STJ Abr25 - Reconhecimento do Tráfico Privilegiado - Entorpecentes Variáveis - Ausência de Provas que Estava Armado no Flagrante -Absolvição por Resistência (art.329 do CP) - Depoimento Policial Insuficiente
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
WESLEY XXXXX alega sofrer coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 1500829-11.2024.8.26.0536). Consta dos autos que o paciente foi condenado pelos crimes dos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 e art. 329, caput, do CP, às reprimendas de 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, mais multa, e 2 anos de detenção, em regime semiaberto.
Nas razões da impetração, a defesa sustenta o constrangimento ilegal, sob a tese de que a pena-base foi fixada de forma desproporcional, diante da quantidade pouco significativa de entorpecentes. Postula a aplicação da minorante do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, em seu patamar máximo, e a fixação de regime inicial menos gravoso para o delito de tráfico.
Afirma que o patamar utilizado na aplicação das majorantes não foi adequadamente fundamentado.
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, e, no mérito, pela denegação da ordem (fls. 124-130).
Decido.
I. Absolvição pelo delito do art. 329 do CP
O juízo de primeiro grau condenou o réu pela prática do delito de resistência, pelos seguintes fundamentos (fls. 52-54):
Por fim, no tocante ao crime de resistência, dispõe o artigo 329, “caput”, do Código Penal, “in verbis”: “Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”, este também restou configurado. Os policiais militares Marcos e Kaue, relataram, na fase policial e em juízo, que por ocasião dos fatos realizaram incursão tática na busca do acusado e durante a perseguição o réu entrou em um canal com a intenção de chegar à outra margem e prosseguir em fuga, disseram que, daquele local, o réu efetuou disparos de arma de fogo em direção da equipe policial e logo em seguida se entregou, tendo erguido as mãos e soltado a sacola e a arma dentro do córrego. Assim, diante de todo o arcabouço probatório produzido nos autos, tenho que a autoria e a materialidade do crime de resistência restou devidamente demonstrada, ante os depoimentos prestados pelos policiais militares, estes harmônicos e seguros sobre a forma como se deu a abordagem e a prisão do acusado, não havendo qualquer discrepância significativa que pudesse infirmar a veracidade das declarações, inexistindo qualquer elemento probatório que demonstre a intenção deliberada dos policiais em prejudicar o acusado. No mais, a versão do acusado restou inverossímil e divorciada das demais provas produzidas. Dessa forma, observo que, de fato, ocorreu a oposição com violência e ameaça à abordagem policial, estando bem demonstrada a tipificação da conduta do acusado, nos termos do artigo 329, “caput”, do Código Penal. O Tribunal de origem manteve a condenação pelas seguintes razões (fls. 67-68): De igual modo, diante de todo o exposto, a prova testemunhal, revelou-se segura e convincente, no tocante à configuração do delito tipificado no artigo 329, do Código Penal, porquanto evidenciado que, de forma deliberada, voluntária e consciente, Wesley opôs-se à execução de ato legal, empregando violência ao efetuar disparos de arma de fogo contra os policiais competentes para prendê-lo em flagrante delito, os quais revidaram, consoante se pode observar do vídeo acostado a fls. 152, tal como relataram os agentes públicos.
Conforme visto, o Tribunal justificou a condenação do paciente, com base nos depoimentos dos policiais responsáveis por sua prisão em flagrante que, por estarem no exercício da função, teriam presunção de idoneidade.
Entretanto, considero, pela detida análise dos elementos delineados no julgado, que o conjunto probatório não traduz a certeza necessária para a condenação do acusado.
A prova testemunhal consignada no acórdão assinala que, para além dos depoimentos dos agentes públicos, a testemunha de defesa refutou que o réu estivesse armado, elemento que se alinha ao interrogatório do réu, o qual negou a autoria.
Em que pese a Corte estadual mencione vídeo como elemento de prova da pretensão punitiva estatal, chama a atenção o que consignou o sentenciante sobre o mesmo indício (fls. 47-48):
Anote-se que o vídeo juntado pela defesa através do link de fl. 152 não tem qualquer valor probatório, uma vez que não flagra a dinâmica dos fatos e o momento em que o réu efetivamente foi detido. As imagens apenas revelam a ação de uma viatura da polícia militar, seguido dos sons de disparos de arma de fogo, porém sem a possibilidade de identificação do réu.
Esta Corte já destacou a necessidade de coerência interna dos depoimentos dos policiais com as demais provas dos autos, para ensejar a condenação, uma vez que não se mostra possível um sistema de provas tarifadas, em que as declarações dos agentes públicos tenham hierarquia superior à dos demais elementos probatórios.
Veja-se:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. CONDENAÇÃO BASEADA EXCLUSIVAMENTE NOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO EM FLAGRANTE. DESATENDIMENTO AOS CRITÉRIOS DE COERÊNCIA INTERNA, COERÊNCIA EXTERNA E SINTONIA COM AS DEMAIS PROVAS DOS AUTOS. DESTAQUE À VISÃO MINORITÁRIA DO MINISTRO RELATOR QUANTO À IMPOSSIBILIDADE DE A CONDENAÇÃO SE FUNDAMENTAR EXCLUSIVAMENTE NA PALAVRA DO POLICIAL. UNANIMIDADE, DE TODO MODO, QUANTO À NECESSIDADE DE ABSOLVIÇÃO DO RÉU. AGRAVO CONHECIDO PARA DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL, A FIM DE RESTAURAR A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. Os depoimentos judiciais dos agentes policiais que efetuaram a prisão do réu em flagrante apresentam inconsistências, detectadas pela sentença absolutória, que não foram adequadamente ponderadas no acórdão recorrido. 2. O testemunho prestado em juízo pelo policial deve ser valorado, assim como acontece com a prova testemunhal em geral, conforme critérios de coerência interna, coerência externa e sintonia com as demais provas dos autos, não atendidos na hipótese. Inteligência dos arts. 155 e 202 do CPP. 3. Ressalta-se a visão minoritária do Ministro Relator, acompanhada pelo Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, segundo a qual a palavra do agente policial quanto aos fatos que afirma ter testemunhado o acusado praticar não é suficiente para a demonstração de nenhum elemento do crime em uma sentença condenatória. É necessária, para tanto, sua corroboração mediante a apresentação de gravação dos mesmos fatos em áudio e vídeo. 4. Embora não tenha prevalecido no julgamento essa compreensão restritiva do Ministro Relator sobre a necessidade de corroboração audiovisual do testemunho policial, foi unânime a votação pela absolvição do réu, por insuficiência de provas, na forma do art. 386, V e VII, do CPP. 5. Agravo conhecido para dar provimento ao recurso especial, a fim de restaurar a sentença absolutória. (AREsp n. 1.936.393/RJ, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe de 8/11/2022, grifei.)
Somado a isso, no caso em análise, o suposto revólver não foi apreendido.
Conforme registrado pelas instâncias originárias, o réu foi submetido a perícia residuográfica e nele não foram constatados resíduos de pólvora – o que corrobora suas declarações, de que não estava armado. Esses aspectos das provas documentais reforçam a versão do acusado, de que os disparos de arma de fogo não partiram dele.
Nessa linha, sendo plenamente possível buscar elementos adicionais parar corroborar a acusação, o Parquet não se desincumbiu a contento de seu ônus probatório.
Assim, considero que há dúvida significativa sobre o emprego de violência pelo réu para se opor a execução de ato legal. Por essas razões, não constato fundamentos concretos, aptos a comprovar a autoria do delito do art. 329 do CP, motivo pelo qual deve a ordem ser concedida de ofício, para absolver o paciente, em observância ao princípio do in dubio pro reo, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal.
Apenas por cautela, explicito que, especificamente no caso dos autos, a conclusão pela absolvição do réu não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento vedado na via estreita do habeas corpus, de cognição sumária.
O caso em análise, diversamente, requer apenas a revaloração de fatos incontroversos – já referidos linhas atrás, os quais já estão delineados nos autos – e das provas que já foram devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória.
Depende, ademais, da definição, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada sobre os fundamentos apontados pelas instâncias de origem para condenar o réu pela prática do crime de tráfico de drogas, vis-à-vis os elementos (subjetivos e objetivos) do tipo penal respectivo.
Por fim, realizada detida análise e fundamentação sobre a ausência de comprovação de que o réu estava armado, pelos mesmos motivos afasto a majorante do art. 40, IV, da Lei n. 11.343/2006, da dosimetria do delito de tráfico de drogas.
II. Delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006
a) Pena-base A fixação da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e legais previstos, respectivamente, nos arts. 5º, XLVI, da Constituição Federal, 59 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal.
Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individualização da medida concreta para que, então, seja eleito o quantum de sanção a ser aplicada ao condenado criminalmente, com vistas à prevenção e à reprovação do delito perpetrado.
Para obter-se uma aplicação justa da lei penal, o julgador, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, há de atentar para as singularidades do caso concreto e deve, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas oito circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal.
No caso em análise, as instâncias originárias negativaram, na primeira fase da dosimetria, a circunstância judicial da natureza e quantidade dos entorpecentes e fixaram a pena-base em 1/6 acima do mínimo legal. Segundo o disposto no art. 42 da Lei n. 11.343/2006, "O Juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente".
No entanto, embora a natureza das substâncias apreendidas evidencie seu alto poder viciante, entendo que a quantidade não foi excessivamente elevada – 16 g de crack, 49 g de cocaína e 178 g de maconha –, de maneira que se mostra manifestamente desproporcional sopesar, no caso, apenas a sua natureza para justificar a exasperação. Assim, afasto a referida circunstância judicial.
b) Minorante do tráfico privilegiado
Para a aplicação da minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, é exigido, além da primariedade e dos bons antecedentes do acusado, que este não integre organização criminosa nem se dedique a atividades delituosas. Isso porque a razão de ser da causa especial de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 é justamente punir com menor rigor o pequeno traficante.
A propósito, confira-se o seguinte trecho de voto deste Superior Tribunal: "Como é cediço, o legislador, ao instituir o referido benefício legal, teve como objetivo conferir tratamento diferenciado aos pequenos e eventuais traficantes, não alcançando, assim, aqueles que fazem do tráfico de entorpecentes um meio de vida." (HC n. 437.178/SC, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, 5ª T., DJe 11/6/2019).
No caso, a Corte estadual, negou a aplicação da minorante descrita no § 4º do art. 33 da Lei de Drogas, pelas seguintes razões (fl. 70):
Não obstante, em que pese o esforço defensivo, inaplicável à hipótese a minorante prevista no § 4º, do artigo 33, da Lei Antidrogas, tal como monocraticamente sopesado. É que as circunstâncias reunidas indicam que, a par da primariedade, à época dos fatos, o réu dedicava-se às atividades criminosas. Ora, a apreensão de exacerbada quantidade de drogas (entre crack, cocaína e maconha), com naturezas diversas, de razoável quantia monetária, em notas trocadas e variadas, sem deslembrar a existência de armamento na posse do acusado, afinal, os militares foram recebidos a tiros pelo réu e demais traficantes que estavam naquele ponto de venda de entorpecentes, são razões suficientes a concluir que o apelante era pessoa dedicada às atividades criminosas (narcotraficância), desmerecendo, portanto, a minorante legal ou qualquer abrandamento punitivo.
Considero que a fundamentação apontada não é suficiente para justificar o afastamento do benefício, visto que não há comprovação de que esse paciente se dedicasse a atividades ilícitas de forma estável ou habitual.
Também não há registro nos autos de investigação preliminar ou campanas que indicassem o envolvimento do réu no comércio de entorpecentes, em mais de uma oportunidade, de modo que, considero que a acusação não se desincumbiu do ônus de comprovar que o paciente não faz jus à minorante.
Ademais, conforme debatido no tópico anterior, não foi provado no caso, que o acusado de fato estava armado e disparou contra os agentes públicos. Uma vez mais, ressalto que o fato de ele haver sido preso com droga de alto potencial lesivo, em pequena quantidade, não é suficiente para repercussão negativa em sua sanção.
Consequentemente, à ausência de fundamento suficiente para justificar o afastamento da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, deve a ordem ser concedida, a fim de aplicar, em favor do acusado, o referido benefício.
No que tange ao quantum de redução de pena, tanto a Quinta quanto a Sexta Turmas deste Superior Tribunal firmaram o entendimento de que, considerando que o legislador não estabeleceu especificamente os parâmetros para a escolha da fração de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, devem ser consideradas, para orientar o cálculo da minorante, as circunstâncias judiciais descritas no art. 59 do Código Penal, especialmente o disposto no art. 42 da Lei de Drogas.
Assim, tendo em vista que a quantidade de substâncias entorpecentes apreendidas não foi excessivamente elevada, julgo, dentro do livre convencimento motivado, ser adequada e suficiente a redução de pena no patamar máximo de 2/3.
Apenas ad cautelam, friso que, especificamente nestes autos, a conclusão pela possibilidade de aplicação da referida minorante não demanda o revolvimento de matéria fático-probatória, procedimento, de fato, vedado na via estreita do habeas corpus.
O caso em análise, diversamente, requer apenas a revaloração de fatos incontroversos que já estão delineados nos autos e das provas que já foram devidamente colhidas ao longo de toda a instrução probatória, bem como a discussão, meramente jurídica, acerca da interpretação a ser dada sobre os fundamentos apontados pela instância de origem para negar ao réu a incidência da causa especial de diminuição de pena constante do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006.
Em razão das modificações efetivadas anteriormente, deve ser realizada a nova dosimetria das penas.
III. Nova dosimetria
Na primeira fase, afastada a valoração negativa da quantidade de entorpecente, a reprimenda-base deve ser fixada em 5 anos de reclusão mais 500 dias-multa.
Na segunda etapa, rememoro a atenuante da menoridade relativa, que, em virtude da Súmula n. 231 do STJ, não altera a sanção intermediária. Na terceira fase, remanesce a majorante do art. 40, III, da Lei n. 11.343/2006, razão pela qual aumento a pena no patamar mínimo, em 1/6.
Reduzo a pena em 2/3, em decorrência da minorante descrita no § 4º do art. 33 da mesma lei e, por conseguinte, torno a sanção do paciente definitivamente estabelecida em 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão e pagamento de 200 dias-multa.
Como consectário da redução efetivada na pena do acusado, deve ser feito o ajuste no regime inicial do seu cumprimento.
Uma vez que ele foi condenado a reprimenda inferior a 4 anos de reclusão, era tecnicamente primário ao tempo do delito, apresentava bons antecedentes, teve a pena-base estabelecida no mínimo legal e foi beneficiado com a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006, deve ser definido o regime inicial aberto, nos termos do art. 33, § 2º, "c", e § 3º, do Código Penal.
Da mesma forma, entendo que a favorabilidade das circunstâncias mencionadas evidencia que a substituição da pena se mostra medida socialmente recomendável, de acordo com o art. 44, III, do Código Penal, de maneira que deve a ordem ser concedida também para determinar a substituição da reprimenda privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo juízo das execuções penais.
IV. Dispositivo
À vista do exposto, conheço do habeas corpus e concedo a ordem para: a) absolver o réu do delito disposto no art. 329 do CP, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal; b) afastar a valoração da circunstância judicial do art. 42 da Lei n. 11.343/2006 e a majorante do art. 40, IV, da mesma lei; c) aplicar a minorante do tráfico privilegiado; d) readequar a reprimenda imposta para 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, mais 200 dias-multa, em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direito. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor deste decisum às instâncias ordinárias, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.
Relator
ROGERIO SCHIETTI CRUZ
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