STJ Abr25 - Desclassificação na Lei de Drogas - Art. 33 (tráfico) para Usuário (art.28) - Depoimento Policial Insuficiente e Isolado :"40 g de entorpecentes dispensadas pelo Réu durante a fuga - Confissão para Consumo Pessoal - Presunção de Inocência - ônus da prova do MP"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de agravo em recurso especial interposto contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que inadmitiu o recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, "a", da Constituição Federal.

O recurso especial foi inadmitido sob o fundamento de que sua análise demandaria reexame de provas, o que não é permitido na via especial, nos termos da Súmula 7/STJ.

No agravo em recurso especial, o agravante sustenta que não pretende rediscutir fatos e provas, mas sim atribuir o correto enquadramento jurídico aos fatos incontroversos, o que seria admissível nesta via extraordinária.

Defende que os elementos de prova descritos no acórdão recorrido não evidenciam a intenção de comercializar os entorpecentes, razão pela qual sua conduta deveria ser desclassificada para o porte para consumo pessoal.

O Ministério Público Federal, em parecer de fls. 549-565, opinou pelo provimento do recurso para fins de desclassificação da conduta para o tipo previsto no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, ante a ausência de prova quanto à destinação mercantil da droga apreendida.

É o relatório. DECIDO.

O recurso merece prosperar. Com efeito, embora o recurso especial não se preste ao reexame do conjunto fático-probatório, admite-se a revaloração jurídica de fatos incontroversos já delineados no acórdão.

É o que ocorre no caso concreto, em que não se pretende alterar os fatos descritos no acórdão recorrido, mas tão somente conferir-lhes adequada qualificação jurídica. No caso, consta do acórdão o seguinte (fls. 433-434):

A narrativa do condutor do flagrante foi reiterada em juízo e reforçada pelos demais policiais ouvidos, sendo tais relatos uníssonos no sentido de que estavam em patrulhamento de rotina quando visualizaram o acusado em atitude suspeita consistente em acelerar a motocicleta ao perceber a aproximação dos policiais. Os policiais, então, deram sinal de parada, que foi descumprido pelo acusado, o qual seguiu em fuga e pilotando perigosamente a motocicleta. No percurso, ele dispensou a sacola contendo a droga arrecadada pelos militares (vide PJE Mídias). O acusado, por sua vez, confessou a prática do crime de trânsito e negou a do crime de tráfico, afirmando que não dispensou nenhuma substância ilícita. Na oportunidade, contudo, admitiu ser usuário de maconha (PJE Mídias).

Em seu voto vencido, o Desembargador Guilherme de Azeredo Passos destacou que embora a narrativa dos policiais tenha sido firme no sentido de que viram o acusado dispensando a sacola que continha droga, não ficou comprovada a destinação mercantil, acrescentando que o dolo de tráfico, in casu, partiu exclusivamente da presunção de que o apelante venderia a droga arrecadada na oportunidade, a qual se fundou exclusivamente do fato de ele ter saído de um ponto conhecido como de venda de droga, demonstrando nervosismo ao perceber a aproximação dos militares (fl. 434).

O voto vencido concluiu que tal nervosismo tem fundamento, haja vista que o acusado estava pilotando motocicleta sem ser habilitado para tanto. Fora esse fato, não foi visualizado em nenhum ato de mercancia de drogas, tampouco com petrechos normalmente utilizados para viabilizar o comércio (fl. 434).

Extrai-se, portanto, que os únicos elementos a indicar a prática do crime de tráfico de drogas seriam o local em que o réu foi avistado (um ponto supostamente conhecido como de venda de drogas) e o seu comportamento nervoso ao perceber a aproximação policial, circunstâncias que não se mostram suficientes para comprovar a mercancia.

Não há indicação de que o agravante tenha sido flagrado em ato de venda, que tenha sido apreendido com dinheiro fracionado ou qualquer outro elemento concreto que evidenciasse a traficância, além da pequena quantidade de entorpecente apreendida (51 buchas de maconha, totalizando 40g).

Por outro lado, o recorrente admitiu ser usuário de maconha. Segundo entendimento desta Corte, a configuração do delito de tráfico pressupõe prova robusta, que indique, sem espaço para dúvida, a existência do crime e a prova de autoria, situação não ocorrente na espécie, em que o Juízo condenatório apoiou-se em uma presunção (AgInt no AREsp 741.686/RO, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/08/2021, DJe 12/08/2021).

No julgamento do HC 705.522/SP, o Ministro Rogério Schietti consignou que a presunção de inocência, sob tal perspectiva, impõe ao titular da ação penal todo o ônus de provar a acusação, quer a parte objecti, quer a parte subjecti. Não basta, portanto, atribuir a alguém conduta cuja compreensão e subsunção jurídico-normativa decorra de avaliação pessoal de agentes do Estado, e não dos fatos e das circunstâncias objetivamente demonstradas. (HC 705.522/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 14/12/2021, DJe 17/12/2021).

Essa orientação tem sido reiterada em julgados desta Corte, como se verifica:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DESCLASSIFICAÇÃO. ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. LASTRO PROBATÓRIO INSUFICIENTE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Admite-se, em habeas corpus, a desclassificação do delito quando, para tanto, bastar a revaloração dos fatos e das provas já devidamente colhidos ao longo de toda a instrução probatória e delineados no acórdão, como no caso em exame. 2. Ainda que a palavra dos agentes policiais, como regra, autorize a imposição do decreto condenatório, entendo que, no caso em exame, as declarações prestadas não permitem concluir, com juízo de certeza necessário, que o acusado tenha praticado o delito de tráfico de drogas. 3. A apreensão da droga, por si só, não indica a realização do tipo inserto no art. 33 da Lei de Drogas, notadamente se considerada a quantidade que foi encontrada. Não há notícia de que o agravado tenha sido apreendido em atos de mercancia; tampouco de que tenham sido localizados com ele petrechos comuns ao tráfico (balança de precisão, calculadora, material para embalar a droga, etc.). Ademais, ao ser ouvido em juízo, o acusado negou a prática do delito e alegou que estava no local apenas para comprar entorpecentes para seu próprio consumo. 4. Insta salientar, ainda, que a avaliação do acervo probatório deve ser realizada balizada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a sua absolvição, tendo em vista que sobre a acusação recai o inafastável ônus de provar o que foi veiculado na denúncia. 5. Agravo regimental desprovido (AgRg no HC n. 963.302/RJ, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/2/2025, DJEN de 6/3/2025.)

No caso em análise, o contexto fático delineado no acórdão recorrido não demonstra suficientemente a destinação mercantil da droga encontrada, o que impõe a desclassificação da conduta para o crime de porte para consumo pessoal.

Ante o exposto, dou provimento ao agravo para conhecer do recurso especial e, nessa extensão, dar-lhe provimento, a fim de desclassificar a conduta do recorrente para aquela prevista no art. 28 da Lei n. 11.343/2006, determinando a remessa dos autos ao Juizado Especial Criminal competente, para que aplique as medidas previstas no referido dispositivo. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

(STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2751928 - MG (2024/0356624-2) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 29/04/2025)

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