STJ Abr25 - Estupro de Vulnerável - Absolvição Confirmada Ausência de Lesividade - Relação Autorizada Pela Genitora - Erro de Tipo

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO na Apelação Criminal n. 0004774-05.2019.8.19.0034, assim ementado (fls. 446-447):

APELAÇÃO. DELITO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL. DEFESA QUE SE INSURGE CONTRA A CONDENAÇÃO DO ACUSADO. MATURIDADE SEXUAL E COMPLEIÇÃO BEM DESENVOLVIDA DA VÍTIMA. RELAÇÃO AMOROSA COM O APELANTE. AFASTAMENTO DA VULNERABILIDADE QUE SE IMPÕE. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO. Do pedido de absolvição: o caso em tela expõe algumas peculiaridades que tornam impossível a condenação do apelante, na medida em que não se pode atribuir uma vulnerabilidade absoluta à vítima, cujo grau de conscientização para a prática do ato sexual não deve simplesmente ser ignorado, sobretudo diante da relação amorosa que mantinha com o acusado, o que havia sido expressamente autorizado pela própria genitora da ofendida. Somam-se a isso as características do próprio acusado, um jovem de apenas 20 anos, contra quem não há nenhum mau antecedente. A intervenção do Estado- juiz no âmbito criminal somente se justifica nos casos dos quais decorram efetivo, real e concreto perigo ao bem jurídico penalmente protegido, e não nas hipóteses em que o agente se mostre incapaz de lesionar ou, ao menos, colocar em perigo concreto o bem tutelado pela norma penal incriminadora. No caso vertente, dúvida não há de que a liberdade ou a dignidade sexual não foi ofendida pela ação descrita na denúncia, levando-se em conta o namoro mantido entre as partes, a pouca idade do acusado e o desejo expressamente manifestado pela vítima de fazer sexo. Logo, não obstante as disposições do artigo 217-A do Código Penal, a vulnerabilidade prevista no dispositivo possui natureza subjetiva e deve ser analisada à luz do caso concreto, sob pena de se punir indivíduos em cujas ações não há sequer lesividade ao bem jurídico tutelado. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o tema nos autos do Habeas Corpus nº 73.662-MG, quando concedeu a ordem para julgar improcedente a ação penal. A matéria já foi objeto de apreciação nos autos da Apelação Criminal n° 70.053.672.796 do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO, para absolver o acusado da imputação do delito previsto no artigo 217-A do Estatuto Repressivo, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

Consta dos autos que o recorrido foi condenado inicialmente à pena de 08 (oito) anos de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto no artigo 217-A, do Código Penal.

Em segunda instância, o Tribunal deu provimento à apelação criminal interposta pela defesa, a fim de absolver o réu. Nas razões do recurso especial, fundamentado no permissivo constitucional, a acusação alega violação do art. 217-A do Código Penal, ao argumento de que que basta a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com menor de 14 anos para caracterizar o delito, sendo irrelevante o consentimento da vítima ou a existência de relação amorosa.

Contrarrazões não apresentadas.

O recurso especial foi admitido (fls. 518-525).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso especial (fls. 542-549).

É o relatório. DECIDO.

Preenchidos os requisitos formais, passo ao exame do recurso especial. O recurso não merece ser conhecido. Para melhor elucidação da controvérsia, necessário transcrever a fundamentação utilizada pelo Tribunal estadual acerca da pretensão absolutória (fls.449-453):

O caso em tela expõe algumas peculiaridades que tornam impossível a condenação do apelante, na medida em que não se pode atribuir uma vulnerabilidade absoluta à vítima, cujo grau de conscientização para a prática do ato sexual não deve simplesmente ser ignorado, sobretudo diante da relação amorosa que mantinha com o acusado, o que havia sido expressamente autorizado pela própria genitora da ofendida. Somam-se a isso as características do próprio acusado, um jovem de apenas 20 anos, contra quem não há nenhum mau antecedente. Ao prestar declarações na 137ª Delegacia de Polícia, a vítima afirmou que havia conhecido o acusado na igreja e resolveram iniciar um namoro com pleno consentimento de sua mãe, de quem recebera autorização não apenas para namorar, mas também para sair e viajar com o apelante. Aduziu que após um mês de namoro resolveu ter relações sexuais com o acusado. Aduziu que após um mês de namoro resolveu ter relações sexuais com o acusado e após terminarem iniciou um relaci- onamento com outro homem, com quem reside atualmente, juntamen- te com seu filho, fruto de sua nova união. Quando da audiência de instrução e julgamento, a mãe da vítima, Srª Joelma Rosa da Silva, confirmou, sob o crivo do contraditório, o namoro de sua filha com o apelante, a quem classifi- cou como uma ótima pessoa e ainda lamentou o fato de que ambos os jovens não estavam mais namorando. A Srª Joelma afirmou expressamente que “realmente ele é uma pessoa ótima, queria ter ele até hoje como genro, infelizmente não é possível”; “que ele é um menino bom, trabalhador”. Em que pese o sangramento do útero da vítima após o ato sexual com o acusado, isso se deu por razões inerentes à prática de uma conjunção carnal absolutamente consentida, sem nenhuma violência ou coação contra a menor, a quem o apelante prestou toda a assistência, como qualquer namorado decente o faria. Em seu interrogatório, o acusado confirmou que que namorou a vítima, cuja compleição bem desenvolvida lhe dava a aparência de uma moça mais velha. Com efeito, asseverou que a vítima “mentiu a idade, falou que tinha 16 anos, e que por ter o corpo já formado e bem desenvolvido, ele acreditou, já que ela aparentava que tinha 16/17 anos.” Diante dessa realidade, percebe-se que as peculiaridades do caso em exame conduzem ao afastamento da vulnerabilidade da vítima, contra quem há elementos fáticos capazes de lhe atribuir características de uma pessoa madura e experiente, sob a ótica sexual, desde o início do relacionamento que manteve com o apelante. (...) A intervenção do Estado-juiz no âmbito criminal somente se justifica nos casos dos quais decorram efetivo, real e concreto perigo ao bem jurídico penalmente protegido, e não nas hipóteses em que o agente se mostre incapaz de lesionar ou, ao menos, colocar em perigo concreto o bem tutelado pela norma penal incriminadora. No caso vertente, dúvida não há de que a liberdade ou a dignidade sexual não foi ofendida pela ação descrita na denúncia, levando-se em conta o namoro mantido entre as partes, a pouca idade do acusado e o desejo expressamente manifestado pela vítima de fazer sexo. Logo, não obstante as disposições do artigo 217-A do Código Penal, a vulnerabilidade prevista no dispositivo possui natureza subjetiva e deve ser analisada à luz do caso concreto, sob pena de se punir indivíduos em cujas ações não há sequer lesividade ao bem jurídico tutelado. (...) Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento, para absolver o acusado da imputação do delito previsto no artigo 217-A do Estatuto Repressivo, com base no artigo 386, III, do Código de Processo Penal.

Da leitura do excerto transcrito infere-se incidir o óbice da Súmula n. 7/STJ. Tal asserção deve-se à máxima de que, a revisão das premissas assentadas perante o Tribunal de origem, acerca da ocorrência de erro de tipo demandaria reexame do acervo fático probatório, procedimento que encontra óbice na Súmula n. 7/STJ.

Nesse sentido:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. JUÍZO CONDENATÓRIO. ERRO DE TIPO E PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE NA VIA ELEITA. 1. Deve ser mantida por seus próprios fundamentos a decisão monocrática que não conheceu do writ. 2. Na hipótese, para que fosse possível a análise da pretensão absolutória e a tese de erro de tipo, seria imprescindível o reexame dos elementos fáticos da lide, o que não é possível na estreita via eleita, que possui rito célere e cognição sumária. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 735.619/SP, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 16/8/2022, DJe de 22/8/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGADA QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO DE TIPO. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Dispõe o art. 563 do CPP que "[n]enhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". (...) 3. A Corte originária reconheceu a existência de elementos de prova suficientes para embasar o decreto condenatório pela prática do crime de tráfico de entorpecentes, afastando a ocorrência de erro de tipo. Assim, a mudança da conclusão alcançada no acórdão impugnado, de modo a absolver o acusado, exigiria o reexame das provas, o que é vedado nesta instância extraordinária, uma vez que o Tribunal a quo é soberano na análise do acervo fático-probatório dos autos (Súmulas n. 7/STJ e 279/STF). 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp n. 2.369.419/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 11/2/2025, DJEN de 17/2/2025.)

Ante o exposto, com fundamento no art. 255, § 4º, inciso I, do RISTJ não conheço do recurso especial. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

(STJ - RECURSO ESPECIAL Nº 2136774 - RJ (2024/0133135-9) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 29/04/2025.)

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