STJ Maio25 - Anpp Crimes Militares - Cabimento
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXXX PIMENTEL, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA MILITAR DE SÃO PAULO no julgamento do HC n. 0900151-83.2025.9.26.0000. Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática da conduta descrita no art. 308, § 1º, c/c o art. 53 e 70, "l”, todos do Código Penal Militar.
A denúncia foi recebida em 25/3/2025, ocasião em que o Juízo da 1ª Auditoria Militar Estadual indeferiu o pedido da defesa de realização do interrogatório do acusado no início da instrução para possibilitar o oferecimento de acordo de não persecução penal pelo Ministério Público (e-STJ fls. 23/25).
Irresignada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de origem cuja ordem foi denegada nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 27/28):
Ementa: Direito processual penal militar. Habeas corpus profilático. Acordo de não persecução penal. inaplicabilidade na justiça militar. princípio da especialidade. ordem denegada. I. Caso em exame 1. Habeas Corpus impetrado em favor de militar acusado da prática do crime de corrupção passiva, pleiteando a devolução dos autos ao Ministério Público para análise de viabilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), nos termos do art. 28-A do Código de Processo Penal comum. II. Questão em discussão 2. Examina-se a possibilidade jurídica da aplicação do instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no âmbito da Justiça Militar. III. Razões de decidir 3. O instituto do ANPP, previsto no art. 28-A do CPP comum, não é aplicável aos crimes militares devido ao princípio da especialidade, além do expresso silêncio eloquente do legislador, evidenciado pela não extensão dessa benesse à legislação processual penal militar. 4. Decisão de primeiro grau que indeferiu a devolução dos autos ao Ministério Público para análise da possibilidade de acordo encontra-se fundamentada em entendimento jurisprudencial sedimentado desta Corte Castrense. 5. Rechaçadas as alegações de violação aos princípios constitucionais da isonomia, legalidade, contraditório, ampla defesa e celeridade processual, sendo tais argumentos insuficientes para afastar a impossibilidade de aplicação do instituto na esfera penal militar. 6. Entendimento consolidado pela jurisprudência especializada, respaldado pela manifestação do Superior Tribunal Militar e decisões reiteradas desta Corte Castrense. IV. Dispositivo e tese 7. Ordem de habeas corpus denegada. Tese de julgamento: “Não se aplica o instituto do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) aos crimes militares, diante do princípio da especialidade e do silêncio eloquente do legislador.”
Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta a possibilidade de celebração de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) em relação a crimes militares, mediante aplicação subsidiária das disposições do Código de Processo Penal, por se tratar de caso omisso do Código de Processo Penal Militar.
Nesse sentido, argumenta que negativa de realização antecipada do interrogatório para viabilizar o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) violaria os princípios da proporcionalidade, razoabilidade e igualdade, enfatizando a inexistência de vedação legal expressa sobre a aplicação do ANPP na esfera militar .
Acrescenta que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do HC n. 232.254/PE, teria reconhecido a aplicabilidade do art. 28-A do Código de Processo Penal à Justiça Castrense, permitindo a propositura do ANPP, quando preenchidos os demais requisitos legais. Requer, assim, a concessão da ordem para que "seja determinada a devolução dos autos para o Ministério Público para oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal" (e-STJ fl. 8).
É o relatório. Decido.
Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício. Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria (AgRg no HC n. 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/6/2019, DJe 1º/7/2019; AgRg no HC n. 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 3/12/2018; AgRg no HC n. 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/4/2019, DJe 22/4/2019; AgRg no HC n. 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC n. 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).
Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n.45/2004 com status de princípio fundamental (AgRg no HC n. 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).
Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido (EDcl no AgRg no HC n. 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016).
Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica (AgRg no HC n. 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 13/8/2019).
Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade. Como é de conhecimento, a Lei n. 13.964/2019, de 24/12/2019, com vigência superveniente a partir de 23/1/2020, conhecida como “Pacote Anticrime”, inseriu no Código de Processo Penal o art. 28-A, que disciplina o instrumento de política criminal denominado Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), consistente em um negócio jurídico pré-processual entre o Ministério Público e o investigado, juntamente com seu defensor, como alternativa à propositura de ação penal, para certos crimes, mediante o cumprimento de algumas condições e desde que preenchidos os requisitos legais.
Assim, o membro do Ministério Público, ao se deparar com os autos de um inquérito policial, além de verificar a existência de indícios de autoria e materialidade, deverá analisar o preenchimento dos requisitos autorizadores da celebração do ANPP, os quais estão expressamente previstos no art. 28-A, do CPP: (i) confissão formal e circunstancial; (ii) infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos; e (iii) medida necessária e suficiente para reprovação e prevenção do crime. Sobre o tema, é cediço que este Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal Militar se posicionaram no sentido da impossibilidade de aplicação do instituto despenalizador do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), no âmbito da Justiça Castrense.
No ponto: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PEDIDO DE OFERECIMENTO DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. ANPP. CRIME MILITAR. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR. TESE DE IRRETROATIVIDADE. PRECEDENTES DESTE STJ. DENÚNCIA RECEBIDA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N. 13.964/19 (PACOTE ANTICRIME). SÚMULA 182/STJ. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. OFENSA NÃO CONFIGURADA. AGRAVO DESPROVIDO. [...] VIII - Não se olvide que o próprio Superior Tribunal Militar já se manifestou no sentido de não admitir a aplicação do ANPP em situações como a presente. In verbis: "O instituto do acordo de não persecução penal, previsto no art. 28-A do CPP, não se aplica aos crimes militares previstos na legislação penal militar, tendo em vista sua evidente incompatibilidade com a Lei Adjetiva castrense, opção que foi adotada pelo legislador ordinário, ao editar a Lei nº 13.964, de 2019, e propor a sua incidência tão somente em relação ao Código de Processo Penal comum" (STM, HC n. 7000374-06.2020.7.00.0000, Tribunal Pleno, Rel. Min. José Coêlho Ferreira, DJe de 14/9/2020). [...] (AgRg no HC n. 628.275/SP, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 6/3/2023, DJe de 14/3/2023.) Contudo, recentemente, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, na apreciação do HC n. 232.254/PE, sob a relatoria do Ministro Edson Facchin, firmou entendimento no sentido de que a interpretação sistemática do art. 28-A, § 2º, do CPP e do art. 3º, do CPPM autoriza a aplicabilidade do ANPP, em matéria penal militar, considerando, notadamente, que (i) não há vedação expressa na legislação quanto à sua incidência no processo penal militar, (ii) a legislação militar admite a aplicação subsidiária da legislação processual comum, e (iii) não há incompatibilidade do instituto com os princípios constitucionais aplicáveis à Justiça Militar. Vale conferir a ementa do referido julgado: HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. INCIDÊNCIA DO ART. 28-A DO CPP AO PROCESSO PENAL MILITAR. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 3° DO CPPM E ART. 28-A, §2º DO CPP. VEDAÇÃO EM ABSTRATO DA INCIDÊNCIA DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL À JUSTIÇA MILITAR. SÚMULA 18 DO STM. AFRONTA A LEGALIDADE ESTRITA. ART. 28,§2º DO CPP. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DE NORMA QUE LIMITA BENEFÍCIO PROCESSUAL-PENAL. ORDEM CONCEDIDA PARA POSSIBILITAR A PROPOSITURA DE ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL SE PREENCHIDOS OS REQUISITOS LEGAIS. 1. A interpretação sistemática dos art. 28-A, § 2º, do CPP e art. 3º do CPPM autoriza a aplicabilidade do Acordo de Não Persecução Penal no âmbito da Justiça Militar. 2. O art. 28-A, § 2°, do CPP comum nada opôs quanto a sua incidência no processo penal militar e, do mesmo modo, a legislação militar admite, em caso de omissão legislativa, a incidência direta da legislação processual comum (Art. 3º do CPPM). 3. A aplicação do art. 28-A do CPP à Justiça Castrense também coaduna-se com a jurisprudência desta Suprema Corte, que, em recentes julgados, compreendeu pela possibilidade de incidência da legislação comum a processos penais militares se verificada compatibilidade com princípios constitucionais. Precedentes. 4. Ausente proibição legal expressa, afronta a legalidade estrita vedar, em abstrato, a incidência do ANPP a toda gama de processos penais militares, como se denota do enunciado 18 da Súmula do STM (“Súmula 18 - O art. 28-A do Código de Processo Penal comum, que dispõe sobre o Acordo de Não Persecução Penal, não se aplica à Justiça Militar da União). 5. É certo que especificidades do caso concreto poderão, se devidamente justificadas, ensejar o não oferecimento do acordo ou mesmo sua não homologação pelo Poder Judiciário. 6. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a possibilidade de incidência do art. 28-A do CPP a processos penais militares e determinar que o Juízo a quo abra vista ao Ministério Público, a fim de oportunizar-lhe a propositura do Acordo de Não Persecução Penal, se entender preenchidos os requisitos legais. (HC 232254, Relator(a): EDSON FACHIN, Segunda Turma, julgado em 29-04-2024, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 07-05-2024 PUBLIC 08-05-2024)
Nessa senda, alinhando-me à compreensão firmada pelo STF, como bem ponderou o Ministro RIBEIRO DANTAS, no julgamento do HC n. 933.530/MG, DJe de 5/11/2024, concluo que "a aplicação do ANPP no âmbito da Justiça Militar encontra respaldo não apenas na interpretação sistemática da legislação processual, mas também em relevantes garantias constitucionais.O mecanismo consensual representa importante instrumento de política criminal que promove a resolução célere e eficaz dos conflitos penais, em harmonia com o mandamento constitucional da razoável duração do processo. Ademais, a disponibilização deste instituto aos jurisdicionados da Justiça Militar materializa o princípio da isonomia, evitando tratamento processual diferenciado sem justificativa constitucional adequada". No mesmo sentido, vale conferir as decisões monocráticas: HC n. 978.586/MG, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, DJEN de 10/2/2025 e HC n. 978.521/MG, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, DJEN de 10/2/2025.
Ressalto, por oportuno, que a possibilidade de aplicação subsidiária do instituto despenalizador do art. 28-A, do CPP, nos processos envolvendo matéria penal militar, não se confunde com a existência de direito subjetivo da parte ao benefício, sendo certo que as particularidades do caso concreto poderão, desde que de forma devidamente motivada, ensejar o não oferecimento do ANPP ou mesmo sua não homologação pelo Poder Judiciário, na forma do art. 28-A, § 7º, do CPP.
Na hipótese dos autos, o pedido defensivo de devolução dos autos ao órgão ministerial para análise da viabilidade de aplicação do ANPP foi indeferido pelas instâncias ordinárias sob o fundamento de que "esta Casa de Justiça sedimentou o entendimento de que não se aplica, no âmbito da Justiça Militar, o referido negócio jurídico processual" (e-STJ fl. 32), compreensão que não encontra amparo no atual entendimento desta Corte. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, contudo, concedo a ordem, de ofício, para determinar o retorno dos autos ao Juízo de primeiro grau, para que, afastada a inaplicabilidade do instituto do ANPP aos crimes militares, abra vista ao Ministério Público para que se manifeste, de forma fundamentada, sobre a possibilidade de propor acordo de não persecução penal. Comunique-se, com urgência. Publique-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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