STJ Maio25 - Detração do Tempo de Processo que Foi Absolvido :"segregação provisória ocorreu em data posterior ao delito ao qual o sentenciado cumpre pena"

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar impetrado em favor de VICTOR XXXXXXXem que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (Agravo de Execução Penal n. 0001888-52.2025.8.26.0026).

Consta dos autos que o juízo indeferiu o pedido de detração em que se pretendia a dedução do período em que o paciente esteve preso por outro processo, no qual foi absolvido (fl. 20).

Irresignada, a defesa interpôs agravo em execução perante o Tribunal de origem, o qual negou provimento ao recurso (fls. 10-17). No presente writ, os impetrantes alegam que "o mandado de prisão foi cumprido em data posterior aos fatos da presente execução. Isso porque, conforme se observa nos autos em questão, o mandado de prisão referente ao crime de roubo o qual o paciente foi absolvido, consta a data de 09/03/2022, de modo que a data dos fatos pelo qual o paciente responde atualmente, consta 28/09/2021" (fl. 4).

Por isso, requer, inclusive liminarmente, a concessão da ordem "a fim de conceder a detração da pena, referente ao período de 14/03/2022 a 17/07/2023" (fl. 9).

É o relatório.

O Superior Tribunal de Justiça entende ser inadmissível a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Sobre a questão, confiram-se os seguintes julgados desta Corte Superior:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. AGRAVO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo regimental interposto por Pablo da Silva contra decisão monocrática que não conheceu de habeas corpus, com base no entendimento de que o habeas corpus foi utilizado em substituição a revisão criminal. O agravante foi condenado a 1 ano de reclusão, com substituição da pena por restritiva de direitos, pela prática de furto (art. 155, caput, CP). A defesa pleiteou a conversão da pena restritiva de direitos em multa, alegando discriminação com base na condição financeira do paciente. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se é cabível o conhecimento do habeas corpus utilizado em substituição à revisão criminal; e (ii) estabelecer se a escolha da pena restritiva de direitos, em vez de multa, configura discriminação por condição financeira. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O habeas corpus não é admitido como substituto de revisão criminal, conforme a jurisprudência consolidada do STJ e do STF, ressalvados casos de flagrante ilegalidade. 4. Não houve demonstração de ilegalidade evidente na escolha da pena restritiva de direitos, sendo esta compatível com a natureza do crime e as condições pessoais do condenado. IV. DISPOSITIVO E TESE 5. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de revisão criminal, salvo em casos de flagrante ilegalidade. 2. A escolha de pena restritiva de direitos, em substituição à privativa de liberdade, não configura discriminação por condição financeira, desde que adequadamente fundamentada. Dispositivos relevantes citados: Código Penal, art. 155; STJ, AgRg no HC 861.867/SC; STF, HC 921.445/MS. (AgRg no HC n. 943.522/SC, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 22/10/2024, DJe de 4/11/2024.) PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE. ABSOLVIÇÃO IMPETRAÇÃO DE HABEAS CORPUS NA FLUÊNCIA DO PRAZO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSOS NA ORIGEM. IMPOSSIBILIDADE. 1. "O writ foi manejado antes do dies ad quem para a interposição da via de impugnação própria na causa principal, o recurso especial. Dessa forma, a impetração consubstancia inadequada substituição do recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça, não se podendo excluir a possibilidade de a matéria ser julgada por esta Corte na via de impugnação própria, a ser eventualmente interposta na causa principal" (AgRg no HC n. 895.954/DF, relator Ministro Otávio de Almeida Toledo - Desembargador Convocado do TJSP, Sexta Turma, julgado em 12/8/2024, DJe de 20/8/2024.) 2. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 939.599/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 23/10/2024, DJe de 28/10/2024.)

Portanto, não se pode conhecer do presente habeas corpus. Por outro lado, o exame dos autos indica a existência de ilegalidade flagrante, apta a autorizar a concessão da ordem de ofício.

O Tribunal de origem manteve a decisão do Juízo da execução penal, que indeferiu o pedido de detração, consignando, para tanto, que (fls. 12-17):

O recurso não comporta provimento. A detração é instituto de direito penal que assegura aos condenados a penas privativas de liberdade o direito de abater do quantum da pena imposta o período em que estiveram cautelarmente presos ao longo da persecução penal. Trata-se de medida prevista pelo legislador visando minimizar os impactos da duração do processo penal no tempo, assegurando, a um só tempo, o acautelamento da ordem pública e os direitos fundamentais titulados pelo réu que não foram afetados pela condenação criminal. E, nesta toada, a detração, por relacionar prisão processual com pena ao final imposta, tem o âmbito de incidência endoprocessual. É dizer: não se cogita o aproveitamento de tempo de prisão cautelar sem condenação veiculada nos mesmos autos, por ausência de fundamento legal específico. Não há, por assim dizer, "crédito" do condenado ao aproveitamento de prisão processual que lhe tenha sido imposta em persecução penal distinta daquela em que veiculada a sua condenação final. Essa regra, contudo, comporta temperamentos, cujo fundamento normativo se extrai do princípio da proporcionalidade, precipuamente. De fato, em situações excepcionais, os precedentes do Col. Superior Tribunal de Justiça autorizam a detração de pena com prisão preventiva veiculada em processo distinto. Nesse sentido: [...] No que tange à hipótese dos autos, consta do cálculo de fls. 10/11 que o sentenciado cumpre a pena de sete anos, nove meses e dez dias pela prática de roubo majorado, praticado em 28/09/2021 (autos de origem n. 1500931-56.2022.8.26.0066). Segundo a documentação de fls. 16/17, o agravante foi processado nos autos nº 1509570-97.2021.8.26.0066, por fato ocorrido em 22/09/2021, e permaneceu preso provisoriamente nestes autos entre 14/03/2022 e 26/01/2023 (318 dias). Na sequência, foi proferida a sentença absolutória em 17/07/2023. O trânsito em julgado ocorreu em 20/10/2023. No entanto, diversamente do que roga a defesa, constato, do cálculo juntado às fls. 10/11, que o agravante praticou o crime objeto da presente execução em data posterior (28/09/2021) ao dos autos de nº 1509570-97.2021.8.26.0066 do qual pretende o abatimento (22/09/2021), circunstância que impede a concessão da benesse almejada, nos termos do decisum do Col. Supremo Tribunal Federal: [...] Dessa forma, somente se revela possível a aplicação do art. 42 do Código Penal, conforme a interpretação dada pelas instâncias extraordinárias, quando a data do fato dos autos de execução seja anterior ao do processo em que houve a prisão cautelar com a consequente absolvição, o que não se constatou nos presentes autos.

Nesse contexto, verifica-se a existência de constrangimento ilegal apto a ensejar a concessão da ordem, uma vez que, de acordo com a jurisprudência desta Corte, é possível a detração do tempo de prisão ordenada em outro processo desde que essa prisão tenha se dado em momento posterior ao fato que ensejou a condenação que ora se executa e que o sentenciado tenha sido absolvido e é, justamente, o que ocorreu no presente caso.

No caso, a prisão decretada nos Autos n. 1509570-97.2021.8.26.0066 foi posterior à data do fato que ensejou a condenação que ora se executa, qual seja, 28/9/2021, e o sentenciado foi absolvido, fazendo, portanto, jus à almejada detração.

A propósito:

DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO PENAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS. RECURSO IMPROVIDO. I. Caso em exame 1. Agravo regimental interposto contra decisão que rejeitou embargos de declaração, mantendo o não conhecimento do recurso em habeas corpus. O agravante busca a detração de período de prisão preventiva cumprida em processo distinto, no qual a punibilidade foi extinta por indulto. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se é possível a detração penal do período de prisão preventiva cumprida em processo distinto, quando a punibilidade foi extinta por indulto. III. Razões de decidir 3. A jurisprudência consolidada admite a detração penal de prisão provisória em processo distinto apenas quando o agente tenha sido absolvido ou tenha sido declarada extinta a sua punibilidade por prescrição, e desde que a segregação provisória ocorra em data posterior ao delito ao qual o sentenciado cumpre pena. 4. No caso em análise, a extinção da punibilidade ocorreu por indulto, não configurando prisão indevida, uma vez que o réu teve sua culpabilidade reconhecida por sentença penal transitada em julgado. 5. Não se tratando de prisão indevida, resta obstada a pretensão de valer-se do instituto da detração. IV. Dispositivo e tese 6. Agravo regimental improvido. Tese de julgamento: "A extinção da punibilidade por indulto não configura prisão indevida, não permitindo a detração penal." Dispositivos relevantes citados: CP, art. 42; LEP, art. 111. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg no HC n. 862.527/PA, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/12/2023; STJ, AgRg no HC n. 772.973/SC, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/4/2023. (AgRg nos EDcl no RHC n. 205.261/PR, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 19/3/2025, DJEN de 26/3/2025, grifei.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. DETRAÇÃO PENAL ENTRE PROCESSOS DISTINTOS. DELITO PELO QUAL O SENTENCIADO CUMPRE PENA ANTERIOR AO TEMPO DE PRISÃO EM OUTRO PROCESSO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência deste Superior Tribunal admite a detração (art. 42 do CP) por custódia indevidamente cumprida em outro processo, desde que o crime em virtude do qual o condenado executa a pena a ser computada seja anterior ao período pleiteado. Busca-se, com isso, impedir uma espécie de crédito em desfavor do Estado, disponível para utilização no futuro. 2. O agravado, após a extinção de sua punibilidade por indulto, cumpriu indevidamente alguns dias de pena em período de tempo posterior à data do crime relacionado à condenação que pretende remir, daí ser possível a aplicação do art. 42 do CP entre os processos distintos. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 506.413/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/9/2019, DJe de 30/9/2019, grifei.) PENAL E EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. DETRAÇÃO DO TEMPO DE PRISÃO CAUTELAR. ARTS. 42 DO CP E 111 DA LEP. CRIME ANTERIOR AO PERÍODO PLEITEADO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior admite a detração do tempo de prisão processual ordenada em outro processo em que o sentenciado fora absolvido ou declarada a extinção de sua punibilidade, bem como na hipótese em que o tempo de custódia cautelar efetivado seja por crime anterior ao período pleiteado. 2. Hipótese em que a data do cometimento do crime de que se trata a execução é anterior ao período pleiteado, bem como em que houve posterior absolvição do paciente em relação ao delito, cujo período de custódia cautelar se busca a detração. 3. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para reconhecer a detração do período pleiteado (4/1/2009 a 9/11/2009), nos autos do Processo n. 0090612-90.2009.8.21.0039. (HC n. 299.060/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 24/5/2016, DJe de 3/6/2016, grifei.) EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. VIA INADEQUADA. DETRAÇÃO. ANTERIORES PRISÕES CAUTELARES EM PROCESSOS DISTINTOS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acompanhando a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, firmou-se no sentido de que o habeas corpus não pode ser utilizado como substituto de recurso próprio, sob pena de desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, exceto quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. É possível a detração do tempo de prisão processual ordenada em outro processo em que absolvido o sentenciado ou tenha sido declarada a extinção da sua punibilidade da pretensão punitiva, desde que a data do cometimento do crime de que trata a execução seja anterior ao período pleiteado. 3. Hipótese em que as vias ordinárias indeferiram o pedido de detração adotando o fundamento de que as segregações impostas foram anteriores à sanção corporal que ora cumpre e que as respectivas ações penais não resultaram em absolvição ou tiveram as pretensões punitivas extintas. 4. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 326.654/RS, relator o Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, julgado em 10/12/2015, DJe de 5/2/2016, grifei.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para conceder ao ora paciente a detração da pena do período compreendido entre 14/3/2022 e 26/1/2023. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de origem e ao Juízo da Vara das Execuções Penais. Publique-se. Intimem-se.

Relator

OG FERNANDES

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 999491 - SP (2025/0148486-6) RELATOR : MINISTRO OG FERNANDES, Publicação no DJEN/CNJ de 08/05/2025.)

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