STJ Maio25 - Lei de Drogas - Absolvição - Acórdão Baseado em Delação Não Confirmada em Provas - Provas Frágeis

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO Trata-se de agravo regimental interposto por WILSON SOARES XXXXXXXXXXXXXXX contra decisão, oriunda da Presidência desta Corte Superior, que indeferiu liminarmente o habeas corpus impetrado em seu favor.

Reitera a defesa, nas razões do agravo regimental, alegação de ausência de provas suficientes para a manutenção da condenação imposta ao paciente.

É o relatório.

Primeiramente, destaco que foram interpostos dois recursos de agravo regimental, pela defesa, contra a mesma decisão. Assim, conheço apenas da primeira irresignação, pois a segunda malfere o princípio da unirrecorribilidade, tendo sido interposta quando já alcançada a preclusão consumativa.

Com relação ao mérito, verifico assistir-lhe razão. Em primeiro grau, o paciente foi absolvido.

Não obstante, a Corte de origem deu provimento ao recurso de apelação do Parquet para condená-lo, como incurso no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, à pena de 7 anos, 9 meses e 10 dias de reclusão, no regime fechado. Após o trânsito em julgado da condenação, a defesa ajuizou pedido de revisão criminal, julgado procedente para reduzir a pena, ocasião em que se decidiu pela manutenção da condenação.

Confira-se (e-STJ fls. 16/20)

A autoria atribuída ao peticionário e à corré Jéssica também se revelou induvidosa, em função do que se apurou nos autos e foi minuciosamente analisado na sentença e em grau de apelação. Sempre que interrogado, o peticionário Wilson negou a autoria do crime pelo qual foi condenado, sustentando no inquérito policial que (...) Todavia, a pueril versão exculpatória do peticionário se revelou inverossímil e ficou isolada nos autos, tendo sido desmentida pelo restante do conjunto probatório. A corré Jessica afirmou no auto de prisão em flagrante que “Encontra-se residindo na cidade de Cardoso há cerca de seis meses. Antes, morava em Araraquara. Não possui antecedentes criminais, sequer faz parte de alguma organização criminosa. Não faz uso de nenhum tipo de drogas, sequer álcool. Há dois meses está paquerando o WILSON JUNIOR, que é conhecido por JUNINHO DA MARLENE. Por diversas vezes a declarante esteve com WILSON em uma pracinha que fica há cerca de dez metros da residência que estão dividindo o mesmo teto nesse período em que estão namorando. Em todas as vezes ele leva drogas para serem comercializadas naquela praça, sendo que parte fica dentro de seu bolso e o restante ele esconde em pontos estratégicos da praça que a declarante não tem conhecimento. Apesar de visualizar tal prática por parte do namorado, nunca participou da venda de drogas, tampouco recebimento de dinheiro provindo do tráfico que ele pratica. Ele não trabalha e a declarante é quem paga o aluguel e demais contas da casa. Na data de hoje, durante a noite, novamente foram para aquela praça, no entanto, a declarante não viu WILSON levando drogas, mesmo porque ele não a deixa ver porque não compactua com tal conduta. Estavam sentados, quando inesperadamente ele se aproximou e pediu insistentemente para que a declarante escondesse uns pequenos pinos com pó branco dentro e uma quantia em dinheiro. Segundo ele, era porque estava assustado com policiais militares. Assim que colocou os objetos no bolso, foram abordados. Ao ser questionada, a declarante retirou rapidamente do bolso e entregou aos policiais aquilo que WILSON a mandou guardar, desconhecendo o que de fato seria. Não confirmou aos policiais que poderia ser droga do namorado porque ficou temerosa de sofrer retaliações por parte dele. Quando estava sendo conduzida, acabou confidenciando todo o ocorrido. Quer deixar claro que nunca vendeu drogas a mando de WILSON, tampouco sabe sobre suas atividades ilegais. Acredita que ele deixa as drogas em outros locais que não na sua casa”. Em Juízo, por ter deixado de comunicar a sua mudança de endereço, não foi interrogada e acabou tendo sua revelia decretada (fls. 8 e 242 do processo-crime e registro digital). Nos aspectos relevantes, o policial militar Ricardo esclareceu em Juízo, como consta de seu depoimento, transcrito na sentença, “que recebeu uma denúncia via 190 dando conta de que o réu estava traficando em uma praça e que a droga ficava com a amásia dele de nome Jéssica. No local, Jéssica foi abordada e esvaziou os bolsos, havendo a localização de 3 pinos, além de R$ 250,00 em espécie. Jéssica foi conduzida até a Central de Flagrantes e, no trajeto, disse que a droga não lhe pertencia e sim ao seu companheiro Wilson e se destinava ao comércio. Wilson é conhecido dos meios policiais pela prática de tráfico de drogas, mas no dia nada de ilícito com ele foi encontrado. Jéssica não é conhecida dos meios policiais” (fls. 10 e 278 do processo-crime e registro digital). Por seu turno, o policial militar Raul relatou em Juízo “que recebeu uma denúncia dando conta de que uma mulher estaria fazendo tráfico na praça. No local, havia cinco ou seis indivíduos. Jessica, de imediato, retirou 3 pinos de eppendorf aparentando ser cocaína. Contudo, a denúncia dizia que a droga seria de Wilson e que Jessica apenas segurava a droga para este. Wilson disse que a droga não lhe pertencia. Jessica disse que a droga era do réu e que ela segurava o entorpecente para a polícia não suspeitar, o que foi confirmado na fase policial. Relatou que o réu é conhecido dos meios policiais por tráfico de drogas. A denúncia indicava que Wilson estava traficando, sendo que a droga permaneceria com Jessica. Não presenciou a prática de atos de venda. Wilson não foi conduzido à Delegacia, pois com ele nada foi localizado” como consta de seu depoimento, transcrito na sentença (fls. 11, 278/279 do processo- crime e registro digital). No caso vertente, inexiste motivo para se repudiar a firme e segura palavra dos policiais inquiridos, pois nada de concreto se demonstrou que pudesse tisnar de parcialidade o depoimento deles, prestado sob o compromisso legal, não sendo crível fossem levianamente imputar um crime de tal gravidade a inocentes, sem motivo plausível para tanto, ainda mais desnecessariamente se valendo de certa quantidade de entorpecentes, pois nenhum proveito isso lhe traria. A propósito, cabe lembrar prevalecer a presunção de que os agentes públicos agem no cumprimento do dever e nos limites da legalidade, merecendo prestígio a palavra deles quando, como no caso, noticiam em Juízo suas atividades no combate e repressão à criminalidade, nenhuma prova se tendo feito da alegada arbitrariedade e injusta incriminação por parte dos policiais responsáveis pela diligência, de modo que essa prova, que ainda encontrou apoio na narrativa da corré na fase inquisitiva, era suficiente para justificar o acolhimento da acusação.

A leitura do excerto acima transcrito revela que não foram indicadas provas suficientes para a imposição de condenação ao agravante como incurso no art. 33 da Lei n. 11.343/2006, conforme passo a demonstrar.

Não custa enfatizar que o Processo Penal brasileiro, em atenção ao que dispõe a Constituição Federal, possui nítido caráter democrático e deve ser aplicado sempre tendo como norte a efetivação dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, para a imposição de uma condenação criminal, faz-se necessário que seja prolatada uma sentença, após regular instrução probatória, na qual haja a indicação expressa de provas suficientes acerca da comprovação da autoria e da materialidade do delito, nos termos do art. 155 do CPP.

Insta salientar, ainda, que a avaliação do acervo probatório deve ser orientada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a sua absolvição, visto que sobre a acusação recai o inafastável ônus de provar o que fora veiculado na denúncia.

Isso, porque decorre de referido princípio a regra probatória consubstanciada no in dubio pro reo, que cabe ser aqui invocada, pois, a meu juízo, não foi comprovada a prática pelo agravante do crime de tráfico de entorpecentes.

Vê-se que o único elemento utilizado para justificar a condenação foi o depoimento prestado em juízo pelos policiais que efetuaram a prisão em flagrante, após terem sido acionados por denúncia anônima.

Vale consignar, a propósito, que "a apreensão da droga, após denúncia anônima, por si só, não indica a realização do tipo inserto no art. 33 da referida lei..." (AgRg no AREsp n. 2.316.213/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, julgado em 23/5/2023, DJe de 26/5/2023.)

Ademais, ainda que a palavra dos agentes policiais, como regra, autorize a imposição do decreto condenatório, nota-se que, no caso em exame, as declarações não permitem concluir que o acusado tenha praticado o delito que lhe foi imputado na denúncia, notadamente por não ter sido encontrada em seu poder substância entorpecente, apenas com a corré (2g – dois gramas – de cocaína).

O que se tem, portanto, é a sua abordagem, pelos policiais, sem que estivesse portando droga. Necessário, neste caso, que houvesse prévia investigação sobre a suspeita que recaía sobre ele de que poderia estar realizando atos de traficância, o que não ocorreu.

Neste ponto, irretocável a sentença absolutória (e-STJ fl. 63):

Dessa forma, após regular instrução probatória, em que pese a localização de considerável quantia em dinheiro sem procedência declarada e a informação pretérita acerca da prática do tráfico de drogas por parte do réu Wilson, verifica-se que não há elementos suficientes acerca do efetivo destino do entorpecente. De fato, quando os acusados foram abordados pelos policiais, estes não esclareceram de forma convincente qual seria o destino da droga, tampouco explicaram a procedência da quantia localizada. Contudo, à míngua de outros elementos, tão somente com base na informação prestada pela polícia de que havia denúncia anônima no sentido de que os acusados estariam traficando, não se mostra possível o estabelecimento de liame no que tange à ilicitude do dinheiro, observando-se que os policiais não visualizaram nenhuma prática do comércio. Outrossim, a quantidade de droga localizada não era expressiva e não houve a apreensão de objetos que inequivocamente demonstrassem o fracionamento e acondicionamento do entorpecente para a venda, anotações do tráfico ou outros objetos indicativos da apontada atividade. Assim, embora relevante o informe por parte dos policiais militares e apesar da vida pregressa do réu WILSON (recentemente condenado pelo delito de tráfico de drogas - proc. 0000117-67.2017.8.26.0560 fls. 261/262), a situação demonstrada não dá conta de que os acusados traziam consigo o entorpecente para a entrega ao consumo de terceiros. Nestes termos, imperiosa a desclassificação para o delito de porte de entorpecente para uso pessoal.

Vale registrar que, ao ser inquirido, o paciente negou a prática delitiva. Ademais, a delação da corré, realizada em solo policial, não foi corroborada em juízo, circunstância que a fragiliza, não podendo ser utilizada como suporte probatório para a condenação.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ABSOLVIÇÃO. FALTA DE PROVAS. CONDENAÇÃO AMPARADA APENAS EM DELAÇÃO DO CORRÉU NO INQUÉRITO POLICIAL, NÃO CONFIRMADA EM JUÍZO. INSUFICIÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Sexta Turma desta Corte Superior de Justiça, por ocasião do julgamento do HC n. 598.886/SC (Rel. Ministro Rogerio Schietti), realizado em 27/10/2020, conferiu nova interpretação ao art. 226 do CPP, a fim de superar o entendimento, até então vigente, de que o referido artigo constituiria "mera recomendação" e, como tal, não ensejaria nulidade da prova eventual descumprimento dos requisitos formais ali previstos. 2. No caso dos autos, a defesa alegou na impetração que o reconhecimento pessoal foi realizado em desacordo com o procedimento previsto no art. 226 do CPP e que o ato não foi confirmado em juízo. A Corte estadual, embora haja admitido a não observância do art. 226 do CPP, afirmou que não era necessário cumprir esse procedimento porque o corréu havia afirmado conhecer o paciente, o que tornava a situação diversa. 3. De fato, este Superior Tribunal tem o entendimento de não é necessário seguir o rito formal de reconhecimento quando se trata de identificação nominal de pessoa conhecida, e não de apontamento de estranho com base apenas na fisionomia memorizada (por exemplo: AgRg no HC n. 760.617/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 21/12/2022). 4. Todavia, essa circunstância, não basta para manter a condenação no caso dos autos. Primeiro, porque, em juízo, o corréu negou qualquer relação com o ora paciente e afirmou haver sido pressionado pelos policiais na delegacia. Segundo, porque não foi produzida nenhuma prova judicializada da autoria delitiva, em violação do art. 155 do CPP, uma vez que a condenação do ora paciente baseou-se somente na delação que o corréu havia feito em desfavor dele no inquérito policial (não repetida em juízo). E, terceiro, porque o corréu não tem o dever de dizer a verdade, de modo que seu depoimento, por si só, sobretudo quando nem sequer confirmado em juízo, é demasiado frágil para superar o standard probatório necessário para embasar uma condenação criminal. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 840.442/BA, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 16/10/2024, DJe de 23/10/2024.) Portanto, esse cenário probatório, devidamente delineado nos atos decisórios ora impugnados, não permite concluir que o paciente deva ser condenado nos moldes da acusação formulada. Neste sentido: PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ART. 33 DA LEI N. 11.343/2006. RESTABELECIMENTO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CONDENAÇÃO AMPARADA EM ELEMENTOS FRÁGEIS E INSUFICIENTES. REVISÃO. POSSIBILIDADE. NON LIQUET. APLICAÇÃO DA REGRA DO IN DUBIO PRO REO. 1. Embora o habeas corpus seja uma via que não admite dilação probatória, é possível aferir a legitimidade da condenação imposta a partir do exame da fundamentação contida no ato decisório. 2. Para a imposição de uma condenação criminal, faz-se necessário que seja prolatada uma sentença, após regular instrução probatória, na qual haja a indicação expressa de provas suficientes acerca da comprovação da autoria e da materialidade do delito, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal. 3. Insta salientar, ainda, que a avaliação do acervo probatório deve ser balizada pelo princípio do favor rei. Ou seja, remanescendo dúvida sobre a responsabilidade penal do acusado, imperiosa será a sua absolvição, tendo em vista que sobre a acusação recai o inafastável ônus de provar o que foi veiculado na denúncia. 4. No caso, necessário o restabelecimento da sentença absolutória, uma vez que o acórdão que a reformou não justificou a condenação do agravado em provas suficientes, revelando-se frágil o acervo produzido, insuficiente para a configuração da prática do crime de tráfico de entorpecentes. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 792.716/SP, de minha relatoria, Sexta Turma, julgado em 17/4/2023, DJe de 19/4/2023.)

Ante o exposto, reconsidero a decisão de e-STJ fls. 87/90 e concedo a ordem para absolver o paciente, nos termos da sentença. Publique-se. Intimem-se.

Relator

ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

(STJ - AgRg no HABEAS CORPUS Nº 996788 - SP (2025/0135040-0) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 16/05/2025)

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