STJ Abr25 - Medidas Assecuratórias de Bloqueios de Bens - Excesso de Prazo - 3 anos sem ação penal
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
XXXXXXXXX interpõem recurso em mandado de segurança contra acórdão que chancelou decisão do Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Itaituba/PA, que, nos autos do Pedido de Busca e Apreensão Criminal 1000979-55.2021.4.01.3908, determinara o bloqueio/sequestro de bens e recursos.
Os impetrantes afirmam ter sido deflagrada, em 6/10/2021, a “Operação SOS Jamanxim”, cujo objetivo seria a apuração de supostas práticas criminosas em desfavor do meio ambiente.
Relatam que, em atenção ao requerimento apresentado pela autoridade policial, foi determinado o bloqueio/sequestro de bens e recursos de sua titularidade. Sustentam que a ordem indiscriminada de bloqueio de todos os seus ativos, valores e bens, impede sua própria subsistência, além de afrontar os princípios da dignidade da pessoa humana, do devido processo legal e do contraditório. Asseveram ser injusta e ilegal a presunção de que todos os seus bens teriam proveniência ilícita.
A título de ilustração, mencionam que, dos 15.164,37 hectares a si distribuídos, apenas 6.709,65 estariam no interior da Flona do Jamanxim, ou seja, 8.454,72 hectares estariam fora da Flona, sendo áreas totalmente aptas ao uso e regularização.
Referem que o próprio ICMbio já teria reconhecido sua condição de possuidores, outorgando-lhes autorização para manutenção de pastos e limpeza de beira de cercas, fato este que comprovaria a origem lícita de seu patrimônio.
Informam que a manutenção dessas áreas exigiria o dispêndio de inúmeros gastos, inclusive o pagamento de funcionários diretos e de prestadores de serviço, e que, atualmente, os impetrantes contariam com cinco funcionários registrados, além de diversos financiamentos junto a instituições financeiras, com vencimento iminente, no total de R$ 15.123.341,30 (quinze milhões e cento e vinte e três mil e trezentos e quarenta e um reais e trinta centavos).
Ponderam que a manutenção do bloqueio e sequestro de todos os bens dos requerentes culminará nas demissões de seus funcionários, inadimplemento dos financiamentos, não manutenção das áreas, emagrecimento e morte dos bovinos e por conseguinte o fim do patrimônio dos requerentes, sem ter-lhes dado a possibilidade de demonstrar, durante a instrução patrimonial, a licitude de seu patrimônio. Os recorrentes pleiteiam "a cassação da medida assecuratória".
Decido.
O acórdão impugnado denegou a ordem nos seguintes termos:
[...] Questiona-se na presente ação mandamental a decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Itaituba/PA, que, no bojo do Pedido de Busca e Apreensão Criminal 1000979-55.2021.4.01.3908, após estabelecer, provisoriamente, o valor de R$ 310.884.869,19 (trezentos e dez milhões e oitocentos e oitenta e quatro mil e oitocentos e sessenta e nove reais e dezenove centavos), a título de reparação do dano causado pela atividade criminosa, determinou, para fins de efetivação do arresto (ID 171366046, cito): [...] De início, a despeito das exigências probatórias próprias da ação do mandado de segurança, não se verifica da documentação carreada aos autos prova de qual numerário teria sido bloqueado nas contas de titularidade dos impetrantes, tampouco se demonstrou se nelas haveria valores disponíveis para a constrição decretada. Do mesmo modo, também não se encontra adequadamente demonstrada nos autos seja a iminente imprescindibilidade da quantia de R$ 15.123.341,30 (quinze milhões e cento e vinte e três mil e trezentos e quarenta e um reais e trinta centavos), seja a atual regularidade das áreas embargadas, sobretudo se considerada a apontada controvérsia noticiada na decisão impetrada, quanto à existência de possíveis fraudes no cadastramento dos imóveis rurais objeto de investigação (cito): [...] Como se sabe, o mandado de segurança exige, entre seus requisitos, a comprovação inequívoca do direito líquido e certo pela parte impetrante, por meio da chamada prova pré-constituída, direito este que deve ser aferível de plano, em razão da impossibilidade de dilação probatória nesta via. Nesse sentido, destaca-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “o mandado de segurança visa proteger direito líquido e certo, ou seja, é pressuposto que o impetrante traga aos autos prova pré-constituída e irrefutável da certeza do direito a ser tutelado, capaz de ser comprovado, de plano, por documento inequívoco. Logo, somente aqueles direitos plenamente verificáveis, sem a necessidade de qualquer dilação probatória, é que ensejam a impetração do Mandado de Segurança, não se admitindo, para tanto, os direitos de existência duvidosa ou decorrentes de fatos ainda não determinados (MS 25175/DF, rel. min. Herman Benjamin, Primeira Seção, DJe de 6/9/2019). Ainda segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (cito): a opção pela via do mandado de segurança oferece aos impetrantes o bônus da maior celeridade processual e da prioridade na tramitação em relação às ações ordinárias, porém, essa opção, cobra o preço da prévia, cabal e incontestável demonstração dos fatos alegados, mediante prova documental idônea, a ser apresentada logo com a inicial, evidenciando a liquidez e a certeza do direito afirmado (AgInt no AgInt no MS 20111/DF, rel. min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe de 26/8/2019 e AgInt no MS 27096/DF, rel. min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, DJe de 10/5/2021). De outra parte, e não menos importante, verifica-se que as alegações trazidas na presente impetração, no sentido da necessidade de liberação de numerário para se fazer frente a despesas operacionais e pessoais dos impetrantes, não foram submetidas previamente à autoridade impetrada, fato que também inviabilizaria sua análise diretamente por esta Corte, por implicar em indevida supressão de instância. Não evidenciada, portanto, seja a prova pré-constituída do direito líquido e certo invocado pelos impetrantes, seja a teratologia da decisão judicial apontada como coatora, imperiosa a denegação da segurança. Ante o exposto, DENEGO a segurança. [...] (fls. 2.776-2.798) Todavia, o voto divergente evidencia aspectos que devem ser sopesados: [...] Em manifestação posterior, os impetrantes informaram que haviam peticionado ao juízo de origem em 23/03/2022 solicitando liberação parcial dos bens, sem obter resposta. Em petição de doc. 423118212 informam que quase três anos após a decretação das medidas, o inquérito policial ainda não foi concluído e não há ação penal instaurada. Quanto ao cabimento do mandado de segurança, acompanho integralmente o relator. O presente mandamus, tem por objeto a parte II, itens a, b, c e d da decisão judicial: II- DEFIRO, com fundamento nos arts. 125, 126, 132 e 137, do Código de Processo Penal o arresto de bens móveis e imóveis das pessoas físicas abaixo relacionadas, limitado ao VALOR TOTAL de R$ 310.884.869,19 (trezentos e dez milhões, oitocentos e oitenta e quadro mil e oitocentos e sessenta e nove reais e dezenove centavos), à título de reparação pelo dano ambiental causado, para fins de arresto das pessoas físicas abaixo relacionadas: espólio de EDSON MIGUEL PIOVESAN (CPF: 139.332.219-00) CRISTOVAO RODRIGO PIOVESAN (CPF: 006.476.711-66) CASSIANO PIOVESAN (CPF: 966.282.861-34) JUCIANE PEREIRA DA SILVA (CPF: 025.387.231-67) EDSON LUIZ PIOVESAN (CPF: 946.699.101-91) PERLA MARIA BIRNFELDT DA VEIGA (CPF: 030.947.341-11) MARLENE KUSS PIOVESAN CORDEIRO (CPF: 561.652.699-15) MARCELO PIOVESAN CORDEIRO (CPF: 028.828.449-64) MARCIA PIOVESAN CORDEIRO (CPF: 680.518.249-20) MÁRCIO NATALINO PIOVESAN CORDEIRO (CPF: 721.066.389-49) SANDRA MARA SILVEIRA (CPF: 875.774.619-20) DAVI SILVEIRA PIOVESAN (CPF: 063.072.621-33) Para efetivação do arresto, determino: a) bloqueio/sequestro de valores existentes nas contas bancárias vinculadas somente aos investigados EDSON LUIZ PIOVESAN, CASSIANO PIOVESAN MÁRCIO PIOVESAN, SANDRA MARA SILVEIRA e espólio de EDSON MIGUEL PIOVESAN a ser operacionalizado via Sisbajud ou sistema similar, até o limite de R$ 310.884.869,19 (trezentos e dez milhões, oitocentos e oitenta e quadro mil e oitocentos e sessenta e nove reais e dezenove centavos), solidariamente. b) bloqueio/sequestro de veículos registrados nos nomes dos investigados indicados no item II, via Sistema RENAJUD; c) bloqueio/sequestro de bens imóveis por meio da Central Nacional de Indisponibilidade de bens - CNIB, bem como, no tocante a embarcações, mediante expedição de ofício à Capitania Fluvial de Santarém/PA (Marinha do Brasil) e à ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) no tocante às aeronaves; d) bloqueio/sequestro do estoque de gado e impedimento de comercialização mediante a expedição de ofício para os órgãos de controle Adepará e INDEA vinculados aos nomes dos investigados indicados no item II, devendo ser apresentada quantidade de bovinos e o local onde se encontram; [...] As medidas assecuratórias foram decretadas em outubro de 2021, no bojo de um inquérito policial. Passados quase três anos, o inquérito sequer foi concluído, e não há ação penal instaurada. Essa situação configura evidente constrangimento ilegal, pois submete os impetrantes a uma grave restrição patrimonial sem que lhes seja oferecida a oportunidade de exercer plenamente seu direito de defesa. [...] Embora a medida possa, em tese, ser adequada para garantir eventual reparação de danos, sua extensão e duração comprometem sua própria finalidade, pois impedem a manutenção das atividades econômicas dos impetrantes e a preservação dos bens constritos. [...] Diante do exposto, com as devidas vênias, divirjo do relator, para conceder a segurança nos seguintes termos: a) Suspender os efeitos da decisão impugnada no que tange ao bloqueio e sequestro de bens dos impetrantes; b) Determinar ao juízo de origem que, no prazo de 30 dias, reavalie a necessidade e a extensão das medidas assecuratórias, observando os seguintes parâmetros: i) Individualização dos bens supostamente vinculados a atividades ilícitas; ii) Preservação de valores necessários à subsistência dos impetrantes e manutenção de suas atividades econômicas lícitas; iii) Fixação de prazo razoável para duração das medidas, vinculado à conclusão do inquérito e eventual oferecimento de denúncia. c) Determinar que, caso mantida alguma forma de constrição, seja assegurado aos impetrantes o direito de gerir os bens sequestrados, mediante prestação de contas periódica ao juízo. [...] (fls. 2.783-2.784)
O caso é de provimento parcial do recurso. Com efeito, por mais que haja ainda persecução penal em andamento, o voto divergente é bem claro em ressaltar que “os impetrantes informaram que haviam peticionado ao juízo de origem em 23/03/2022 solicitando liberação parcial dos bens, sem obter resposta”.
Ao mesmo tempo, “as medidas assecuratórias foram decretadas em outubro de 2021, no bojo de um inquérito policial [e], passados quase três anos, o inquérito sequer foi concluído, e não há ação penal instaurada”, segundo o voto divergente.
Tais elementos evidenciam a ocorrência de constrangimento ilegal nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, que, em casos em tudo similares, vem entendendo que "a manutenção da apreensão de valores efetivada no inquérito policial, após ultrapassados quase 03 (três) anos sem a instauração válida de ação penal pela prática de qualquer crime, revela manifesta ofensa ao princípio da razoabilidade, situação que não pode ser tolerada pelo Poder Judiciário" (EDcl nos EDcl no AgRg no AREsp n. 1.792.372/PR, Quinta Turma, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, DJe de 11/3/2022).
No mesmo sentido:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ESTELIONATO E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INQUÉRITO PENAL INCONCLUSO DEPOIS DE CINCO ANOS. DENÚNCIA NÃO OFERECIDA. LEVANTAMENTO DOS ATIVOS FINANCEIROS BLOQUEADOS. EXCESSO DE PRAZO. OCORRÊNCIA. PROVIMENTO DO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. Esta Corte vem entendendo que "a manutenção da apreensão de valores efetivada no inquérito policial, após ultrapassados quase 03 (três) anos sem a instauração válida de ação penal pela prática de qualquer crime, revela manifesta ofensa ao princípio da razoabilidade, situação que não pode ser tolerada pelo Poder Judiciário. Mostram-se impreteríveis o levantamento do sequestro e do arresto à mingua de mínima perspectiva de julgamento em prazo razoável da pretensão acusatória, cujo processo sequer se reiniciou. Caracteriza-se patente o constrangimento ilegal a que está submetido o recorrente. Medidas constritivas que não podem persistir indefinidamente. Concessão de habeas corpus de ofício". Recurso em mandado de segurança provido . (RMS n. 69.359/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 14/2/2023, DJe de 22/2/2023.) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. TRANCAMENTO. EXCEPCIONALIDADE. CIRCUNSTÂNCIA NÃO EVIDENCIADA DE PLANO. SEQUESTRO DE BENS IMÓVEIS E BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS. MEDIDA DECRETADA HÁ MAIS DE 5 (CINCO) ANOS. RAZOABILIDADE. EXCESSO DE PRAZO VERIFICADO. PRECEDENTES. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, o trancamento de inquérito policial pela via estreita do habeas corpus é medida de exceção, só admissível quando emerge dos autos, de forma inequívoca e sem a necessidade de valoração probatória, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, circunstâncias essas não evidenciadas na hipótese. Precedentes. 2. Nos termos do art. 4.º da Lei n.º 9.613, de 03 de março de 1998, o Juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, poderá decretar, no curso de inquérito policial, o sequestro de bens, direitos ou valores do investigado. Conforme o § 1.º do mesmo artigo, essas medidas assecuratórias serão levantadas se a ação penal não for iniciada no prazo de cento e vinte dias. 3. Segundo já decidiu este Superior Tribunal de Justiça, o atraso no encerramento das diligências deve ser analisado conforme as peculiaridades de cada procedimento. 4. No caso, não tendo sido proposta, até o presente momento, a ação penal em desfavor do Paciente, mostram-se impreteríveis o levantamento do sequestro e o desbloqueio das contas bancárias, porquanto ultrapassados os limites da razoabilidade. Precedentes. 5. Ordem parcialmente concedida, a fim de determinar o levantamento do sequestro recaído sobre os bens imóveis que estejam em nome das empresas SEGURANÇA INDUSTRIAL - COMPANHIA NACIONAL DE SEGUROS e ORION MILÊNIO COMÉRCIO E PARTICIPAÇÕES S/A e das pessoas de ELIZABETH TRANCOSO PEREIRA e FRANCO CECCHINE BRUNI NETO, bem como o desbloqueio dos ativos financeiros que estejam em seus nomes, ressalvada a possibilidade de nova decretação das medidas assecuratórias, desde que fundada em novas evidências da prática do crime" (HC n. 144.407/RJ, Quinta Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJe de 28/06/2011).
À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso in limine, para determinar ao Juízo de primeiro grau que, no prazo de 30 dias, reavalie a necessidade e a extensão das medidas assecuratórias, observando os seguintes parâmetros: a) Individualização dos bens supostamente vinculados a atividades ilícitas; b) Preservação de valores necessários à subsistência dos impetrantes e manutenção de suas atividades econômicas lícitas; c) Fixação de prazo razoável para duração das medidas, vinculado à conclusão do inquérito e eventual oferecimento de denúncia”. Em tempo, corrija-se a autuação do feito, para constar o nome dos acusados por extenso, pois não está caracterizada hipótese de segredo de justiça. Publique-se. Intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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