STJ Abr25 - Nulidade da Decisão que Recebeu a Denúncia e Não Analisou os Fundamentos da Resposta à Acusação

 Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por P H S DO N em face do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

Neste recurso, alega a ausência de enfrentamento dos argumentos apresentados na resposta à acusação (inépcia da denúncia e ausência de justa causa).

Aduz, ainda, a existência de excesso de prazo na tramitação do feito. Requer a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia e a soltura do recorrente.

O Ministério Público manifestou-se pelo provimento parcial do recurso, "unicamente para determinar ao juízo de piso que aprecie as teses defensivas de inépcia da denúncia e ausência de justa causa para a instauração da relação processual penal" (fls. 211-214).

É o relatório. DECIDO.

O recurso merece parcial provimento. No caso em análise, compulsando o procedimento, em especial a resposta à acusação apresentada (fls. 28-55) e a decisão que a enfrentou (fls. 25-27), verifico que o recurso deve ser provido, a fim de que outra decisão, com fundamentação adequada, seja prolatada, considerando que o provimento exarado deixou de enfrentar, ainda que de maneira sucinta, as teses defensivas, tratando-se de decisão genérica.

Como se sabe, a fundamentação da decisão que confirma o recebimento da denúncia, após a apresentação da resposta à acusação, não demanda fundamentação exauriente.

Entretanto, [A]ainda que não se exija fundamentação exaustiva na decisão que rejeita as hipóteses do art. 397 do Código de Processo Penal (ratificando, assim, o recebimento da denúncia), é necessária a explicitação suficiente dos fundamentos que levaram o julgador a afastar as teses deduzidas na resposta à acusação, sob pena de inobservância ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição da República. (RHC n. 154359/RJ, Relator Ministro Olindo Menezes - Desembargador Convocado do TRF da 1ª REGIÃO, Relatora para o acórdão Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 23/6/2022).

A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME PREVISTO NO ART. 90 DA LEI N. 8.666/1993. ALEGAÇÃO DE NULIDADE PELA AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. OCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. ORDEM CONCEDIDA. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Embora não se exija fundamentação exaustiva na decisão que rejeita as hipóteses do art. 397 do Código de Processo Penal (ratificando, assim, o recebimento da denúncia), é necessária a explicitação suficiente dos fundamentos que levaram o julgador a afastar as teses deduzidas na resposta à acusação. 2. Não tendo o Juízo processante feito qualquer referência às teses apresentadas pela Defesa na resposta à acusação (quais sejam, ilicitude da prova decorrente da busca e apreensão, inépcia da denúncia e ausência de justa causa), fazendo ainda menção ao afastamento de qualificadoras, sequer existentes no caso, deve ser anulada a decisão, para que outra seja proferida, com a análise, ainda que sucinta, das teses defensivas. 3. Agravo desprovido. (AgRg no HC n. 552951/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 1/12/2020, DJe de 16/12/2020). "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS.PROCESSO PENAL. CRIME DESCRITO NO ART. 129, § 9º, DO CÓDIGO PENAL, NA FORMA DA LEI N. 11.340/2006. DENEGAÇÃO DA ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO MÍNIMA. NULIDADE. RECONHECIMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. DECISÃO MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Em consonância com a jurisprudência desta Corte, a decisão que rejeita a absolvição sumária deve ser fundamentada, ainda que de forma concisa, apreciando, quando apresentadas na resposta à acusação, teses relevantes e urgentes, e, se não for o caso, ao menos referindo os pontos aventados pela defesa para, então, fundamentar a necessidade de dilação probatória na análise. 2. Verifica-se a ocorrência de manifesta ilegalidade se o Juízo de 1º Grau, ao proferir a decisão, sequer mencionou os pontos expressamente suscitados na peça defensiva de resposta à acusação, limitando-se a ratificar a decisão que recebeu a denúncia, motivo pelo qual deve o processo ser anulado a partir da decisão que ratificou o recebimento da denúncia, para que sejam enfrentadas as teses trazidas na resposta à acusação, ante a falta de fundamentação idônea. 3. Agravo regimental improvido." (AgRg no RHC 122.227/RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/06/2020, DJe 16/06/2020; sem grifos no original.)
Como bem destacou o Ministério Público Federal (fls. 211-214), Ocorre que, oferecida resposta escrita, não houve por parte do juízo de primeiro grau nenhuma decisão quanto às teses defensivas lá elencadas (inépcia da denúncia e ausência de justa causa), tornando letra morta a normativa que possibilita ao réu, ainda no início do processo, juízo de absolvição sumária ou, ao menos, a ratificação da denúncia recebida na fase do artigo 395 do CPP.
Noto que, quanto ao ponto, não houve fundamentação per relationem a afastar os argumentos defensivos, posto que a utilização dos argumentos ministeriais ocorreram em sede de análise da manutenção ou não da prisão preventiva, sendo certo que são diversos os standards probatórios para a adoção da medida cautelar e aquela exigida para a instauração da relação processual penal.

Noutro giro, quanto ao alegado excesso de prazo, assim decidiu o Tribunal local (fls. 155-163, grifamos):

Quanto às alegações de excesso de prazo, alisando as informações encaminhadas pelo juízo processante (Id. 45375108), verifica-se que a tramitação do processo segue regularmente, sem que se constate excesso de prazo para o início da instrução processual. O paciente foi preso em flagrante em 02/11/2024, tendo a prisão sido convertida em preventiva no dia seguinte. A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em 21/11/2024 e recebida em 28/11/2024. O réu foi citado regularmente e apresentou resposta à acusação. Ademais, em 26/11/2024, os autos foram conclusos, culminando na designação da audiência de instrução e julgamento para o dia 18/02/2025, dentro de um prazo razoável considerando a complexidade da causa. É cediço que a instrução processual demanda diversos atos preparatórios, incluindo a expedição de citações e intimações, além da organização da pauta de audiências. Ao contrário do alegado, não se verifica qualquer atraso injustificado. O andamento processual tem seguido os marcos temporais compatíveis com a razoável duração do processo, conforme preceitua o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal. A jurisprudência pátria tem se posicionado no sentido de que a aferição do excesso de prazo não deve ser realizada por mera soma aritmética dos prazos processuais, mas sim a partir de um juízo de razoabilidade, considerando as particularidades do caso concreto (STJ - AgRg no RHC 136427/CE, Rel. Min. Félix Fischer, Quinta Turma, D Je 15/12/2020). Destarte, não há qualquer mora injustificada imputável à acusação ou ao juízo processante, afastando-se a alegação de excesso de prazo para o início da instrução processual. O feito tramita regularmente, garantindo o devido processo legal e respeitando os princípios da razoável duração do processo e da presunção de inocência.

Consoante salientou o Ministério Público Federal (fls. 211-214, grifamos), não há que se falar em ainda em excesso de prazo, pois são atribuídos ao recorrente a prática de quatro crimes, em concurso de agentes com dois adolescentes, de maneira que o feito apresenta certa complexidade, guardando o tempo de prisão cautelar (pouco menos de 5 meses) proporcionalidade ao que se exige para a investigação e processamento dos fatos criminosos.

Dentro desse cenário, não vislumbro demora - tampouco injustificada - na tramitação do feito, que está, apesar de guardar certa complexidade, seguindo regularmente sua marcha, sem indícios de negligência ou inércia. Para casos como o presente é firme a jurisprudência desta Corte de Justiça:

DIREITO PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. EXCESSO DE PRAZO NA PRISÃO PREVENTIVA. AGRAVO NÃO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que denegou a ordem em habeas corpus impetrado em favor de réu preso preventivamente, acusado de delitos previstos nos arts. 33 e 35 da Lei n. 11.343/06 e art. 12 da Lei n. 10.826/03, na forma do art. 69 do Código Penal. 2. A defesa alega excesso de prazo na prisão cautelar e ausência de fundamentação para a manutenção da prisão preventiva. O Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo negou a ordem de habeas corpus, e a liminar foi indeferida. II. Questão em discussão 3. A questão em discussão consiste em saber se há excesso de prazo na prisão preventiva do agravante, que está preso há mais de 427 dias sem o encerramento da instrução criminal. 4. Outra questão em discussão é a ausência de fundamentação para a manutenção da prisão preventiva. III. Razões de decidir 5. A prisão preventiva não pode ser utilizada como punição antecipada e não permite complementação de sua fundamentação pelas instâncias superiores. 6. A análise de eventual excesso de prazo deve considerar todos os prazos que compõem a instrução, devendo ser reconhecido apenas na hipótese de demora injustificada. 7. No caso, o processo tem seguido regularmente sua marcha, sem indícios de negligência ou inércia por parte do Judiciário, respeitando os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. IV. Dispositivo e tese 8. Agravo não provido. (AgRg no HC n. 875404/ES, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 12/3/2025, DJEN de 19/3/2025).

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso para o fim exclusivo de anular a ação penal desde a decisão que enfrentou (ou melhor, deixou de enfrentar) as teses apresentadas na resposta à acusação, para que outra seja proferida, com a análise, ainda que sucinta, das teses defensivas. Publique-se. Intimem-se. Comunique-se, com urgência, à origem.

Relator

OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 213242 - PE (2025/0095419-0) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 25/04/2025.)

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