STJ Maio25 - Estelionato Sentimental - Atipicidade - Absolvição - Ausência de Dolo Específico Anterior ao Empréstimo :"simples inadimplemento da dívida contraída entre conhecidos de longa data" - Resolução deve Ser na Área Cível
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de agravo interposto por ADBAR XXXXXXX contra a decisão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MATO GROSSO que não admitiu o recurso especial, em virtude da Súmula n. 7, STJ (fls. 929-935). Consta dos autos que o agravante foi condenado a 03 (três) anos e 40 (quarenta) dias de reclusão, e 32 (trinta e dois) dias- multa, pelos crimes do art. 171, § 4º, (por duas vezes), com os efeitos da Lei n. 11.340/2006 (fls. 773-778).
Inconformado, o agravante interpôs recurso especial para, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea "a", da Constituição Federal, alegar violação aos arts. 74 e 564, incisos I e V, e 619, do Código de Processo Penal; ao art. 5º, inciso III, da Lei n. 11.340/2006; e ao art. 171 do Código Penal. Requer, em síntese, o reconhecimento da incompetência do juízo em razão da matéria, bem como a absolvição, porquanto, na sua perspectiva, houve apenas ilícito de natureza civil (fls.898-914).
No presente agravo, a defesa sustenta que o objetivo do recurso especial era verificar se a fundamentação utilizada pelas instâncias ordinárias é idônea e suficiente para dar suporte à condenação, o que não configura reexame de fatos e provas, pois a discussão é eminentemente jurídica (fls. 939-946).
Em contrarrazões, o Ministério Público do Estado de Mato Grosso defende que o agravo não deve ser conhecido, nos termos da Súmula n. 182, STJ, e acrescenta que incidem também os óbices das Súmulas n. 83, STJ, e n. 284, STF (fls. 953-958).
Em parecer, o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento ou desprovimento do agravo (fls. 975-983).
É o relatório. DECIDO.
Em relação à incompetência do juízo, o agravante afirma que o Tribunal a quo teria se utilizado "de falsa premissa (...) ao afirmar que 'ficou comprovado que a vítima possuía um relacionamento extraconjugal com o denunciado', sem, todavia, indicar as provas que conduziram a essa conclusão". Nada obstante, a decisão recorrida indica que "o próprio réu confessa que teve um relacionamento amoroso com vítima na época da faculdade, no terceiro/quarto ano da faculdade, restando assim demonstrada a relação íntima de afeto que conviveu com a ofendida" (fl. 791).
Na mesma linha, destaco excerto da sentença (fl. 468): "Todavia, tais alegações não merecem prosperar, pois como ficou claramente comprovado pela prova testemunhal coligida aos autos, que (...) mantiveram relacionamento íntimo de afeto que perdurou por anos, e que somente não foi 'público', pois se tratava de um relacionamento extraconjugal mantido pelo acusado, que, mesmo após 3 (três) casamentos, mantinha encontros com a vítima no decorrer dos anos."
Logo, é mesmo inviável o revolvimento de fatos e provas para afastar as conclusões de que houve relacionamento íntimo entre o réu e a ofendida. Quanto à tese de que envolvimentos ocorridos em data longeva não poderiam ser utilizados para justificar a incidência da Lei Maria da Penha, observo que o
Tribunal a quo se alinhou ao Enunciado 1º do FONAVID, consoante fl. 791: "Para incidência da Lei Maria da Penha, não importa o período de relacionamento entre a mulher em situação de violência e a pessoa autora de violências, nem o tempo decorrido desde o seu rompimento, bastando que reste comprovado que a violência decorreu da relação de afeto."
O referido enunciado, por sua vez, está de acordo com os precedentes desta Corte Superior, a saber:
"PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ART. 217-A, §1º, C/C O ART. 61, INCISO II, ALÍNEA "F", AMBOS DO CÓDIGO PENAL. PRESUNÇÃO DE VULNERABILIDADE DA MULHER. RECONHECIMENTO DA COMPETÊNCIA DO JUIZADO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. INCIDÊNCIA DA LEI N. 11.340/2006. 1. 'O Superior Tribunal de Justiça entende ser presumida, pela Lei n. 11.340/2006, a hipossuficiência e a vulnerabilidade da mulher em contexto de violência doméstica e familiar. É desnecessária, portanto, a demonstração específica da subjugação feminina para que seja aplicado o sistema protetivo da Lei Maria da Penha, pois a organização social brasileira ainda é fundada em um sistema hierárquico de poder baseado no gênero, situação que o referido diploma legal busca coibir' (AgRg na MPUMP n. 6/DF, relatora Ministra Nancy Andrighi, Corte Especial, julgado em 18/5/2022, DJe de 20/5/2022). 2. A violência contra a mulher provém de um aspecto cultural do agente no sentido de subjugar e inferiorizar a mulher, de forma que, ainda que o envolvimento tenha se dado de modo efêmero entre vítima e ofensor, conforme asseverado pelas instâncias de origem, não é possível afastar a ocorrência de violência doméstica praticada contra mulher. 3. Dessa forma, no presente caso, consta que 'a exordial acusatória foi clara em narrar o envolvimento prévio de vítima e ofensor como pessoas que mantiveram relacionamento prévio ao fato narrado como crime. Ou seja, indicou o parquet que constatou violência de gênero nos elementos de informação advindos do caderno investigativo', razão pela qual se tem que o delito foi praticado dentro de um contexto de violência doméstica e familiar, ainda que de modo efêmero, conforme o contexto narrado no excerto acima colacionado. É dizer, a 'própria Lei n. 11.340/2006, ao criar mecanismos específicos para coibir e prevenir a violência doméstica praticada contra a mulher, buscando a igualdade substantiva entre os gêneros, fundou-se justamente na indiscutível desproporcionalidade física existente entre os gêneros, no histórico discriminatório e na cultura vigente. Ou seja, a fragilidade da mulher, sua hipossuficiência ou vulnerabilidade, na verdade, são os fundamentos que levaram o legislador a conferir proteção especial à mulher e por isso têm-se como presumidos' (AgRg no AREsp n. 1.439.546/RJ, Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, DJe 5/8/2019). 4. Nesse sentido também consignou o Parquet Federal, ao afirmar que 'o caso concreto evidencia estar configurada a opressão, o estado de vulnerabilidade da vítima e o desprezo à mulher, aptos a qualificar a violência de gênero. O fato de não haver relação duradoura de afeto não afasta a incidência da Lei 11.340' (e-STJ fl. 347). 5. Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp n. 2.093.541/PR, Sexta Turma, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, DJe de 15/8/2024) "AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. VIOLÊNCIA MORAL E PSICOLÓGICA. MOTIVAÇÃO DE GÊNERO. EXAME APROFUNDADO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA. NECESSIDADE. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Nos termos do art. 5.º, inciso III, da Lei n. 11.340/06, é irrelevante o lapso temporal decorrido desde a dissolução do matrimônio ou união estável para se firmar a competência dos Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo necessário apenas que a conduta delitiva imputada esteja vinculada à relação íntima de afeto mantida entre as partes. 2. As instâncias ordinárias esclareceram que, embora o relacionamento entre o Paciente e a Vítima tenha se encerrado, os fatos ensejadores das supostas agressões verbais decorrem da relação íntima de afeto anteriormente mantida, estando presente, ao menos em uma análise inicial, a motivação de gênero na violência moral/psicológica perpetrada e a tentativa de depreciação da Vítima em razão de sua condição de mulher. 3. O acolhimento da tese defensiva de falta de motivação de gênero no caso concreto, em sentido contrário ao decidido pela instâncias ordinárias, exigiria amplo reexame de fatos e provas, o que não é possível nos estreitos limites cognitivos do habeas corpus. 4. As medidas protetivas de urgência adotadas - proibição de aproximação e contato com a Vítima - possuem fundamentação idônea e são adequadas ao caso concreto, pois as instâncias ordinárias destacaram a sua necessidade para impedir o prosseguimento das práticas delitivas, em especial os atos de perturbação da tranquilidade contra a Vítima. 5. A apreciação da suposta desnecessidade das medidas protetivas de urgência que foram fixadas de maneira fundamentada pelas instâncias ordinárias demandaria reexame aprofundado do conjunto probatório, incabível na via estreita do habeas corpus. 6. Agravo regimental desprovido." (AgRg no HC n. 567.753/DF, Sexta Turma, Rel.ª Min.ª Laurita Vaz, DJe de 22/9/2020)
Por conseguinte, a incidência da Lei Maria da Penha deve ser mantida. Outrossim, ao contrário do afirmado pelo agravante, verifico que o Tribunal de origem indicou, de modo claro, o nexo entre o suposto estelionato e a relação íntima mantida pelas partes, conforme fls. 782-784:
"Inicialmente, depreende-se dos autos que o acusado aproveitando-se de situação de vulnerabilidade da vítima, por estar ciente da existência do sentimento amoroso que ela sentia, induziu-a em erro, e a fez transferir valores (supostos empréstimos), que seriam posteriormente devolvidos, todavia, não ocorreu. Logo, como se vê, o acusado obteve para si vantagem patrimonial. Na hipótese, como muito bem explanado pelo Promotor de Justiça em audiência, o caso se enquadra em estelionato sentimental, que embora não esteja capitulado no Código Penal do ordenamento jurídico brasileiro, já possui vasta e firme jurisprudência, senão vejamos: (...) Neste sentido, percebemos que a vantagem indevida é decorrente da relação de afeto e intimidade, com gravíssima violação da boa-fé objetiva. Outrossim, a defesa alega ausência de meio fraudulento, contudo, no Direito Penal, tal conceito significa um ato ardiloso, que engana, e que contem má-fé, tendo por objetivo lesar ou enganar alguém, gerando para si benefícios, o que ficou demonstrado in casu. Isso porque, na hipótese, o réu se utilizava da vulnerabilidade da vítima, sabendo do sentimento existente, enganando-a para conseguir obter vantagem financeira. Além disso, inobstante a alegada ausência de situação de erro, não restou comprovada nos autos, tendo em vista que a vítima acreditou que os valores transferidos seriam ressarcidos, já que o apelante prometeu quitá-los, entretanto, decorreram mais de 05 (cinco) anos sem qualquer adimplemento. Destaque-se que conforme atestado médico, a vítima foi diagnosticada com doença degenerativa e progressiva, com perda de memória e confusão mental, que se agravou no decorrer do tempo, todavia, na época, ainda não era interditada, conseguindo ainda realizar algumas atividades normalmente. Aliás, como muito bem mencionado pela defesa, na época dos fatos a vítima não possuía total incapacidade, tanto é que as transferências foram feitas pela mesma, a qual ainda era responsável por suas movimentações bancárias."
Logo, não há que se falar em violação aos arts. 74 e 564, incisos I e V, e 619, do Código de Processo Penal, e do art. 5º, inciso III, da Lei n. 11.340/2006. Por outro lado, assiste razão à defesa quando afirma que os fatos apurados não se subsomem ao art. 171 do Código Penal.
Nesse ponto, saliento que o deslinde da controvérsia pressupõe a mera revaloração da prova, o que se admite na via do recurso especial:
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CRIME AMBIENTAL. ARTS. 54, CAPUT, DA LEI N. 9.605/1998 E 68 DA LEI N. 9.605/1998. RESPONSABILIDADE PELO DANO AMBIENTAL EVIDENCIADA PELA PROVA DOS AUTOS. NÃO INCIDÊNCIA DO ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. ANÁLISE EMINENTEMENTE JURÍDICA DO CASO. DOSIMETRIA. INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Não incide o óbice da Súmula 7/STJ nas hipóteses em que a análise da questão suscitada no recurso especial demanda a mera revaloração jurídica da moldura fática já expressamente delineada no acórdão proferido pela Corte a quo, hipótese dos autos. 2. Agravo regimental desprovido." (AgRg no AREsp n. 2.519.417/BA, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 10/12/2024, DJEN de 16/12/2024.) "AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. REVALORAÇÃO DE FATOS. NÃO INCIDÊNCIA DA SÚMULA 126 DO STJ. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. NULIDADE PASSÍVEL DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O exame da controvérsia prescinde do reexame de provas, sendo suficiente a mera revaloração de fatos incontroversos, expressamente descritos na sentença e no acórdão recorrido inexistindo, portanto, contrariedade ao que dispõe o enunciado da Súmula 7 desta Corte. (...) 3. Agravo regimental não provido." (AgRg nos EDcl no AREsp n. 2.428.588/MT, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 23/4/2024, DJe de 25/4/2024.)
Passo, portanto, à análise do quadro fático estabelecido no acórdão recorrido. Segundo o Tribunal a quo, o crime de estelionato restou configurado pelos seguintes motivos (fls. 784-785):
"(...) em data de 30.08.2017 e 19.02.2018 foram feitas duas transferências ao acusado no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), já no dia 10/04/2018 foi transferido o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), e ainda a vítima emitiu um cheque a Adbar no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), valores que até a data de hoje não foram reembolsados. Corrobora-se, ainda no mesmo sentido, que ao entregar a nota promissória, criou-se para a vítima a falsa expectativa de que receberia os valores, mas tudo não passou de promessas realizadas pelo réu."
Da leitura do trecho colacionado, observo que houve o simples inadimplemento da dívida contraída entre conhecidos de longa data, não tendo sido apresentado qualquer elemento concreto que indique o dolo antecedente na conduta praticada.
Em face disso, não há que se falar em estelionato, porquanto o dolo específico de induzir a vítima a erro deveria estar configurado antes mesmo da prática da conduta fraudulenta.
A propósito: "PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. MANDAMUS SUBSTITUTIVO DO RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. 2. CRIME DE ESTELIONATO. ART. 171, § 2º, VI, DO CP. FRAUDE POR MEIO DE CHEQUE SEM FUNDOS. TÍTULO DADO EM GARANTIA. DESNATURAÇÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE DE CONFIGURAR O TIPO DO CAPUT. 3. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DÍVIDA PREEXISTENTE. CHEQUES DADOS EM GARANTIA. AUSÊNCIA DE PROVISÃO DE FUNDOS. INFORMAÇÃO DE CONHECIMENTO DA VÍTIMA. AUSÊNCIA DE FRAUDE OU ERRO. 4. ART. 171, § 2º, VI, DO CP. FRAUDE POR MEIO DE CHEQUE SEM FUNDOS. IMPRESCINDIBILIDADE DO DOLO ESPECÍFICO. SÚMULA 246/STF. 5. ART. 171, CAPUT, DO CP. FRAUDE COMO MEIO PARA OBTENÇÃO DA VANTAGEM. NÃO VERIFICAÇÃO. ANTERIOR INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. DÍVIDA PREEXISTENTE. 6. AUSÊNCIA DE FRAUDE OU ERRO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DESNECESSIDADE DO DIREITO PENAL. PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE. 7. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no sentido de ser inadmissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade. 2. 'Sedimentou-se na jurisprudência desta Corte Superior de Justiça o entendimento de que a emissão de cheques pós-datados pode caracterizar o crime previsto no artigo 171 do Código Penal quando restar comprovado que as cártulas não foram fornecidas como garantia de dívida, mas sim com o intuito de fraudar. Precedentes do STJ e do STF. (HC n. 336.306/MS, Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 2/2/2016)'. (RHC 76.364/CE, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2017, DJe 15/02/2018) 3. Na hipótese dos autos, os cheques foram entregues com o objetivo de garantir dívida preexistente, sendo do conhecimento da vítima que não possuíam provisão de fundos, uma vez que além de não terem sido entregues como forma de pagamento, o paciente a todo momento afirmava que ia resgatá-los após a transferência do valor devido. Portanto, não se verifica o uso de 'artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento' que tenha induzido ou mantido a vítima em erro. 4. No crime descrito no art. 171, § 2º, VI, do Código Penal, a fraude ocorre por meio do pagamento com cheque sem fundos, havendo o dolo específico do agente de induzir a vítima em erro, consistente na crença de o cheque será descontado, ou seja, de que o emitente possui saldo suficiente em conta, situação não retratada no presente processo. A propósito, transcrevo o verbete n. 246/STF: 'Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fundos'. 5. De igual sorte, também não se vislumbra, na hipótese dos autos, a utilização do cheque dado em garantia como fraude apta a configurar o tipo penal do caput. Com efeito, a vantagem indevida não foi obtida em virtude do cheque dado em garantia. Ao contrário, o cheque foi dado para garantir dívida já consolidada em virtude de anterior inadimplemento contratual. 6. Embora direito civil e penal tutelem o patrimônio, tem-se que apenas algumas condutas são tipificadas criminalmente pelo ordenamento jurídico, haja vista o caráter fragmentário do direito penal. Nessa linha de intelecção, à míngua da efetiva demonstração da fraude e do erro, a conduta do paciente se revela atípica, não autorizando, portanto, a intervenção do Direito Penal. 7. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para absolver o paciente por atipicidade da conduta." (HC n. 676.483/AP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 17/8/2021, DJe de 20/8/2021.) "(...) 2. Para o preenchimento da tipicidade penal do delito de estelionato não é suficiente a obtenção de vantagem indevida, ante a sustação dos cheques. É indispensável a presença do artifício, ardil, ou de qualquer outro meio fraudulento que tenha induzido ou mantido a vítima em erro. Igualmente, deve ser demonstrado em qual erro incidiu a vítima. A transmissão do imóvel a pessoa indicada pelo recorrente, antes do adimplemento do valor integral, não se reveste de qualquer fraude, pois todos estavam cientes dos atos que estavam sendo realizados e o fato de ter sido emitida contraordem para não pagamento dos cheques não pode ser considerado um engodo, pois trata-se de conduta expressamente prevista no caput do art. 35 da Lei nº 7.357/1985. (...) 4. Os elementos do tipo penal são eleitos com o objetivo de reprimir agressões intoleráveis a bens de maior importância, justificando- se, dessa forma, a intervenção do Direito Criminal - diretamente relacionado à restrição da liberdade. Assim, além de não estar preenchida a tipicidade, a conduta narrada não apresenta a especial gravidade que se exige para justificar o início da persecução penal. De fato, o inadimplemento poderia ter sido justificado e resolvido apenas na seara cível, ainda que verificado eventual abuso de direito, dando-se primazia, assim, aos princípios da intervenção mínima e da fragmentariedade. 5. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá provimento para trancar a ação penal nº 301.01.2011.000474-8." (RHC n. 37.029/SP, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 13/8/2013, DJe de 20/8/2013.) "HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO PELA PRÁTICA DE ESTELIONATO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. MATÉRIA CIRCUNSCRITA AO ÂMBITO CÍVEL. ORDEM CONCEDIDA PARA DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. 1 - Para a deflagração de ação penal em que se imputa a alguém a prática do delito de estelionato, devem a denúncia e os documentos do inquérito demonstrar os elementos normativos do artigo 171 do Código Penal, vindo acompanhada de suporte probatório mínimo a apontar a intenção do agente de induzir ou manter outra pessoa em erro, mediante o uso de algum meio fraudulento, de modo a obter o fim desejado, isto é, a vantagem ilícita, o que não ficou caracterizado na espécie, pois limitou-se a denúncia apenas à descrição do inadimplemento de negócio comercial, que não chega a configurar o crime de estelionato. 2 - Habeas corpus concedido para trancar a ação penal, ante a ausência de justa causa." (HC n. 43.574/PB, relator Ministro Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado do TJ/CE), Sexta Turma, julgado em 9/8/2011, DJe de 12/9/2011.) "PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. I - O trancamento de ação por falta de justa causa somente é viável desde que se comprove, inequivocamente, hipóteses, v.g., como a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. II - O mero inadimplemento contratual, consubstanciado no descumprimento de obrigação por parte de um dos contratantes, não caracteriza, por si, o crime de estelionato, por ausência do elemento subjetivo do tipo. Fato comprovado por declaração da vítima de que não viu na conduta do paciente, quando deixou de honrar com sua obrigação, nenhuma má-fé ou malícia. Writ concedido." (HC n. 20.637/SP, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/8/2002, DJ de 30/9/2002, p. 274.) "EMENTA: Habeas Corpus. 2. Crimes de estelionato e extorsão. 3. Pedido de trancamento da ação penal. 4. Denúncia inepta. Imputação genérica ou abstrata, impassível de comprovar a materialidade dos supostos delitos. 5. Em se tratando de crime de estelionato, o dolo de obtenção de vantagem, mediante indução ou manutenção da vítima em erro, deve ser inicial. O intento lesivo deve coexistir com o início da execução, não se caracterizando o delito do art. 171 do Código Penal quando, como no caso concreto, a teórica intenção lesiva tenha nascido a posteriori, na busca de proveito indevido antes não visado, situação que se caracterizaria como mero inadimplemento contratual. 6. Para que se perfaça o delito de extorsão, é indispensável o uso de violência ou grave ameaça por parte do agente, circunstâncias sequer aventadas na denúncia, não se podendo, de outro lado, tomar a teórica exigência de quantia em dinheiro, condicionando a entrega de cópia do contrato, como indicativo de vis compulsiva. 7. Condutas atípicas. 8. Ordem deferida para determinar o trancamento, em definitivo, da ação penal nº 001.2002.016375-5." (HC 87441, Relator(a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 16-12-2008, DJe-048 DIVULG 12-03-2009 PUBLIC 13-03-2009 EMENT VOL-02352-01 PP-00152 RT v. 98, n. 884, 2009, p. 469-478) "EMENTA: I - Intimação: Pauta de julgamento: irregularidade na intimação - inclusão do nome de co-réu do apelante, além do seu próprio - que não gerou prejuízo; nulidade inexistente. II. Processo nos Tribunais: relator: vinculação ao processo do juiz que, convocado para substituir membro do Tribunal, apôs o seu visto nos autos: nulidade inexistente do julgamento, não obstante realizado após cessado o período de convocação do substituto. III. Denúncia: a superveniência da sentença não gera preclusão da questão da inépcia da denúncia, se essa já foi anteriormente argüida pela defesa; caso, ademais, em que, é ocioso discutir sobre a preclusão, dado que a inépcia da denúncia - por atipicidade da imputação acolhida - contaminou o acórdão condenatório. IV. Estelionato: para a configuração do estelionato, a fraude empregada pelo agente há de ser antecedente e causal do erro ou persistência no erro do lesado e da conseqüente disposição patrimonial em favor do sujeito ativo ou de terceiro: logo, não cabe inferir o emprego de meio fraudulento e o erro do lesado da circunstância posterior de não lhe haver o agente prestado os serviços profissionais de advocacia contratados, nem do seu prejuízo, decorrente de transação com terceiro cessionário da cambial que emitira em pagamento do advogado. V. Deferimento do habeas corpus, dada a atipicidade do fato, não obstante os indícios da infração ético-profissional de captação de clientela, para apuração da qual se remete cópia dos autos à OAB." (RHC 80411, Relator(a): SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 21-11-2000, DJ 02-03-2001 PP-00018 EMENT VOL-02021-01 PP-00111) "RECURSO ESPECIAL. ESTELIONATO. FRAUDE NA ENTREGA DE COISA. IMPRESCINDIBILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Comete o crime descrito no art. 171, § 2°, IV, do CP aquele que, juridicamente obrigado a entregar coisa a alguém, adultera sua substância, qualidade ou quantidade dolosamente, de forma a obter vantagem ilícita. 2. A expressão defraudar pressupõe golpe ou farsa, mas o Tribunal a quo fez constar, tão somente, que o depositário fiel entregou para o arrematante bens diversos daqueles constantes do auto de penhora, sem descrever o elemento subjetivo do tipo penal, pois não reconheceu a utilização de artifício, ardil ou outro meio fraudulento para enganar a vítima e fazê-la receber produtos de qualidade inferior. 3. Sem indicação mínima de que o recorrente agiu com a vontade de iludir outrem para obter vantagem indevida, impõe-se sua absolvição, por constituir o fato narrado no acórdão mero ilícito civil. 4. Recurso especial provido para absolver o recorrente, com fulcro no art. 386, III, do CPP." (REsp n. 1.698.785/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 19/10/2017, DJe de 27/10/2017.)
Saliento, ainda, que a emissão da nota promissória, em momento posterior aos empréstimos, é incompatível com a narrativa de que o agravante jamais pretendeu honrar os compromissos assumidos.
Assim, houve apenas o inadimplemento de obrigação estabelecida entre as partes, de modo que o conflito deve ser solucionado na seara cível, em homenagem ao princípio da fragmentariedade do Direito Penal. Diante do exposto, nos termos do art. 253, parágrafo único, inciso II, alínea "c", do RISTJ, conheço do agravo para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, dou-lhe parcial provimento para absolver o agravante, com fundamento no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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