prospera, eis que é facultado ao defensor realizar a sua defesa conforme entender necessário, atuando no seu mister, na linha de atuação defensiva, por sua conta e risco realizando perguntas e levantando suas teses nos momentos adequados, de acordo com a causa em julgamento. Ademais, vale destacar que somente poderá ser declarado nulo o ato que realmente acarretar prejuízo à parte. Tendo ele cumprido a sua finalidade não há vícios a serem reparados. Em análise aos autos, não se constata qualquer prejuízo à defesa, em razão da suposta deficiência de defesa técnica, que não confunde com a ausência de defesa, esta sim capaz de ensejar nulidade. (grifos nossos)

Como exposto no trecho acima colacionado, o Tribunal, após análise do caso em questão, entendeu que não há vícios a serem reparados e que não houve prejuízos à defesa. Logo, é de rigor a declaração de invalidade da sessão de julgamento efetivada sem o atendimento do pedido da defesa para a apreciação do feito em sessão com a possibilidade de sustentar oralmente. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus substitutivo, mas concedo a ordem de ofício, para determinar a anulação do julgamento da revisão criminal na origem, determinando a renovação do ato mediante a prévia intimação da defesa para realização de sustentação oral Ciência ao Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.

Relator

DANIELA TEIXEIRA

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 985210 - SP (2025/0068195-8) RELATORA : MINISTRA DANIELA TEIXEIRA, Publicação no DJEN/CNJ de 06/03/2025)

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