STJ Abr25 - Desclassificação de Estupro para Assédio Sexual - Consecutivo Direito aos institutos despenalizadores - Súm 337/STJ :" excesso de acusação (overcharging) não pode prejudicar o acusado"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de recurso especial interposto por H H A, com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, cuja ementa é a seguinte (e-STJ fl. 334):
"Estupro – Agente que constrange a ofendida com o objetivo de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo- se condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego – Ausência de violência o grave ameaça – Desclassificação para o crime de importunação assédio sexual previsto no art. 216-A do CP – Necessidade – Entendimento O crime de assédio sexual é próprio, exigindo situação especial do sujeito ativo, qual seja, superioridade hierárquica ou ascendência em relação ao ofendido, sendo indispensável que a referida posição de mando seja decorrente de uma ascendência própria de relação trabalhista. Verificado, pois, que, entre o réu e a vítima a condição especial descrita e exigida no tipo penal examinado, ocorrendo, assim, a dependência entre o constrangimento e a relação laborativa, como é exigido, mostra-se a conduta típica. Não tendo havido, no contexto descrito. emprego de violência ou grave ameaça contra pessoa, deve, pois, ser desclassificada a conduta de estupro para aquela de assédio sexual." Opostos embargos de declaração pela defesa, o Tribunal a quo se pronunciou nos termos do acórdão que espelha a seguinte ementa (e-STJ fl. 454): "Embargos de declaração Decisão colegiada em sede de Apelação que analisa o pedido de modo satisfatório e completo Inexistência de obscuridade, omissão ou contradição no acórdão impugnado Embargos rejeitados Não devem ser acolhidos os embargos, mesmo quando interpostos com a finalidade de prequestionamento, se não se fizer presente qualquer obscuridade, omissão ou contradição no acórdão embargado que, expondo adequadamente os motivos da decisão, analisou inteiramente o pedido."
Nas razões do recurso especial (e-STJ fls. 353-375), alega o recorrente violação aos artigos 74, 76 e 89, todos da Lei nº 9.099/95, 157 e 617, ambos do Código de Processo Penal, e dissídio jurisprudencial.
Sustenta que, "considerando-se que o crime de assédio sexual trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, seria direito do acusado ver-se beneficiado pelo institutos despenalizadores previstos na Lei 9.099/95, de modo que não deveria o Tribunal a quo, ao reconhecer a desclassificação do delito para uma infração penal de menor potencial ofensivo, julgar o mérito, pois que seria necessária a remessa dos autos ao Ministério Público para a formulação de proposta de composição civil dos danos, transação penal ou, quando muito, suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099, arts. 74, 76 e 89)" (e-STJ fls. 360-361).
No ponto, a defesa alega que o entendimento adotado pela Corte a quo diverge daquele que prevalece no Tribunal de Justiça de Minas Gerais e no Superior Tribunal de Justiça. Sustenta, também, que o Tribunal a quo indevidamente considerou válidas, como provas, “prints” de mensagens supostamente trocadas pelo aplicativo Whatsapp entre a vítima e o acusado, contrariando o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
Segundo afirma, o entendimento do Tribunal de origem diverge da orientação adotada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região e pelo Superior Tribunal de Justiça.
Afirma que houve, ainda, reformatio in pejus quando da realização da dosimetria da pena pelo Tribunal a quo, uma vez que, ao decidir recurso exclusivo da defesa, entendeu haver circunstância judicial desfavorável ao recorrente não reconhecida em primeira instância, no caso, a culpabilidade.
Além disso, alega que a pena-base foi indevidamente majorada pela metade em razão de uma única circunstância judicial desfavorável, violando o disposto no art. 59 do Código Penal e a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, no sentido de que o acréscimo deve ser 1/6 para cada circunstância judicial desfavorável.
Diante desse quadro, requer que seja dado provimento ao recurso especial para (e-STJ fl. 375): "a) anular o acórdão recorrido, exceto na parte em que reconheceu a desclassificação do delito, determinando-se a restituição dos autos à primeira instância, para que seja oportunizado ao Ministério Público a formulação de proposta de transação penal ou, por eventualidade, de suspensão condicional do processo; b) por eventualidade, reconhecer a nulidade dos “prints” de conversas supostamente mantidas pelo aplicativo Whatsapp, que foram anexadas aos autos, determinando-se o seu desentranhamento e, por consequência, sejam anuladas a sentença e acórdão recorrido, por terem se baseado em prova ilícita, com a consequente absolvição do acusado; c) por eventualidade, seja provido o presente recurso, para afastar o aumento de pena decorrente do reconhecimento, em segundo grau, de circunstância judicial desfavorável ao acusado, qual seja, a culpabilidade, fixando-se a pena em seu patamar mínimo; d) ainda por eventualidade, seja o acórdão recorrido reformado para readequar-se a pena imposta ao recorrente que, no caso de mantida a condenação e reafirmada a existência de uma circunstância judicial desfavorável, seja a pena base fixada em 1 ano e 2 meses de reclusão, considerando-se a pena mínima prevista para o tipo penal imputado ao recorrente, acrescida de 1/6, mantendo-se a substituição por penas restritivas de direitos."
Apresentadas contrarrazões (e-STJ fls. 466-476), o Tribunal a quo admitiu o recurso especial (e-STJ fls. 479-480), manifestando-se o Ministério Público Federal pelo não provimento do recurso (e-STJ fls. 489-491).
É o relatório. Decido.
O recorrente foi condenado a 6 anos de reclusão como incurso nas sanções do art. 213, caput, do Código Penal. Em apelação, foi dado parcial provimento ao recurso da defesa para desclassificar a conduta do réu para a prevista no art. 216-A do CP e condená-lo à pena de 1 ano e 6 meses de detenção, em regime inicial aberto, concedido o sursis, com condição.
Verifico que a nova capitulação jurídica permite, em tese, a celebração de transação penal ou sursis processual, atraindo a aplicação da Súmula 337/STJ, pois não se pode retirar do réu a possibilidade de obter tais benefícios, que não lhe foram ofertados, no início da ação penal, em razão do equívoco na qualificação jurídica dada ao fato delitivo.
Considerando a desclassificação da conduta, e sendo possível, em tese, a aplicação dos institutos despenalizadores previstos na Lei dos Juizados Especiais, o édito condenatório de segundo grau, ainda que tenha reconhecido o equívoco na capitulação jurídica da conduta e concedido o sursis, não pode ser mantido.
Vale dizer, é prerrogativa do Ministério Público exercer o juízo valorativo acerca da oportunidade de se oferecer a proposta de transação penal ou sursis processual.
Note-se que mesmo na hipótese de o julgador entender cabível o sursis processual após a recusa do promotor de justiça, não pode ele propor o benefício, devendo, remeter os autos ao Procurador-Geral, em analogia ao art. 28 do Código de Processo Penal, nos termos do que sumulado pelo Supremo Tribunal Federal no enunciado 696.
Assim, reconhecida a desclassificação do delito pelo acórdão recorrido, a pretensão recursal merece ser acolhida, pois o excesso de acusação (overcharging) não pode prejudicar o acusado.
Nesse sentido, como bem pontuou o Ministério Público em contrarrazões ao recurso especial (e-STJ fls. 473-474):
"Da alegada nulidade pela não remessa dos autos à primeira instância para oferecimento da suspensão condicional do processo após a desclassificação. Razão assiste à defesa. O artigo 383, §1º, do Código de Processo Penal trata do tema e dispõe: Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, tenha de aplicar pena mais grave. § 1o Se, em conseqüência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei. Na mesma linha a doutrina: 'Em regra, a proposta deve ser feita concomitantemente ao oferecimento da denúncia, nos termos do artigo 89 da Lei n. 9.099/95. Pode, entretanto, ser feita em momento posterior, em casos de desclassificação ou procedência parcial da acusação (VICTOR EDUARDO RIOS GONÇALVES e ALEXANDRE CEBRIAN ARAÚJO REIS, Direito Processual Penal, Saraiva, 2022, p. 718). Destarte, nos termos da súmula 337 do STJ, é cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime. (...) Assim, tendo em vista a desclassificação da conduta operada pelo v. acórdão, correto o retorno dos autos a 1ª instância para verificar a possibilidade de aplicação do sursis do processo."
Quanto ao tema, destaco, também, os seguintes julgados:
RECURSO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. OMISSÃO CONFIGURADA. POSSIBILIDADE DE OFERTA DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. (...) IV - Porém, no que concerne apenas ao pedido de oferta de proposta da suspensão condicional do processo em grau de apelação (mérito não analisado no recurso especial e no recurso extraordinário, por falta de pressupostos de admissibilidade recursal), pela peculiaridade acima exposta, tenho que o entendimento desta Quinta Turma mereça prevalecer, no sentido de que: "Ainda que a prescrição da pretensão punitiva em relação a um dos crimes denunciados tenha sido reconhecida no segundo grau de jurisdição, tem aplicabilidade o entendimento firmado no enunciado n. 337 da Súmula desta Corte Superior de Justiça, sendo devida a análise da possibilidade de suspensão condicional do processo, caso o delito remanescente se amolde ao requisito objetivo previsto no artigo 89 da Lei n. 9.099/95" (HC n. 367.779/RJ, Quinta Turma, de minha relatoria, Rel. p/ Acórdão Min. Jorge Mussi, DJe de 17/02/2017). V - Digno de nota que a proposta de suspensão da pena não subsiste, pelos motivos já exarados no v. acórdão da origem. Pode-se afirmar que o eg. Tribunal a quo, bem verdade, não deixou de prestar a devida jurisdição, pois refutou expressamente a tese de necessidade de oferta da suspensão condicional do processo e da pena, em recurso de embargos de declaração em apelação criminal, nos seguintes termos (fl. 273): "A suspensão condicional do processo somente é aplicável no momento do oferecimento da denúncia, conforme previsto no artigo 89, caput da lei nº 9.099/95. A suspensão condicional da pena só é aplicada nos casos em que não houve substituição da pena, nos moldes do artigo 77, III do Código Penal." Embargos de declaração acolhidos com efeitos infringentes. Ordem concedida, de ofício, para anular o trânsito em julgado e, parcialmente, o julgamento do recurso de embargos de declaração em apelação criminal da origem, apenas para determinar a remessa dos autos ao d. Ministério Público, para que se manifeste sobre a possibilidade de concessão da suspensão condicional do processo, no que diz respeito ao delito remanescente. (EDcl no AgRg no HC n. 632.003/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 18/5/2021, DJe de 31/5/2021.) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. DESCAMINHO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA PRETENSÃO PUNITIVA. POSSIBILIDADE DE OFERECIMENTO DA SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. SÚMULA N.º 337 DESTA CORTE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. 1. Segundo a orientação firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, havendo desclassificação do delito ou procedência parcial da pretensão punitiva - como verificado na espécie, já que foi afastada a causa de aumento de pena prevista no § 3.º do art. 334 do Código Penal -, deve ser conferida ao Ministério Público a oportunidade de se manifestar acerca do oferecimento do benefício da suspensão condicional do processo. Enunciado n.º 337 da Súmula desta Corte. 2. Observada a identidade fático-processual entre as situações de corréus, e não existindo qualquer circunstância de caráter exclusivamente pessoal que justifique diferenciação, impõe-se, com fundamento no Princípio da Isonomia e do art. 580 do Código de Processo Penal, estender aos demais corréus os efeitos do julgado benéfico obtido pelo Paciente. 3. Habeas corpus concedido para determinar o retorno dos autos à Instância a quo a fim de se oportunizar ao Ministério Público a possibilidade de oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo ao Paciente e aos corréus Thiago dos Santos Sifuentes, Vinícius Mendes de Souza e Rafael Espiríto Santo da Graça. (HC n. 471.516/RJ, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 13/11/2018, DJe de 5/2/2019.)
Por essas razões, dou provimento ao recurso especial para anular em parte o julgamento do recurso de apelação criminal, apenas para determinar a remessa dos autos ao Ministério Público para que se manifeste sobre a eventual formulação de proposta de instituto despenalizador em relação à conduta delitiva reconhecida pelo Tribunal a quo. Intimem-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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