STJ Maio25 - Dosimetria Irregular - Homicídio Qualificado - Vetorial da Personalidade Afastado : condenações criminais transitadas não utilizadas na reincidência, podem ser valoradas, na primeira fase, somente para antecedentes - não se admitindo para a personalidade ou a conduta social do agente"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de XXXXXXX CHAGAS no qual se aponta como autoridade coatora a 8ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação Criminal n. 0002328-39.2012.8.26.0338 e Revisão Criminal n.2244510-46.2024.8.26.0000).
Depreende-se dos autos que o paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 121, § 2º, inciso I, do Código Penal (CP), à pena de 18 (dezoito) anos de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado (e-STJ, fls. 188-190).
A defesa interpôs apelação perante o Tribunal de origem, que negou provimento ao recurso, mantendo-se a condenação e a reprimenda imposta nos termos da seguinte ementa (e-STJ fls. 211-221):
Apelação. Júri. Homicídio Qualificado (artigo 121, parágrafo 2º, inciso I, do Código Penal). Alegação de decisão manifestamente contrária à evidência dos autos. Não ocorrência. Decisão dos jurados em consonância com a prova dos autos. Soberania dos veredictos. Dosimetria. Pena-base fixada em estrita consonância com o disposto nos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal. Qualificadora bem reconhecida. Regime fechado mantido. Recurso não provido
Após, a defesa ajuizou revisão criminal, tendo o Tribunal de origem dado parcial provimento, aplicando-se a circunstância atenuante da menoridade relativa, reduzindo a pena em 1/6 (um sexto) e a fixando em 15 (quinze) anos de reclusão, em acórdão sem ementa (e-STJ fls. 30-53). Daí o presente writ, no qual a defesa sustenta: a violação ao art. 226 do Código de Processo Penal, ao argumento de nulidade do reconhecimento pessoal realizado; o reconhecimento de excesso na dosimetria da pena que fixou a pena base em 18 anos e deixou de reconhecer a primariedade e demais circunstâncias judiciais favoráveis, com a redução para o mínimo legal (e-STJ, fl. 3).
As informações foram prestadas (e-STJ fls. 303/304 e fls. 307/308), com posterior manifestação do Ministério Público Federal pelo não conhecimento do habeas corpus, em parecer assim a seguir ementado (e-STJ fls. 352/360):
PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. UTILIZAÇÃO INADEQUADA DO HC. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. NÃO CONHECIMENTO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. NULIDADE NÃO EVIDENCIADA. CONDENAÇÃO AMPARADA EM OUTROS ELEMENTOS DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE DE REVOLVIMENTO DE MATÉRIA PROBATÓRIA EM HABEAS CORPUS. DOSIMETRIA. PRIMEIRA FASE. PERSONALIDADE DO AGENTE E CONDUTA SOCIAL. CIRCUNSTÂNCIAS QUE EXTRAPOLAM AS ELEMENTOS DO TIPO PENAL. MAIOR RIGOR. POSSIBILIDADE. DECISÃO FUNDAMENTADA. MARGEM DE DISCRICIONARIEDADE JUDICIAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS E, CASO CONHECIDO, PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.
É o relatório. Decido.
O Superior Tribunal de Justiça, em consonância com sua consolidada jurisprudência, tem reiteradamente estabelecido diretrizes voltadas à racionalização do manejo do habeas corpus, com o objetivo de assegurar não apenas o regular desenvolvimento das ações penais e revisões criminais, mas, sobretudo, de preservar a função essencial do writ, qual seja, a de prevenir ou remediar lesão ou ameaça concreta ao direito de locomoção.
Saliento que, nesse sentido, "a Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal" (AgRg no HC n. 921.445/MS, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 03/09/2024, DJe de 06/09/2024).
A propósito
: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO TENTADO. INSURGÊNCIA CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. MANEJO DO WRIT COMO REVISÃO CRIMINAL. DESCABIMENTO. ILEGALIDADE FLAGRANTE NÃO DEMONSTRADA. REPRIMENDA INFERIOR A QUATRO ANOS. PENABASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. REGIME MAIS GRAVOSO. POSSIBILIDADE. GRAVIDADE CONCRETA DA CONDUTA EVIDENCIADA. REFORMATIO IN PEJUS. NÃO OCORRÊNCIA. EFEITO DEVOLUTIVO AMPLO DO RECURSO DE APELAÇÃO. BIS IN IDEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PETIÇÃO INICIAL LIMINARMENTE INDEFERIDA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Não deve ser conhecido o writ que se volta contra acórdão já transitada em julgado, manejado como substitutivo de revisão criminal, em hipótese na qual não houve inauguração da competência desta Corte. Precedentes da Quinta e Sexta Turmas do Superior Tribunal de Justiça. [...] 6. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 751.156/SP, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 9/8/2022, DJe de 18/8/2022) HABEAS CORPUS. ESTELIONATO. WRIT IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO TRANSITADO EM JULGADO. SUBSTITUTIVO DE REVISÃO CRIMINAL. NÃO INAUGURADA A COMPETÊNCIA DO STJ. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DE SITUAÇÕES PREVISTAS NO ART. 621 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PROVAS JUDICIALIZADAS. ABSOLVIÇÃO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE NA VIA ELEITA. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. DESCRIÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS. APRESENTAÇÃO DE VÁRIAS FOTOS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 226 DO CPP. OBSERVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL MANIFESTO. AUSÊNCIA. Petição inicial indeferida liminarmente. (HC n. 978.168, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 04/02/2025, DJe de 06/02/2025).
Conforme informado pelo Tribunal de origem, verifica-se que a condenação da paciente transitou em julgado em 09/01/2024. De igual forma, a revisão criminal que reconheceu a aplicação da circunstância atenuante da confissão, readequando a pena definitiva para 15 (quinze) anos de reclusão, transitou em julgado e foi arquivada em 24/10/2024, conforme informações obtidas no site do Tribunal de origem.
Na hipótese, é inviável o conhecimento do habeas corpus.
Contudo, constato a ocorrência de flagrante ilegalidade ensejadora da concessão de habeas corpus de ofício. Isso porque o sentenciante fixou a pena-base nos seguintes termos (e-STJ fls. 188/190):
"O réu ostenta personalidade voltada à prática de crimes violentos, tanto que, posteriormente, condenado pelos gravíssimos crimes de roubo e extorsão. […]"
A personalidade espelha o retrato psíquico do delinquente, compreendendo o conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa ou dados singulares de manifestação individual, que, embora possam ser semelhantes, não se repetem em outro indivíduo da mesma forma e com idêntica intensidade.
Nos moldes da melhor doutrina, "a personalidade como natureza concreta de sujeitos reais é um produto histórico em processo de constante formação, transformação e deformação, de modo que eventuais traços de caráter constituem cortes simplificados, imprecisos e transitórios da natureza humana, como produto biopsiquicossocial do conjunto de relações históricas concretas do indivíduo" (DOS SANTOS, Juarez Cirino. Direito penal: Parte Geral. 4. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 523).
De mais a mais, "a valoração negativa da personalidade não depende de laudo técnico firmado por profissional da área da saúde, apenas da análise da existência de dados concretos e suficientes pelo julgador, que demonstrem a maior periculosidade do agente" (AgRg no REsp n. 1.538.567/RN, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 20/9/2016, DJe 3/10/2016).
Por sua vez, a Terceira Seção desta Casa, no julgamento do EAREsp n. 1.311.636/MS, alterou sua jurisprudência, assinalando que "eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente" (AgRg no HC n. 500.419/DF, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 6/8/2019, DJe 15/8/2019).
Assim, a fundamentação utilizada para a valoração negativa da personalidade do agente é inidônea, pois não foi declinado sequer um único elemento concreto capaz de justificar tal conclusão, apoiando-se o maior desvalor da vetorial na mera citação de que a personalidade do réu é “voltada à prática de crimes violentos”.
Nesse mesmo sentido: HC n. 356.027/CE, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 6/10/2016, DJe 17/10/2016. Desse modo, deve ser afastada apenas a valoração negativa da personalidade, readequando-se a pena-base para 14 (quatorze) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Na segunda etapa da dosimetria, incide a circunstância atenuante da menoridade relativa (CP, art. 65, I), motivo pelo qual reduzo em 1/6 (um sexto), estabelecendo-a no mínimo legal de 12 (doze) anos de reclusão, em observância ao enunciado 231 da Súmula do STJ e Tema 190.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para redimensionar a pena do paciente para 12 (doze) anos de reclusão, nos termos acima delineados. Publique-se. Intimem-se.
Relator
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
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