STJ Mar25 - Perturbação do Sossego Alheio - Trancamento de Ação Penal - Falta de Justa Causa - Ausência de Identificação das Vítimas -art. 42, III, do Decreto-Lei nº 3.688/41 -

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

ALAN XXXXXXXI alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul na Apelação Criminal n. 50001127620228210057.

Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática da contravenção penal prevista no art. 42, III, do Decreto-Lei nº 3.688/41. Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática da contravenção penal prevista no art. 42, III, do Decreto-Lei nº 3.688/41, consistente em perturbação do sossego alheio, por supostamente ter produzido som excessivo através de aparelhagem instalada em seu veículo no dia 19/12/2021.

A defesa aduz, em síntese, ausência de justa causa para a persecução penal, sob o fundamento de que “a denúncia é inepta, pois não identifica vítimas específicas ou comprova a coletividade atingida pela conduta, o que configuraria atipicidade”, razão pela qual pleiteia o trancamento da ação penal. O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 252-254). Decido. I. Caso dos autos De acordo com a denúncia, os fatos transcorreram da seguinte forma (fls. 86-88): “No dia 19 de dezembro de 2021, por volta das 19h40min, na Avenida Afonso Pena, próximo ao n. 757, Centro, em Lagoa Vermelha/RS, o denunciado RENATO PEREIRA DO NASCIMENTO perturbou o sossego alheio ao abusar de instrumentos sonoros e sinais acústicos. Na ocasião, o denunciado RENATO PEREIRA DO NASCIMENTO, conduzia o veículo Placas ETE6A09, ocasião em que produziu som excessivo com aparelhagem de som em via pública, provocando som alto (audível a duas quadras de distância). Assim agindo, o denunciado RENATO PEREIRA DO NASCIMENTO incorreu nas disposições do artigo 42, Inciso III, do Decreto-Lei nº 3.688/41, razão pela qual o MINISTÉRIO PÚBLICO oferece a presente denúncia, requerendo seja realizada a citação do denunciado e, após, respondida a acusação nos termos do artigo 81 da Lei n.º 9.099/95, recebida e designada audiência de instrução e julgamento, com notificação das testemunhas, para inquirição na forma da lei, bem como realizado o interrogatório, até final julgamento e condenação.”

A denúncia foi recebida pelo Juízo da 3ª Vara Judicial da Comarca de Lagoa Vermelha/RS, que indeferiu a preliminar de ausência de justa causa apresentada pela defesa, sob o fundamento de que a identificação da coletividade atingida seria objeto de prova durante a instrução processual.

Na hipótese, o Juiz de direito assim fundamentou a decisão (fls. 144, grifei): “A tese apresentada pela defesa do réu, na resposta escrita (evento 17, DOC1), necessita de dilação probatória, devendo, portanto, ter seguimento o feito, uma vez que a identificação da coletividade atingida pela conduta do acusado será objeto de prova durante a instrução processual. Outrossim, tampouco foi demonstrada, de forma cabal, a existência de uma das hipóteses previstas no art. 397 do CPP, a fim de ensejar a absolvição sumária do acusado. Assim, recebo a denúncia. Tendo em vista que o acusado já recusou a proposta de suspensão condicional do processo, aguarde-se a disponibilidade de pauta para realização de audiência de instrução, oportunidade em que serão ouvidas as testemunhas arroladas na denúncia e interrogado o réu.”

Contra essa decisão, a defesa impetrou habeas corpus perante a Turma Recursal Criminal, que, por maioria, denegou a ordem sob o argumento de que a atipicidade alegada depende de produção de provas na fase instrutória (fl. 68):

“A alegada atipicidade da conduta, que é dependente de produção de prova para o seu reconhecimento, inviabiliza o trancamento da ação penal, tendo-se em conta a possibilidade de o órgão acusador produzir, na fase instrutória, prova do incômodo causado à coletividade, elemento caracterizador do tipo contravencional”.

Irresignado, o paciente impetrou o presente habeas corpus.

II. Trancamento da ação penal

Nas razões do writ, a defesa alega a inépcia da denúncia, sob o argumento de a peça acusatória não identificou vítimas específicas ou a coletividade atingida pela conduta, razão pela qual requer o trancamento da ação penal. Conforme asseverado, foi imputada ao paciente a prática de perturbação do sossego alheio, por suposta utilização de equipamentos sonoros.

A imputação dada observou as linhas do art. 42, III, da LCP, in verbis:

Art. 42. Perturbar alguém o trabalho ou o sossego alheios: […] III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;

É necessário registrar que a responsabilização por esse ilícito deve reunir os elementos caracterizadores do núcleo do tipo. A contravenção penal prevista no art. 42, inciso III, do Decreto-Lei nº 3.688/41 exige a demonstração de que a conduta atingiu o sossego de uma coletividade, maculou a paz social, bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem firmado entendimento de que o tipo penal exige a perturbação da coletividade. Assim, a mera produção de som alto, sem prova de impacto a um número indeterminado de pessoas, não caracteriza contravenção.

Vejamos:

“Por ausência de justa causa, a Turma concedeu habeas corpus para trancar ação penal proposta contra acusado pela suposta prática da contravenção de perturbação do sossego alheio (Lei das Contravenções Penais, art. 42), cujo tumulto decorreria de barulho provocado pelos cinco filhos do paciente, menores de dez anos, consistente na correria e no arremesso de objetos ao chão no apartamento onde residem. Entendeu-se que os ruídos tidos por praticados na residência do paciente não teriam o condão de macular a paz social, bem jurídico tutelado pelo Direito Penal, uma vez que, conforme relatado na denúncia, os fatos descritos atingiriam apenas o morador do apartamento do andar inferior. (…) .”

No presente caso, a denúncia não individualizou as vítimas nem demonstrou como o som produzido pelo paciente teria afetado a coletividade, limitando-se a mencionar os policiais que realizaram a abordagem.

Tal deficiência compromete a própria tipicidade da conduta.

III. Dispositivo

Ante o exposto, concedo a ordem para determinar o trancamento do Processo n. 5000594-87.2023.8.21.0057, em trâmite na 3ª Vara Judicial da Comarca de Lagoa Vermelha/RS, reconhecendo a ausência de justa causa para a persecução penal. Comunique-se com urgência ao Juízo de origem para o imediato cumprimento desta decisão.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 900652 - RS (2024/0100474-4) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 11/03/2025.)

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