STJ Maio25 - Estupro de Vulnerável - Absolvição por Atipicidade - Pedido Imoral sem Ato Libidinoso

   Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de agravo contra a decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por C. DA S. S., com fundamento nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE (fls. 591-607).

Em suas razões recursais, a parte recorrente aponta violação dos arts. 33, § 2º, "b", e 226, II, do Código Penal. Aduz para tanto, em síntese, que: (I) não há prova suficiente para sustentar a condenação; (II) não existe fundamento idôneo para imposição do regime inicial fechado; (III) a causa de aumento capitulada no art. 226, II, do Código Penal, é posterior aos fatos em apuração, razão pela qual deve ser decotada; (IV) as condutas imputadas ao réu devem ser desclassificadas para o delito de importunação sexual; (V) os fatos relacionados à vítima M. L. DOS S. estariam prescritos. Com contrarrazões (fls. 655-670), o recurso especial foi inadmitido na origem (fls. 673-677), ao que se seguiu a interposição de agravo. Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 728-735).

É o relatório. Decido.

O agravo impugna adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecido. Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito.

Inicialmente, não pode ser conhecido o questionamento da parte recorrente quanto aos pedidos de absolvição e prescrição, pois o recurso, nestes pontos, não indicou especificamente quais seriam os dispositivos de lei federal afrontados pelo acórdão recorrido.

Tal circunstância configura deficiência na fundamentação recursal e atrai a incidência da Súmula 284/STF. Ressalte-se que o recurso especial é meio de impugnação de fundamentação vinculada, e por isso exige a indicação ostensiva dos textos normativos federais a que negou vigência o aresto impugnado.

Não basta, para tanto, a menção de passagem a leis federais, tampouco a exposição do tratamento jurídico da matéria que o recorrente entende correto, como se estivesse a redigir uma apelação. Para inaugurar a instância especial, é imprescindível que o recurso especial aponte, com precisão, quais dispositivos legais teriam sido violados pela Corte de origem, o que não foi feito no presente caso. O

tema é bem explicado no seguinte julgado:

"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INCLUSÃO DA ESPOSA NO POLO PASSIVO DECORRENTE DA AÇÃO DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA QUE OSTENTA NATUREZA REAL. ROL DE DISPOSITIVOS AFRONTADOS, SEM INDIVIDUALIZAÇÃO. SÚMULA Nº 284/STF. DECISÃO MANTIDA. 1. O recurso especial não é um menu onde a parte recorrente coloca à disposição do julgador diversos dispositivos legais para que esse escolha, a seu juízo, qual deles tenha sofrido violação. Compete à parte recorrente indicar de forma clara e precisa qual o dispositivo legal (artigo, parágrafo, inciso, alínea) que entende ter sofrido violação, sob pena de, não o fazendo, ver negado seguimento ao seu apelo extremo em virtude da incidência, por analogia, da Súmula 284/STF. 2. Agravo regimental a que se nega provimento". (AgRg no AREsp n. 583.401/RJ, relator Ministro Luís Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/3/2015, DJe de 25/3/2015.)

Não há prequestionamento do art. 226, II, do Código Penal, pois a matéria nele tratada não foi objeto de exame pelo acórdão recorrido. Tampouco foram opostos embargos de declaração para buscar o pronunciamento da Corte de origem sobre o tema. Destarte, a incidência das Súmulas 282 e 356/STF impede o conhecimento do recurso especial no ponto. Ressalte-se que, consoante o entendimento desta Corte Superior, mesmo as matérias de ordem pública exigem prequestionamento.

Nesse sentido: "PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECEPTAÇÃO. NECESSÁRIO DEMONSTRAR PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO QUE INADMITIU O RECURSO ESPECIAL. NULIDADE. IRRELEVÂNCIA. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. I - A ausência de impugnação dos fundamentos da decisão que não admitiu o recurso especial impõe o não conhecimento do agravo em recurso especial. II - In casu, parte agravante deixou de infirmar, de maneira adequada e suficiente, as razões apresentadas pelo eg. Tribunal de origem para negar trânsito ao recurso especial com relação à incidência das Súmulas 282356 e 284, todas do STF. III - 'A alegação de que seriam matérias de ordem pública ou traduziriam nulidade absoluta não constitui fórmula mágica que obrigaria as Cortes a se manifestar acerca de temas que não foram oportunamente arguidos ou em relação aos quais o recurso não preenche os pressupostos de admissibilidade' (AgRg no AREsp n. 982.366/SP, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 12/03/2018). Agravo regimental desprovido". (AgRg nos EDcl no AREsp n. 1.721.960/SC, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 20/10/2020, DJe de 12/11/2020.)

No que diz respeito à tese desclassificatória, o entendimento adotado pelo Tribunal de origem se alinha à diretriz desta Corte Superior de que "a prática de ato libidinoso com menor de 14 anos configura o crime de estupro de vulnerável (art. 217-A do CP), independentemente da ligeireza ou da superficialidade da conduta, não sendo possível a desclassificação para o delito de importunação sexual (art. 215-A do CP)" (REsp n. 1.954.997/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Terceira Seção, julgado em 8/6/2022, DJe de 1/7/2022).

A pretensão recursal de que as condutas praticadas contra a vítima M. L. DOS S. entre os 14 e 18 anos, sejam desclassificadas para o delito de importunação sexual não foi objeto de prequestionamento, o que atrai a incidência da Súmula 211/STJ.

No mais, não há que se falar em ausência de fundamento idôneo para imposição do regime inicial fechado. A pena definitiva do réu foi estabelecida em patamar superior a 8 anos de reclusão (fl. 597), o que é suficiente para tal finalidade, nos termos da previsão contida no art. 33, § 2º, "a", do Código Penal.

A propósito:

"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO. ABSOLVIÇÃO. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. PENA-BASE. EXASPERAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 62, INCISO II, DO CP E DA CAUSA DE AUMENTO PREVISTA NO ART. 40, INCISO I, DA LEI N. 11.343/06. INCIDÊNCIA DO BENEFÍCIO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. SÚMULA 7/STJ. PENA ACIMA DE 8 ANOS. REGIME FECHADO. PRISÃO PREVENTIVA. ACUSADO FORAGIDO. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O Tribunal a quo, em decisão devidamente motivada, entendeu que, do caderno instrutório, emergiram elementos suficientemente idôneos de prova, colhidos nas fases inquisitorial e judicial, aptos a manter a condenação do acusado pelo crime de tráfico. Assim, rever os fundamentos utilizados pela Corte de origem, para concluir pela absolvição, tendo em vista a ausência de prova para a condenação, como requer a defesa, importa revolvimento de matéria fático-probatória, vedado em recurso especial, segundo óbice da Súmula n. 7/STJ. 2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que a pena-base não pode ser fixada acima do mínimo legal com fundamento em elementos constitutivos do crime ou com base em referências vagas, genéricas, desprovidas de fundamentação objetiva para justificar a sua exasperação. 3. As circunstâncias do crime como circunstância judicial referem-se à maior ou menor gravidade do crime em razão do modus operandi. Constata-se, assim, a existência de fundamentação concreta e idônea, a qual efetivamente evidenciou aspectos mais reprováveis do modus operandi delitivo e que não se afiguram inerentes ao próprio tipo penal, a justificar a majoração da pena, uma vez que a colocação da droga sob a carga de milho dificulta sobremaneira a verificação e a fiscalização, o que demonstra uma reprovabilidade superior àquela ínsita ao tipo penal, a merecer uma maior resposta do Estado. 4. No crime de tráfico ilícito de entorpecentes, é indispensável atentar para o que disciplina o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, segundo o qual o juiz, na fixação das penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto, a personalidade e a conduta social do agente. Na hipótese em análise, a quantidade do entorpecente apreendido (mais de 5, 5 toneladas de maconha) justifica a majoração da pena-base, por extrapolar o tipo penal, devendo ser mantido tal fundamento. 5. A Corte de origem decidiu pela incidência da agravante prevista no art. 62, inciso II, do CP e da causa de aumento prevista no art. 40, inciso I, da Lei n. 11.343/06. Ora, rever tal conclusão, como requer a parte recorrente, no sentido de afastar as referidas agravante e causa de aumento, demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória dos autos, o que é inviável em sede de recurso especial, por força da incidência da Súmula 7/STJ. 6. Para aplicação da causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, o condenado deve preencher, cumulativamente, todos os requisitos legais, quais sejam, ser primário, de bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas, nem integrar organização criminosa, podendo a reprimenda ser reduzida de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), a depender das circunstâncias do caso concreto. 7. No presente caso, verifica-se que os fundamentos utilizados pela Corte de origem para não aplicar o referido redutor ao caso concreto estão em consonância com a jurisprudência deste Superior Tribunal, na medida em que dizem respeito à dedicação do agravante à atividade criminosa (tráfico de drogas), o que justifica o afastamento da redutora do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Assim, para se acolher a tese de que ele não se dedica a atividade criminosa, para fazer incidir o art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, como requer a parte recorrente, imprescindível o reexame das provas, procedimento sabidamente inviável na instância especial. Inafastável a incidência da Súmula n. 7/STJ. 8. Mantida a pena definitiva superior a 8 anos, é inviável o abrandamento do regime inicial de cumprimento de pena (regime fechado), nos termos dos artigos 33, § 2º, "a", e 59 do CP, inclusive por ter sido a pena-base fixada acima do mínimo legal, em razão das circunstâncias judiciais negativas. 9. Não se verifica ilegalidade ou deficiência na fundamentação para a manutenção da prisão preventiva, pois o Tribunal de origem asseverou que o envolvido se encontra foragido, com mandado de prisão pendente de cumprimento desde, no mínimo, outubro/2023, fundamento concreto para a manutenção da segregação cautelar, forte na asseguração da aplicação da lei penal. 10. Agravo regimental não provido". (AgRg no REsp n. 2.188.464/PR, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 26/3/2025.)

Todavia, a despeito do não provimento da pretensão recursal, observa-se, pela leitura da sentença e do acórdão, a ocorrência de flagrante ilegalidade, o que autoriza a concessão de ordem de habeas corpus de ofício.

No caso, não há adequação da conduta praticada pelo réu em face da vítima L. DOS S. com a figura capitulada no art. 217-A, do Código Penal. Afinal, não há na denúncia, ou mesmo na sentença, a descrição de nenhuma das elementares do crime, conforme se pode observar dos seguintes trechos (fls. 374-375; 600):

"De outra banda, a vítima L. DOS S. comunicou, à p. 357: [...] que C., quando estava sozinho com a informante ficava puxando assunto sobre a mesma está [sic] namorando; que uma certa vez C. pediu para morder a boca da informante no momento que entregou a filha nos braços desta; que a informante para se defender, pegou um pedaço de madeira; que C. imediatamente se retirou da casa dos pais da informante e falou: “espero que você não fique com raiva de mim por causa disso”. Da narrativa acima, depreende-se que L. DOS S. teria sido vítima do crime de estupro de vulnerável por parte do cunhado C. DA S. S.".

Embora reprovável a conduta descrita na denúncia - pedido do réu para morder a boca de L. DOS S. -, não é difícil notar a inexistência de qualquer ato executório do crime.

A exteriorização da vontade não implica necessariamente no início dos atos de execução. O que se tem, na verdade, é um pedido imoral, inapropriado e vergonhoso, mas que não alcança a figura descrita no art. 217-A, do Código Penal, tratando-se de conduta atípica.

Assim, de rigor a absolvição do réu em relação ao crime de estupro de vulnerável em face da vítima L. DOS S. Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, "a" e "b", do Regimento Interno do STJ, conheço do agravo para conhecer em parte do recurso especial e, nesta extensão, negar-lhe provimento. Todavia, concedo habeas corpus, de ofício, para absolver o réu da prática do crime de estupro de vulnerável em desfavor da vítima L. DOS S. Ficam mantidos os demais termos do acórdão. Publique-se. Intimem-se.

Relator

RIBEIRO DANTAS

(STJ - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2822147 - SE (2024/0470901-4) RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, Publicação no DJEN/CNJ de 13/05/2025)

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