STJ Mar25 - Revogação de Prisão Preventiva - Homicídio - Réu Primário, Bons Antecedente :"Prisão Sem Fato Novo - Ferimento ao Art. 315 c/c art. 313, § 2º, CPP.

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

BRUNO XXXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará no Habeas Corpus n. 0636092-46.2024.8.06.000.

Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, §2º, inc. IV, do CP), ocorrido em 19/10/2023. A defesa aduz, em síntese, que a prisão preventiva foi mantida sem considerar novos fatos e provas que surgiram após a denúncia inicial; o paciente é primário, tem residência fixa, emprego lícito e não apresenta risco à ordem pública ou à aplicação da lei penal; a decisão de manter a prisão preventiva foi baseada em fundamentos genéricos e não específicos ao caso. Indeferida a liminar, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ (fls. 217-225).

Decido.

A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP).

Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).

O Juízo singular, ao converter a prisão em flagrante do paciente em preventiva, assim fundamentou a decisão, no que interessa (fls. 169-175):

Vistos, Cuida-se a espécie em apreciação de AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE instaurado pela autoridade policial competente em face do autuado nominado nos autos, por suposta infração ao artigo 121, § 2º, I, c/c art. 12, da Lei 10.826/06 e art. 28, da Lei 11.343/06, ocorrência datada de 20/10/2023, consoante dados que repousam na peça policial. Evidencia-se dos autos manifestação do Ministério Público quando, empós empreender estudo dos fólios, pugna pela homologação do APF em análise e, dadas as circunstâncias concretas do caso enfrentado, pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, nos termos do art. 310, inciso II, do CPP. Por sua vez, repousa nos autos manifestação da Defensoria Pública que, ao debruçar-se sobre a autuação e fatos apurados, pugna pelo relaxamento da prisão em flagrante e, subsidiariamente, pela imposição de medidas cautelares diversas da prisão, na forma do art. 319 do CPP. Autos conclusos. DECIDO: Da análise criteriosa dos autos em evidência, neste plantão judiciário criminal, verifica-se a obediência aos regramentos de natureza processual-penal pertinentes, tanto no que concerne à situação de flagrante evidenciada, à luz do art. 302 do CPP, quanto ao cumprimento do procedimento instaurado – arts. 303 e seguintes do CPP. Prisão efetuada legalmente, inexistindo, portanto, vícios formais ou materiais a inquiná-la, razão pela qual HOMOLOGO o presente auto flagrancial. Exaurida a fase de enfrentamento da autuação propriamente dita, com a consequente homologação da peça policial, o que se constata do bojo do procedimento, ainda que em análise preliminar, haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria do delito acima mencionado, nos moldes exigidos pelo art. 312 do Código de Processo Penal. Verifica-se de logo, ainda que em prelúdio cognitivo, haver prova da materialidade e indícios suficientes de autoria do delito acima mencionado, nos moldes do que exige o art. 312 do Código de Processo Penal. Daí, temos que a decretação da prisão preventiva, para o caso em comento, já passa pelo crivo da existência de provas de autoria e materialidade. O crime pelo qual o autuado foi detido é grave. Envolve violência contra pessoa e, a rigor, por si só, já seria indicativo de periculosidade do agente. Nenhum outro delito é mais grave que aqueles que atentam contra a vida humana. A capital fortalezense é hoje uma das mais violentas do mundo e o que vem elevando tais índices são os homicídios. Vivemos quase que em estado de guerra. É preciso acautelar a consecução de tais delitos e conferir à população a sensação de maior de segurança. O delito, da forma como realizado, por si, já revela a periculosidade do agente. A pacificação social e a ordem pública, a meu sentir, encontram-se constantemente ameaçadas pelos crimes de homicídio que constantemente ocorrem em nossas periferias. É preciso que os órgãos envolvidos com a segurança pública adotem as medidas necessárias e urgentes para preveni-los. Nesse caso, extraindo do fato a periculosidade do agente, entendo que não é o caso de conceder a liberdade provisória. O ordenamento jurídico nacional admite a coexistência entre a presunção de não-culpabilidade e a prisão preventiva, esta somente como situação excepcional e aplicabilidade restrita e adstrita às hipóteses previstas na lei processual e, ainda assim, por tempo que não exceda os limites da razoabilidade. “Princípio constitucional da não-culpabilidade. Garantia explícita do imputado. Conseqüências jurídicas. Compatibilidade com o instituto da tutela cautelar penal. O princípio constitucional da não-culpabilidade, que sempre existiu, de modo imanente, em nosso ordenamento positivo, impede que se atribuam à acusação penal conseqüências jurídicas apenas compatíveis com decretos judiciais de condenação irrecorrível. Trata-se de princípio tutelar da liberdade individual, cujo domínio mais expressivo da incidência é o da disciplina jurídica da prova. A presunção de não culpabilidade, que decorre da norma inscrita no art. 5º, LVII, da Constituição, é meramente relativa (juris tantum). Esse princípio, que repudia presunções contrárias ao imputado, tornou mais intenso, para o órgão acusador, o ônus substancial da prova. A regra da não-culpabilidade - inobstante o seu relevo - não afetou nem suprimiu a decretabilidade das diversas espécies que assuma a prisão cautelar em nosso direito positivo. O instituto da tutela cautelar penal, que não veicula qualquer idéia de sanção, revela-se compatível com o princípio da não-culpabilidade” (STF - HC n. 67707-0-RS - 1ª Turma - Rel. Min. Celso de Mello - DJU 14/8/1992 página 12225). “Para garantia da ordem pública, visará o magistrado, ao decretar a prisão preventiva, evitar que o delinquente volte a cometer delitos, ou porque é acentuadamente propenso às práticas delituosas, ou porque, em liberdade, encontraria os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida” (TACRSP, JTACRESP 42/58). “Fundamenta em primeiro lugar a decretação da prisão preventiva a garantia da ordem pública, evitando-se com a medida que o delinquente pratique novos crimes contra a vítima ou qualquer outra pessoa, quer porque seja acentuadamente propenso à prática delituosa, quer, porque, em liberdade, encontrará os mesmos estímulos relacionados com a infração cometida” (Júlio Fabbrini Mirabete. Ob. cit., págs. 376/377). “Desde que a permanência do réu, livre e solto possa dar motivo a novos crimes, ou cause repercussão danosa ou prejudicial no meio social, cabe ao juiz decretar a prisão preventiva como garantia da ordem pública” (José Frederico Marques. Elementos de Direito Processual Penal. Editora Forense. 1ª Edição. 1995. Volume IV, página 49). Eugênio Pacelli, luminar da ciência processual penal, ao focar sobre a prisão preventiva como garantia da ordem pública, acrescenta estas fulgurantes luzes ao assunto: “(…) Percebe-se, de imediato, que a prisão para garantia da ordem pública não se destina a proteger o processo penal, enquanto instrumento de aplicação da lei penal. Dirige-se, ao contrário, à proteção da própria comunidade, coletivamente considerada, no pressuposto de que ela seria duramente atingida pelo não aprisionamento de autores de crimes que causassem intranquilidade social. A expressão garantia da ordem pública, todavia, é de dificílima definição. Pode prestar-se a justificar um perigoso controle da vida social, no ponto em que se arrima na noção de ordem, e pública, sem qualquer referência ao que seja, efetivamente, a desordem. O Direito português, por exemplo, desce a detalhes para esclarecer os requisitos necessários à imposição de quaisquer medidas cautelares, entre as quais poderíamos incluir a prisão preventiva para garantia da ordem pública. Prevê o art. 204, c, do CPP de Portugal, a hipótese de “Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas. No Brasil, a jurisprudência, ao longo desses anos, tem se mostrado ainda um pouco vacilante, embora já dê sinais de ter optado pelo entendimento da noção de ordem pública como risco ponderável da repetição da ação delituosa objeto do processo, acompanhado do exame da gravidade do fato e de sua repercussão . A Lei n.º 12.403/11 parece ter aceitado essa realidade, prevendo algumas hipóteses de decretação de medidas cautelares para evitar a prática de infrações penais, conforme se vê do art. 282, I, CPP. (…)” (Curso de Processo Penal, 16ª Edição, 2012, Editora Atlas, páginas 548/552, destaque inovado). “Primariedade e bons antecedentes não afastam a possibilidade da prisão preventiva, em qualquer das hipóteses do art. 312 do CPP, quando, em despacho fundamentado o juiz justifica convenientemente a medida” (STJ - RHC n.° 205 - MG - Reg. n.° 899274-0 - Rel. Min. Assis Toledo). “A circunstância de o réu ser primário e de bons antecedentes não é bastante para impedir a decretação da sua prisão, quando presentes outros elementos que a recomendam. H. C. indeferido” (STF - HC n. 82559-SP - 2ª Turma - Rel. Min. CARLOS VELLOSO - DJU 4/4/2003 página 00066). “Não há ilegalidade na decisão que manteve a custódia cautelar do paciente, se demonstrada a necessidade da prisão, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante, sendo que a gravidade dos delitos e a periculosidade dos agentes podem ser suficientes para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedentes. Eventuais condições favoráveis do réu, como bons antecedentes, residência fixa e ocupação lícita, por exemplo, não são garantidoras do direito subjetivo à liberdade provisória, se outros elementos dos autos recomendam a custódia preventiva. Recurso desprovido” (STJ – 5.ª T. – RHC 9886 – Rel. Gilson Dipp – j. 22.08.2002 – JSTJ e TRF-LEX 137/299). Roubo com uso de arma e concurso de agente menor “(...) Ementa: "HABEAS CORPUS" SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. DESCABIMENTO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENOR. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS PRESENTES. PRECEDENTES. (...). 2. A necessidade da segregação cautelar se encontra fundamentada na garantia da ordem pública em razão da periculosidade do paciente, caracterizada pelo "modus operandi", perpetrado em comparsaria e com uso de arma de fogo, por meio de violência e grave ameaça, subjugou a vítima e dela subtraiu o automóvel. (...)” (STJ – RHC 288023 – Rel. Moura Ribeiro – data da publicação 14/05/2014). Roubo com uso de arma e concurso de agente menor* “(...) Ementa: RECURSO EM "HABEAS CORPUS". CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. ROUBO QUALIFICADO E CORRUPÇÃO DE MENORES. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS AUTORIZADORAS PRESENTES. PEDIDO PARA SUBSTITUIR A PRISÃO CAUTELAR POR MEDIDA DIVERSA. INADEQUAÇÃO / INSUFICIÊNCIA. PRECEDENTES. 1. A necessidade da segregação cautelar se encontra fundamentada na garantia da ordem pública em razão da periculosidade do recorrente, caracterizada pelo "modus operandi" porque com uso de arma de fogo e em comparsaria com dois adolescentes, invadiu um depósito de bebidas e mediante grave ameaça ao funcionário o subjugou, para de lá subtrair o dinheiro encontrado no caixa e mercadorias. 2. Recurso em "habeas corpus" a que se nega provimento. (...)” (STJ – RHC 47728 – Rel. Moura Ribeiro – data da publicação 03/06/2014). Vale repetir que a liberdade do autuado e sua retomada a vida no crime, - na hipótese de confirmadas as acusações - evidencia que sua liberdade implicará em grave violação da ordem pública, pela persistência delitiva. Atenta a estas razões, firmei convencimento de que, na espécie, se faz presente, de forma concreta, para preservação da ordem pública e garantia de aplicação da lei penal, a necessidade da prisão cautelar do autuado, razão pela qual torna-se-me impossível conceder-lhe o benefício da liberdade provisória, sendo também insuficiente, repito, para tal desiderato, a aplicação de outra medida cautelar menos gravosa. Isto posto, converto a prisão em flagrante em preventiva, com fundamento no art. 310, II do Código de Processo Penal, com a redação dada pela Lei n.º 12.403/2011. Expeça-se o competente mandado de prisão preventiva, registrando-se no Banco Nacional de Mandados de Prisão como cumprido, de acordo com a indicação constante no §2º do art. 5º da Resolução n.º 137, de 13 de julho de 2011, do Conselho Nacional de Justiça.

Na espécie, verifico que o Juiz de primeiro grau, apesar da longa decisão, não indicou absolutamente nenhum elemento idôneo para decretar a custódia provisória, pois se limitou a fazer considerações completamente genéricas e abstratas sobre o tipo penal de homicídio e os índices de violência da cidade de Fortaleza, sem explicitar dados concretos dos autos que efetivamente evidenciassem a imprescindibilidade da segregação cautelar.

À vista do exposto, defiro concedo a ordem para tornar sem efeito a decisão que decretou a custódia preventiva do paciente, ressalvada a possibilidade de nova decretação da medida ou a fixação de cautelar alternativa, nos termos do art. 319 do CPP, caso efetivamente demonstrada a sua necessidade. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão ao Juízo de primeiro grau e ao Tribunal de origem, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 960349 - CE (2024/0429828-4) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 06/03/2025.)

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