STJ Abr25 - Execução Penal - Falta Grava Anulada - Responsabilidade Objetiva - Ilegalidade - princípio da intranscendência :"objetos ilícitos achados na cela compartilhada com outros vários detentos, sem exposição do autor individualizado dos fatos"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO DANIEL XXXXXXX alega sofrer coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro no HC n. 5015416-67.2023.8.19.0500.
A defesa aponta a nulidade da decisão administrativa proferida no PAD n. 023127/2022. Argumenta que o recurso hierárquico foi julgado pela própria diretora da unidade prisional (autoridade incompetente).
Ademais, o Juiz da VEC homologou o PAD sem apontar fato definido como falta grave ou a prova para comprovar a autoria delitiva. Requer a concessão da ordem, para (fl. 34):
[...] absolver o Paciente no PAD 023/127/2022 da UP/PMERJ, seja porque se condenou o Paciente por saber “da Existência de compartimento secreto na prateleira, estando na cela por mais de 03 (três) anos, não providenciou a sua troca ou informou a Direção para se eximir de uma futura falta.”, fato não tipificado no rol taxativo do art. 50 da LEP, tipificando-se, ademais, a própria autoridade administrativa, a conduta do Paciente no art. 39, I e IV da LEP, quando são os incisos II e V desse artigo que constituem falta grave, conforme art. 50, VI do mesmo diploma legal; seja por não estarem presentes os requisitos para o reconhecimento do concurso de pessoas (ausência de liame subjetivo), haja vista que as únicas provas produzidas (dois depoimentos) comprovam que o Paciente sequer sabia da existência do material apreendido; ou, ainda, por desrespeito ao princípio da intranscendência [...]
Decido.
Quanto à alegação de nulidade da decisão proferida em procedimento administrativo disciplinar, constato a indevida supressão de instância. O Tribunal de origem não se manifestou sobre essa questão.
Dessa forma, a competência desta Corte, nos termos do art. 105 da CF, ainda não está instaurada. Além disso, a inexistência de manifestação de segundo grau a respeito dessa matéria impede a concessão da ordem, de ofício. Verifico que o Procedimento Administrativo Disciplinar foi enviado ao Juiz da VEC, para controle de legalidade. Segundo o acórdão recorrido, o preso sabia da existência de compartimento secreto na prateleira da cela e escondeu esse fato da Administração.
Nesse contexto, as instâncias ordinárias consideraram que, "com seu errôneo proceder, concorreu diretamente com movimento de subversão à ordem e à disciplina (art. 39, I e IV, da LEP)”, destacando que, no local "foram encontrados um 'smartphone' marca Samsung, cor azul; um SIM card; uma prateleira utilizada como esconderijo do aparelho, um ‘pendrive’ e uma identidade do interno (fls. 506), além de '01 (um) cabo USB branco, 01 (um) carregador com cabo USB branco, 01 (um) carregador com cabo por indução preto, 01 (um) cabo USB preto, 01 (um) fone sem fio, 01 (uma) bateria ‘Duracell’, 01 (um) ‘pendrive’, caracterizado como falta grave segundo a legislação e jurisprudência de nossos tribunais' (fls. 887).
O fato, abstratamente, é definido como falta grave, pois constituem deveres do condenado o "comportamento disciplinado" e "conduta oposta aos movimentos individuais ou coletivos de fuga ou de subversão à ordem ou à disciplina".
Todavia, cumpre salientar que não recai sobre aquele que cumpre pena o dever jurídico de fiscalizar ou denunciar condutas eventualmente praticadas por seus companheiros de confinamento, não se podendo exigir do ora paciente o papel de delator informal ou fiscal disciplinar do sistema prisional.
A responsabilização objetiva por atos de terceiro viola o princípio da intranscendência, segundo o qual nenhuma penalidade pode ultrapassar a pessoa do infrator.
Inexiste no acórdão recorrido prova de que o custodiado contribuiu, de algum modo, para o armazenamento de celular e demais itens proibidos na cela, manipulou ou fez uso desses objetos.
Assim, é inviável presumir a sua participação na falta grave com base unicamente na localização dos itens e na menção, feita pelas instâncias ordinárias, de que o preso sabia "da existência de compartimento secreto"; "não providenciou a sua troca ou informou a direção para se eximir de uma futura falta" e "compartilhou tal informação com pessoa íntima, escondendo o fato da Administração".
Também o Juiz da VEC consignou que o cabo Albert assumiu a propriedade dos materiais encontrados, além de declarar que o ora paciente, "por ser muito íntimo", lhe confiou segredos "como o do compartimento secreto na prateleira de sua cela" (fls. 575). A autoridade assim decidiu:
[...] o Preso, sabendo da existência de compartimento secreto na prateleira, estando na cela por mais de 03(três) anos, não providenciou a sua troca ou informou a direção para se eximir de uma futura falta, pelo contrário compartilhou tal informação com pessoa íntima, escondendo o fato da administração, com seu erroneo proceder, concorreu diretamente com movimento de subversão à ordem e a disciplina (art. 39, I e IV da LEP). Cabe ainda esclarecer que a cela do preso é individual e em ala distinta da sua testemunha, sendo ainda encontrados outros materiais 01 (um) cabo USB branco, 01 (um) carregador com cabo USB branco, 01 (um) carregador com cabo por indução preto, 01 (um) cabo USB preto, 01 (um) fone sem fio, 01 (uma) bateria duracell, 01 (um) Pen drive, caracterizado como falta grave segunda a legislação e jurisprudência de nossos tribunais. Frisa-se que sendo a testemunha tão íntima e proprietária dos materiais apreendidos durante revista da VEP, não procurou a administração para solicitar ventilador ou assumir a responsabilidade sobre os materiais para eximir de responsabilidade seu amigo e confidente íntimo.
Aplica-se ao caso a compreensão de que, "em razão do princípio da intranscendência penal, a imposição de falta grave ao executado, por transgressão realizada por terceiro, deve ser afastada quando não comprovada a autoria do reeducando, através de elementos concretos" (AgRg no HC n. 922.470/SP, relator Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 26/3/2025, DJEN de 31/3/2025). À vista do exposto, concedo o habeas corpus para absolver o paciente da falta grave. Publique-se e intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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