STJ Mar25 - Revogação de Prisão Preventiva - Estelionato e Associação Criminosa - Cautelares São Suficientes :"Crime sem Violência"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXX CAMPOS, no qual se indica como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, prolator de acórdão assim ementado (fls. 14-18):
"HABEAS CORPUS. ESTELIONATO E ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (ARTS. 171 E 288, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). PRETENDIDA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. INVIABILIDADE. MEDIDA CAUTELAR FUNDADA NA GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA IMPUTADA E NO RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. SUPOSTA FRAUDE QUE CAUSOU À VÍTIMA O PREJUÍZO FINANCEIRO QUE SUPERA R$ 30.000,00 (TRINTA MIL REAIS). PACIENTE QUE É INVESTIGADO POR FATO SEMELHANTE. PERICULOSIDADE SOCIAL EVIDENCIADA. CIRCUNSTÂNCIA QUE DEMONSTRA A NECESSIDADE DE IMPOSIÇÃO DA CUSTÓDIA COMO FORMA DE GARANTIR A ORDEM PÚBLICA. INEFICÁCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. PRISÃO PREVENTIVA DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM CONHECIDA E DENEGADA."
Em suas razões, a parte impetrante alega, em resumo: a) que suas condições pessoais (trabalho lícito, ser responsável por filha menor de idade e não possuir antecedentes criminais) indicariam a inadequação da prisão preventiva; b) não possui prévia condenação penal com trânsito em julgado; c) não demonstrada a imprescindibilidade da prisão preventiva. Liminar indeferida às fls. 50-51 e informações prestadas às fls. 54-67 e fls. 72-89. Ouvido, o MPF manifestou-se pela denegação da ordem (fls. 92-96). É o relatório.
Decido.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 - pacificaram orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Passo, assim, à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão de habeas corpus de ofício - que, já adianto, deve ser deferida no presente caso.
Como se sabe, a prisão preventiva consiste em medida cautelar extrema, a ser decretada quando demonstrado o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, desde que presente algum dos fundamentos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal (garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal).
Por ser medida excepcional, que relativiza, em caráter de urgência, direito individual à liberdade de locomoção, a prisão preventiva somente poderá ser decretada quando não se mostrar viável, dadas as circunstâncias do caso concreto, o deferimento das medidas cautelares alternativas disciplinadas no art. 319 da norma processual penal. É o que estabelece o art. 282, § 6º do CPP, segundo o qual:
"A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar, observado o art. 319 deste Código, e o não cabimento da substituição por outra medida cautelar deverá ser justificado de forma fundamentada nos elementos presentes do caso concreto, de forma individualizada."
No mesmo sentido o art. 310, II do CPP, ao determinar que o juiz, ao receber comunicação de prisão em flagrante, deverá, fundamentadamente:
"[...] converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão [...]".
Consoante os dispositivos legais citados, portanto, a prisão preventiva não poderá ser decretada quando as medidas cautelares alternativas se revelarem adequadas e suficientes diante do caso concreto.
No caso, a Corte local rejeitou a ordem de habeas corpus nos seguintes termos (fls. 14-18):
"[...] 12. Esta ação constitucional foi manejada para analisar alegado constrangimento ilegal infligido ao paciente Douglas Batista Campos, sob o argumento de ausência dos requisitos da prisão preventiva, cuja fundamentação teria sido genérica e abstrata. 13. Do processo, constato que a custódia cautelar do paciente restou suficientemente motivada na necessidade de resguardo da ordem social, em razão da gravidade concreta da conduta imputada e do risco de reiteração delitiva: “Como se vê, há no processo prova da materialidade e indícios suficientes apontando os representados RUBENILDE e DOUGLAS como possíveis autores dos crimes apurados, constando que teriam se associado para o fim de cometimento de golpes patrimoniais envolvendo veículos automotores e que, nesse contexto, RUBENILDE, valendo-se de sua condição de familiar da vítima (Josimar), teria se valido de engano (falsa promessa de devolução breve) para ingressar na posse de veículos do ofendido (Buggy e; VW Golf), após o que RUBENILDE e DOUGLAS teriam realizado a venda fraudulenta desse segundo automóvel (transação envolvendo documentos falsificados), além de achar-se o primeiro carro em local incerto e não sabido. Ao lado disso, observo que os autuados possuem histórico de transgressão da lei, conforme evidencia consulta sobre seus antecedentes criminais, conforme detalhamento exemplificativo adiante ” (ID. 28631335). 14. Verifico que foram atendidas as condições de admissibilidade da prisão preventiva constantes do art. 313, I, do Código de Processo Penal. 15. Quanto aos pressupostos legais, descritos no art. 312 do Código de Processo Penal, e sua fundamentação, tenho, primeiramente, que a magistrada evidenciou a comprovação da materialidade e da presença dos indícios de autoria da prática de conduta delitiva. 16. O periculum libertatis, apresentou-se suficientemente demonstrado na necessidade de garantir a ordem pública, em razão da gravidade concreta da conduta e do risco de reiteração delitiva. 17. Conforme ressaltado pela magistrada a quo, imputa-se ao paciente o suposto envolvimento na comercialização fraudulenta de dois veículos pertences à vítima Josimar do Nascimento Silva, sendo um Buggy, cor azul, placa MYA3C50, e um VW/Golf de cor branca e placas QGR-5341. 18. A alegada fraude causou à vítima o prejuízo financeiro que supera a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). 19. Demais disso, mencionou a magistrada que o paciente também é investigado em outro processo (Queixa-Crime n. 0858892-63.2023.8.20.5001) pela suposta prática de outra comercialização fraudulenta de veículos, cujo modus operandi assemelha-se ao caso, o que revela o risco de reiteração delitiva. 20. Tais circunstâncias, a meu ver, demonstram o risco à ordem pública, ante a demonstração do padrão de conduta do acusado, a evidenciar a possibilidade de que, em liberdade, ele volte a delinquir. Imprescindível, assim, a manutenção da medida. 21. Além disso, do cenário apresentado, não se infere plausível a imposição de medidas cautelares diversas da prisão, descritas no art. 319 do Código de Processo Penal, por restar patente o periculum libertatis 22. Em juízo de ponderação entre necessidade e adequação correlatas aos fatos apresentados e o tratamento jurídico consentâneo, a incidência da aplicação das medidas diversas da prisão representa risco à ordem pública, tornando-se imprescindível a manutenção da prisão cautelar do paciente. 23. Ante o exposto, em consonância com o parecer da 9ª Procuradoria de Justiça, voto por conhecer e denegar a ordem." (grifei)
Como visto, a prisão preventiva do paciente foi decretada com a finalidade de preservar a ordem pública, diante da gravidade em concreto das condutas que lhe são atribuídas (revelada a partir do expressivo prejuízo patrimonial causado à vítima) e de elementos que indicariam a probabilidade de reiteração delitiva (uma vez que investigado por fato similar em feito diverso).
Nada obstante a gravidade das imputações que recaem sobre o paciente, não se verifica fundamentação suficiente a justificar a imprescindibilidade da prisão preventiva. Cabe destacar, por um lado, que, a despeito de constar do decreto prisional que o paciente teria sido denunciado pela prática de estelionato (art. 171 do CP) e por integrar associação criminosa (art. 288 do CP), não há elementos nos autos evidenciando a associação de três ou mais pessoas com o fim de praticar crimes, constando das decisões proferidas pelas instâncias ordinárias que a investigação revelaria a prática de um crime de estelionato, em face de vítima específica, em coautoria com a codenunciada (Rubenilde).
A genérica imputação de enquadramento no crime de associação criminosa, portanto, não deve influenciar, no caso, a análise quanto à presença (ou não) dos pressupostos legais para decretação da medida extrema.
Por outro lado, a circunstância do recorrente ser investigado em procedimento diverso, supostamente pela prática de crime semelhante, embora justifique a implementação de medidas capazes de proteger a ordem pública, não impõe, necessariamente, a decretação da prisão cautelar; é dizer, ainda que a existência de prévia investigação revele, potencialmente, a propensão para a prática de delitos, caberia ao juízo processante indicar, concretamente, a imprescindibilidade da prisão preventiva, e a insuficiência da cautelares alternativas.
Sobre o tema:
"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE. RÉU REINCIDENTE. RISCO DE REITERAÇÃO DELITIVA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. SUFICIÊNCIA, NA ESPÉCIE. PROPORCIONALIDADE. RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO. 1. O Recorrente foi preso em flagrante, no dia 28/06/2020, por suposta prática do crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, sendo que a flagrancial foi convertida em prisão preventiva. 2. Em que pese o crime previsto no art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro ter pena máxima cominadas em abstrato inferior a quatro anos, a prisão preventiva é admitida diante da reincidência do flagrado, nos termos do art. 313, inciso II, do Código de Processo Penal. 3. Contudo, o decreto de prisão preventiva limitou-se a demonstrar prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria delitiva (fumus comissi delicti), sem evidenciar o preenchimento de ao menos um dos requisitos autorizativos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal, no sentido de que o réu, solto, irá perturbar ou colocar em perigo (periculum libertatis) a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, a evidenciar a suficiência da fixação de medidas cautelares diversas da prisão. Precedentes. 4. De acordo com a microrreforma processual procedida pela Lei n. 12.403/2011 e com os princípios da excepcionalidade (art. 282, § 4.º, parte final, e § 6.º, do CPP), provisionalidade (art. 316 do CPP) e proporcionalidade (arts. 282, incisos I e II, e 310, inciso II, parte final, do CPP), a prisão preventiva há de ser medida necessária e adequada aos propósitos cautelares a que serve, não devendo ser decretada ou mantida caso intervenções estatais menos invasivas à liberdade individual, enumeradas no art. 319 do CPP, mostrem-se, por si sós, suficientes ao acautelamento do processo e/ou da sociedade. 5. No caso, embora exista o indicativo de risco de reiteração criminosa, o que justifica intervir para garantia da ordem pública, suficiente a fixação de medidas cautelares diversas da prisão, notadamente considerando-se a situação atual de pandemia decorrente do novo coronavírus, a qual torna a prisão preventiva ainda mais excepcional. Precedentes. 6. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para substituir a prisão preventiva do Recorrente pelas medidas cautelares descritas no art. 319, incisos I (comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições por ele fixadas); II (proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações); e IV (proibição de ausentar-se da Comarca sem prévia autorização do Juízo), do Código de Processo Penal." (RHC n. 132.611/GO, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 17/2/2021, grifei) PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTELIONATO. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO VÁLIDA. DELITO PRATICADO SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA. REGIME SEMIABERTO PARA O CUMPRIMENTO DA PENA. PACIENTE REVEL. PRESUNÇÃO DE FUGA. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. WRIT NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. 3. No caso dos autos, apesar da aparente reiteração delitiva que, em princípio, justificaria a prisão preventiva, apresenta-se flagrantemente desproporcional a prisão preventiva do paciente, tecnicamente primário, que teria praticado o delito de estelionato simples, crime sem violência ou grave ameaça, o qual, inclusive, foi condenado ao cumprimento da pena corporal em regime prisional diverso do fechado. 4. A presunção de fuga, decorrente do fato de o paciente não ser localizado para citação, não constitui fundamentação válida a autorizar a custódia cautelar, porquanto os conceitos de evasão e não localização não se confundem. 5. A constrição cautelar da liberdade somente é admitida quando restar claro que tal medida é o único meio cabível para proteger os bens jurídicos ameaçados, em atendimento ao princípio da proibição de excesso. In casu, entendo que a submissão do paciente a medidas cautelares menos gravosas que o encarceramento é adequada e suficiente para restabelecer ou garantir a ordem pública, assegurar a higidez da instrução criminal e a aplicação da lei penal. 6. Writ não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a critério do Juízo de primeiro grau." (HC n. 606.126/CE, minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 22/9/2020, DJe de 30/9/2020, grifei)
No caso, para além da imputação de estelionato debatida neste feito (consistente em comercialização fraudulenta de um automóvel, gerando prejuízo patrimonial para o respectivo proprietário), foi noticiada a existência de mais um procedimento investigativo, no qual identificada a possível prática de crime análogo, em face de vítima diversa.
Por óbvio, essa informação impõe a adoção de medidas capazes de resguardar a ordem pública, não justificando, todavia, por si só, a decretação da medida extrema da prisão cautelar, em especial por se tratar de crime cometido sem violência ou grave ameaça.
Diante deste contexto, e em consonância com a determinação constante do art. 282, § 6º, do CPP, deve ser reconhecido o direito do paciente a ter substituída a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas, a serem definidas de acordo com o prudente arbítrio do julgador de 1º grau. Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício, para determinar a substituição da prisão preventiva por medidas cautelares alternativas disciplinadas no art. 319 do CPP, que deverão ser fixadas pelo juízo de 1º grau. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte e ao juízo da 7ª Vara Criminal da Comarca de Natal/RN. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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