STJ Maio25 - Execução Penal - Transferência de Presídio para Mulher Trans - Presídio Feminino - (ADPF) 527 do STF - artigo 7º da Resolução CNJ n. 348/2020
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de SAMANTHA XXXXXXXXXXX (civilmente registrada como XXXXXXXX ALMEIDA) contra acórdão proferido pela 1ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, no julgamento do Agravo em Execução Penal n. 732490-28.2024.8.07.0000.
Consta dos autos que a paciente foi condenada ao cumprimento de pena total de 38 anos e 7 meses de reclusão, atualmente em regime fechado. No curso da execução penal, foi requerida sua transferência para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal (PFDF), considerando sua autodeclaração como mulher trans, o que foi deferido inicialmente pelo Juízo da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal.
Posteriormente, com base em manifestação da própria paciente, foi autorizada sua transferência de volta para o presídio masculino. Em novo momento, a paciente reiterou sua autodeclaração como mulher trans e solicitou o retorno à ala de mulheres trans da PFDF, o que foi negado pelo Juízo da VEP/DF. Contra essa decisão, a defesa interpôs agravo em execução, ao qual o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios negou provimento (e-STJ fls. 16/39).
No presente mandamus, alega a defesa que a paciente vem se identificando reiteradamente como mulher trans, inclusive em diversos relatórios de atendimento psicossocial elaborados no curso da execução. Sustenta que os documentos constantes nos autos demonstram de forma inequívoca essa identidade de gênero, bem como a inexistência de disforia de gênero.
Menciona, ainda, que a mãe da paciente solicitou por diversas vezes sua transferência, por temer pela segurança da filha no presídio masculino.
Argumenta que, nos termos da Resolução n. 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça e da decisão proferida na ADPF n. 527/DF pelo Supremo Tribunal Federal, é garantido às pessoas trans o direito de optar pelo local de cumprimento da pena conforme sua identidade de gênero. Destaca que não há qualquer vedação legal à alteração dessa escolha, sendo essa uma faculdade da pessoa presa.
Aponta que a permanência da paciente em penitenciária masculina contraria o princípio da dignidade da pessoa humana. Cita precedentes deste Superior Tribunal de Justiça que reconheceram constrangimento ilegal em situações semelhantes, concedendo a ordem de ofício para assegurar a transferência de pessoas trans para presídios compatíveis com sua identidade de gênero.
Diante disso, requer a concessão da ordem, para que seja determinada a imediata transferência da paciente para estabelecimento prisional destinado ao gênero com o qual se identifica.
O Ministério Público Federal, no parecer de e-STJ fls. 1740/1749, opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório. Decido.
Em razão da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, o Superior Tribunal de Justiça passou a acompanhar a orientação do Supremo Tribunal Federal, no sentido de não ser admissível o emprego do writ como sucedâneo de recurso ou revisão criminal, a fim de não se desvirtuar a finalidade dessa garantia constitucional, preservando, assim, sua utilidade e eficácia, e garantindo a celeridade que o seu julgamento requer. Referido entendimento foi ratificado pela Terceira Seção, em 10/6/2020, no julgamento da Questão de Ordem no Habeas Corpus n. 535.063/SP.
Nessa linha de intelecção, como forma de racionalizar o emprego do writ e prestigiar o sistema recursal, não se admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio.
Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, tem se admitido o exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício. Na hipótese, consta que o Juízo da Vara da Execução penal, em 26/10/2023, havia concedido o pedido da defesa e determinado a imediata transferência da paciente para a Penitenciária Feminina do Distrito Federal - PFDF, com base na seguinte fundamentação (e-STJ fls. 545/546):
A questão atinente à alocação das presas trans do DF na Penitenciária Feminina do Distrito Federal foi decidida por mim aos 23/09/2020, nos autos da execução penal n. 0408431-77.2019.8.07.0015, no bojo da qual, ao rever meu entendimento anteriormente adotado, deixei de condicionar a transferência da mulher trans ao presídio feminino à realização da cirurgia de redesignação sexual, passando a privilegiar a Autodeclaração de Identidade de Gênero realizada de próprio punho pela sentenciada em atendimento orientado pela equipe de saúde prisional. Consignei naquela decisão a importância de se diferenciar a travesti e a mulher trans , e que tal diferença vai muito além do fato de ter ocorrido ou não cirurgia de redesignação sexual, uma vez que a distinção está relacionada com a própria identidade da pessoa, abrangendo, portanto, aspectos subjetivos muito mais complexos, motivos pelos quais a alocação daquelas se dá em presídio destinado ao gênero masculino, enquanto a destas deve ser feita em presídio destinado ao gênero feminino. Destarte, estendi os efeitos daquela decisão a todas as demais mulheres trans que ora estejam alocadas nos presídios masculinos administrados pela SEAPE, quais sejam, CDP I, CDP II, CIR, PDF I, PDF II e CPP. Incumbi aos Diretores de cada um dos presídios encaminhar as custodiadas alocadas em suas respectivas unidades que estejam identificadas como mulheres trans para atendimento perante os profissionais que integram a equipe de saúde prisional local para redação orientada da declaração de gênero e, somente após, providenciar o encaminhamento, via SEEU, para o respectivo processo de execução, da supramencionada declaração escrita por ela se identificando como tal e de sua manifestação solicitando a transferência para a PFDF. Quanto à custodiada proferi decisão determinando seu imediato encaminhamento para atendimento multiprofissional e, em cumprimento, a Direção da PDF I encaminhou o "Relatório de Atividade", juntado no mov.100.1, realizado por médico da equipe de saúde prisional local e "Autodeclaração de Identidade de Gênero", no mov. 100.2. Relatei. Decido. Em sua Autodeclaração de Identidade de Gênero, a apenada afirma que tem perfil feminino e se comporta como uma mulher cis. Assevera, ademais, que não se sente bem na penitenciária masculina. O conteúdo da referida declaração permite concluir que a custodiada é transgênero, pois sua identidade de gênero, sexo feminino, não corresponde ao seu sexo biológico, masculino, não havendo indícios de que não haja verossimilhança em suas declarações TODAVIA, SE POSTERIORMENTE À TRANSFERÊNCIA SURGIREM INDÍCIOS CONTRÁRIOS, OU SEJA, APTOS A REVELAR QUE NÃO HÁ VEROSSIMILHANÇA, ESTE JUÍZO DEVERÁ SER IMEDIATAMENTE COMUNICADO. Ante o exposto, DETERMINO a imediata transferência de SAMANTHA (registrada civilmente como RAFAEL BATISTA ALMEIDA) para a Penitenciaria Feminina do Distrito Federal - PFDF. Determino, ainda, que a Direção da PFDF garanta à custodiada os mesmos direitos (e também exija dela os mesmos deveres) garantidos às mulheres cis gênero e o mesmo acesso aos produtos a estas destinados tais como, a título de mero exemplo, shampoo e creme hidratante. Determino ainda que o tratamento conferido à custodiada respeite a sua identidade de gênero Remetam os autos ao estabelecimento prisional, a fim de que informe se o/a reeducando/a deseja que seu nome social seja incluído em todos os seus registros relacionados à sua prisão. Em caso positivo determino, desde já, à Serventia deste Juízo e ao estabelecimento prisional, que todos os registros relacionados à interna em quaisquer cadastros e sistemas do sistema prisional do DF, bem como perante este Juízo da VEP/DF, respeitem o nome social dela, em atenção ao disposto na Ordem de Serviço n. 345/2017, ao Decreto n. 37.982/2017 do Governo do Distrito Federal e ao Decreto n. 8.727/2016 do Governo Federal.
Como se vê, a medida foi determinada tendo em vista o desiderato de privilegiar a Autodeclaração de Identidade de Gênero realizada de próprio punho pela sentenciada em atendimento orientado pela equipe de saúde prisional.
Todavia, posteriormente, atendendo a pedido da defesa, a Juíza da Execução, em decisão datada de 19/1/2024, determinou o retorno da paciente para unidade prisional destinada ao público masculino (e-STJ fl. 589).
Ocorre que a defesa formulou novo pedido requerendo autorização para o retorno da paciente à Ala de Mulheres trans da PFDF, com fundamento na Identidade de Gênero, tendo o Juízo da Execução, em 04 de março de 2024, indeferido o pedido sob os seguintes fundamentos (e-STJ fl. 636):
Cuida-se de pedido formulado pela interna visando autorização ao seu retorno para a Ala de mulheres trans da PFDF, com fundamento na Identidade de Gênero (mov. 563). Contudo, consta nos autos que a própria apenada, em janeiro de 2024 (mov. 522.1 e 531), pleiteou a sua transferência da ala trans localizada na Penitenciária Feminina do DF para o presídio masculino, por não ter se adaptado àquela unidade prisional e por se identificar como homem cisgênero homoafetivo, o que restou autorizado por este Juízo em 19/01/2024, conforme decisão de mov. 534.1. Consta no SIAPEN que a interna foi transferida da ala da PFDF para o presídio trans masculino do DF no dia 24/01/2024. O fato é que, embora o sistema prisional do Distrito Federal tenha separado um espaço na Penitenciária Feminina do DF exclusivo para as presas trans com a finalidade de garantir a elas os mesmos , direitos das mulheres cisgênero, algumas presas trans não se adaptaram ao presídio feminino por diversos motivos. E, nesse sentido, ainda que a alocação em presídio masculino ou feminino seja uma faculdade da pessoa trans, nos termos da decisão proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso nos autos da ADPF 527/DF, e encampada por este Juízo no bojo da decisão proferida no Pedido de Providências n. 0406021-12.2020.8.07.0015, não é cabível a realização por inúmeras vezes da transferência da presa trans entre o presídio masculino e feminino, em desconformidade com os critérios previamente estabelecidos, podendo inclusive, afetar a estabilidade e a segurança das unidades prisionais. Pelo exposto, INDEFIRO, por ora, o pedido de mov. 563 c/c 564. Sem prejuízo, determino que a Direção do presídio encaminhe a custodiada para atendimento em saúde, por psicólogo(a) integrante da equipe de saúde prisional, e após avaliação seja encaminhada para tratamento extramuros ou seja tratada intramuros, conforme a hipótese para tratamento que lhe auxilie na definição de gênero Intimem.
Nota-se que o indeferimento da nova transferência se deu em razão de a magistrada considerar que não é cabível a realização por inúmeras vezes da transferência da presa trans entre o presídio masculino e feminino, em desconformidade com os critérios previamente estabelecidos, podendo inclusive, afetar a estabilidade e a segurança das unidades prisionais (e-STJ fl. 636).
Contra a acima referida decisão, conforme relatado, a defesa interpôs agravo em execução penal, tendo o Tribunal a quo, ao negar provimento ao recurso, considerado, no voto condutor do acórdão, em resumo, que "mostra-se escorreita a decisão que indeferiu o 3º pleito de alteração do estabelecimento prisional de cumprimento de pena formulado pela agravante, haja vista não ser cabível a realização, por inúmeras vezes, da transferência da presa trans entre o presídio masculino e feminino, em desconformidade com os critérios previamente estabelecidos, o que pode afetar a estabilidade e a segurança das unidades prisionais." (e-STJ fl. 37).
Da análise dos autos, verifica-se a presença de constrangimento ilegal, apto a justificar a concessão de habeas corpus de ofício.
Com efeito, o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, por meio do Relator originário do feito, concedeu medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, no sentido de “determinar que transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos.
Quanto às travestis e ante a divergência entre o pedido inicial e o pedido objeto de aditamento, concluí que ainda não estava clara qual seria a melhor providência a ser adotada, devendo-se, por isso, ampliar a instrução do feito a tal respeito.” Referida ação, posteriormente, foi julgada prejudicada ante a perda superveniente do objeto, tendo em vista alteração no panorama normativo da matéria, conforme acórdão cuja ementa segue abaixo transcrita:
DIREITO CONSTITUCIONAL. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EXECUÇÃO PENAL. DIREITO DAS PESSOAS TRANSEXUAIS E TRAVESTIS COM IDENTIDADE DE GÊNERO FEMININA DE OPÇÃO POR CUMPRIR PENA EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL FEMININO OU EM ALA RESERVADA DE ESTABELECIMENTO PRISIONAL MASCULINO. QUESTÃO DE ORDEM. RESOLUÇÃO CNJ N. 348, DE 2020, POSTERIORMENTE MODIFICADA PELA RESOLUÇÃO CNJ N. 366, DE 2021. SUBSTANCIAL ALTERAÇÃO DO PANORAMA NORMATIVO DESCRITO NA INICIAL. PERDA SUPERVENIENTE DE OBJETO. PREJUDICIALIDADE CONFIGURADA. 1. Questão de ordem apresentada no sentido da perda superveniente de objeto da arguição de descumprimento de preceito fundamental, tendo em vista a disciplina integral da matéria objeto da inicial por regramento posterior a seu ajuizamento. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde a ADI 709, Rel. Min. Moreira Alves, é no sentido da prejudicialidade da arguição de inconstitucionalidade, por perda superveniente de objeto, quando sobrevém revogação ou alteração substancial do panorama normativo questionado (ADI 1080, Relator Ministro Menezes Direito, Redatora p/ Acórdão Ministra Rosa Weber). 3. In casu, trata-se de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental voltada ao estabelecimento de parâmetros quanto ao local de cumprimento pena à luz da identificação de gênero das pessoas. 4. A medida cautelar foi concedida pelo Relator originário do feito, no sentido de “determinar que transexuais femininas fossem transferidas para presídios femininos. Quanto às travestis e ante a divergência entre o pedido inicial e o pedido objeto de aditamento, concluí que ainda não estava clara qual seria a melhor providência a ser adotada, devendo-se, por isso, ampliar a instrução do feito a tal respeito.” 5. Posteriormente ao deferimento da cautelar, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabeleceu, por meio da Resolução 348/2020, com as modificações levadas a efeito pela recente Resolução 366/2021, diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. 6. A inovação normativa, a partir das Resoluções, consubstanciou alteração substancial do panorama normativo questionado, disciplinando integralmente a matéria no âmbito das atribuições daquele órgão. 7. Consectariamente, o conhecimento da ação direta de inconstitucionalidade resta prejudicado, por perda superveniente de objeto. Precedentes: ADI 4.571-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; ADI 3.047-AgR, Rel. Min. Edson Fachin; ADI 1.588-AgR-QO, Rel. Min. Celso de Mello; ADI 1.922, Rel. Min. Joaquim Barbosa; ADI 1.882, Rel. Min. Gilmar Mendes; ADI 2.251-MC, Rel. Min. Sydney Sanches; ADI 1.874-AgR, Rel. Min. Maurício Corrêa; ADI 1.830-QO, Rel. Min. Moreira Alves, Plenário, DJ de 9/8/2002; ADI 1.892-QO, Rel. Min. Ilmar Galvão; e ADI 1.387-AgR, Rel. Min. Carlos Velloso; ADI 3871 AgR, Relator Ministro Luiz Fux. 8. Perda superveniente de objeto da ação direta de inconstitucionalidade, motivo pelo qual configurado o prejuízo (art. 21, IX, do RISTF) ensejador da extinção do processo sem resolução do mérito. (ADPF 527, Relator(a): LUÍS ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 15-08-2023, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 16-11-2023 PUBLIC 17-11-2023)
Conforme se depreende da ementa acima transcrita, merece ser destacado que a Resolução n. 366, de 20 de janeiro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), promoveu alteração no artigo 7º da Resolução CNJ n. 348/2020, cuja nova redação passou a vigorar nos seguintes termos:
Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada. § 1º A decisão que determinar o local de privação de liberdade será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa, nos termos do art. 8º, o qual poderá se dar em qualquer momento do processo penal ou execução da pena, assegurada, ainda, a possibilidade de alteração do local, em atenção aos objetivos previstos no art. 2º desta Resolução. § 1º - A. A possibilidade de manifestação da preferência quanto ao local de privação de liberdade e de sua alteração deverá ser informada expressamente à pessoa pertencente à população LGBTI no momento da autodeclaração. Já o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020 dispõe que: Art. 8º De modo a possibilitar a aplicação do artigo 7º, o magistrado deverá: I – esclarecer em linguagem acessível acerca da estrutura dos estabelecimentos prisionais disponíveis na respectiva localidade, da localização de unidades masculina e feminina, da existência de alas ou celas específicas para a população LGBTI, bem como dos reflexos dessa escolha na convivência e no exercício de direitos; II – indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio ger
E, nessa linha, vem decidindo esta Corte que "É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas.", e "Haja vista que a população carcerária transexual e travesti, por vezes é submetida a situações abusivas e discriminatórias, sofrendo violência física (estupros e espancamentos), bem como moral, em clara violação da lei e da Constituição da República, é manifestamente ilegal colocar a paciente (mulher trans) a cumprir pena em estabelecimento prisional destinado a homens, contrariamente a sua vontade." (HC n. 894.227/SP, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/9/2024, DJe de 20/9/2024.)
Nesse sentido, confira-se os seguintes precedentes deste Superior Tribunal de Justiça: DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PESSOA TRANSEXUAL (TRAVESTI). ESTABELECIMENTO PRISIONAL ADEQUADO. IDENTIDADE SEXUAL E DE GÊNERO. ESCOLHA DA PESSOA PRESA. MATÉRIA NÃO APRECIADA NA ORIGEM. MEDIDA QUE SE MOSTRA EXCEPCIONAL E URGENTE. DIREITO PREVISTO NA RESOLUÇÃO N. 348 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA E NA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA ADPF 527. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, por indevida supressão de instância, segundo orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, trata-se de matéria excepcional e urgente, sendo razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que justifique a concessão da ordem de ofício . 2. De acordo com com a Resolução 348 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 527, pessoas trans e travestis devem ser questionadas sobre a preferência de local para cumprimento de pena. 3. É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas. 4. Haja vista que a população carcerária transexual e travesti, por vezes é submetida a situações abusivas e discriminatórias, sofrendo violência física (estupros e espancamentos), bem como moral, em clara violação da lei e da Constituição da República, é manifestamente ilegal colocar a paciente (mulher trans) a cumprir pena em estabelecimento prisional destinado a homens, contrariamente a sua vontade. 5. Habeas corpus concedido, de ofício, para determinar ao Juízo da Execução a transferência imediata da paciente para estabelecimento prisional destinado a sexo com o qual se identifica, cessando o constrangimento ilegal a que esta? submetida. (HC n. 894.227/SP, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 17/9/2024, DJe de 20/9/2024.) HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. ESTABELECIMENTO PRISIONAL ADEQUADO. LIBERDADE SEXUAL E DE GÊNERO. DIVERSIDADE DE GÊNERO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE MATERIAL. PRESÍDIO FEMININO COM ESTRUTURA PARA RECEBER MULHER TRANSGÊNERO. ESCOLHA DA PESSOA PRESA. 1. A determinação do local do cumprimento da pena da pessoa transgênero não é um exercício de livre discricionariedade da julgadora ou do julgador, mas sim uma análise substancial das circunstâncias que tem por objeto resguardar a liberdade sexual e de gênero, a integridade física e a vida das pessoas transgênero presas, haja vista que o art. 7° da Resolução CNJ n. 348/2020 determina que a referida decisão "será proferida após questionamento da preferência da pessoa presa". Assim, o órgão estatal judicial responsável pelo acompanhamento da execução da pena não deve ter por objeto resguardar supostos constrangimentos das agentes carcerárias, pois, para isso, o Estado tem outros órgãos e outros instrumentos, que, inclusive, utilizam a força e a violência; e, por isso, é objetivo do Judiciário resguardar a vida e a integridade físicas das pessoas presas, respeitando a diversidade de gênero e a liberdade sexual. 2. O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, em razão da diversidade de gênero e da igualdade material, havia concedido medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, para que pessoas presas transexuais e travestis com identidade de gênero feminino possam escolher cumprir a pena em estabelecimentos prisionais femininos ou masculinos. Assim também determina o art. 8° da Resolução CNJ n. 348/2020. 3. É dever do Judiciário indagar à pessoa autodeclarada parte da população transexual acerca da preferência pela custódia em unidade feminina, masculina ou específica, se houver, e, na unidade escolhida, preferência pela detenção no convívio geral ou em alas ou celas específicas. 4. Habeas corpus concedido para, restabelecendo a primeira decisão do órgão judicial de primeira instância, determinar que seja expedido o alvará de soltura, e que seja mantida a prisão domiciliar da paciente. (HC n. 861.817/SC, relator Ministro JESUÍNO RISSATO (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 6/2/2024, DJe de 15/2/2024.)
Por fim, conforme asseverou a impetrante, consigne-se que "O fato de a paciente ter sido transferida para a PFDF uma única vez e não ter se adaptado não tem o condão de inviabilizar nova transferência" (e-STJ fl. 13), tendo em vista não haver vedação legal nesse sentido. Tenho, assim, que, no caso concreto, está configurada flagrante ilegalidade a justificar a concessão do writ de ofício. Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus. Todavia, concedo a ordem de ofício para determinar que o Juízo da Execução promova, de forma imediata, a nova indagação prevista no inciso II do artigo 8º da Resolução CNJ nº 348/2020, bem como realize, com urgência, a transferência da paciente para estabelecimento prisional compatível com o gênero com o qual se identifica, nos termos da disciplina legal acima delineada. Comunique-se a presente decisão, com urgência, ao Juízo singular das execuções e ao Tribunal coator. Intimem-se. Sem recurso, arquivem-se os autos.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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