STJ Maio25 - Relatório do COAF - quebra de sigilo ilegal - Crimes da Lei de Drogas e Lavagem - Relatório Solicitado Pela Autoridade Policial - Ilegalidade Curtir Comentar

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com fundamento no art. 105, II, "a", da Constituição Federal, interposto por J.M.R contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina no Habeas Corpus nº 5030440-11.2024.8.24.0000.

O acórdão recorrido está assim ementado:

"HABEAS CORPUS. INVESTIGAÇÃO POLICIAL. APURAÇÃO CONCORRENTE DOS DELITOS DE TRÁFICO DE ENTORPECENTES, LAVAGEM DE CAPITAIS E ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. INVESTIGAÇÃO QUE ALCANÇA O PACIENTE A PARTIR DE INFORMAÇÕES FISCAIS, OBTIDAS PELA AUTORIDADE POLICIAL, A PARTIR DO RELATÓRIO DE INTELIGÊNCIA FINANCEIRO DE TERCEIRO, TAMBÉM INVESTIGADO, ONDE SE APUROU A REALIZAÇÃO DE TRANSAÇÕES FINANCEIRAS COM O SUSPEITO SEM COMPROVAÇÃO DA ORIGEM. DEDUÇÃO DE ILEGALIDADE, POR SE TRATAR DE INFORMAÇÕES APURADADAS A PARTIR DE DADOS FISCAIS DE TERCEIRO SEM O APONTAMENTO, PELO COAF, DE TRATAREM-SE DE OPERAÇÕES SUSPEITAS. IMPROPRIEDADE. REQUISIÇÃO QUE OBSERVA O TEMA 990/STF E QUE SE INSERE NOS PODERES DE INVESTIGAÇÃO DAQUELA AUTORIDADE. DEDUÇÃO DE AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA À INVESTIGAÇÃO DO PACIENTE, PORQUE SE PARTE DE INFORMAÇÃO FISCAL DE TERCEIRO. IMPERTINÊNCIA. AUSÊNCIA DE QUALQUER IRREGULARIDADE, NA MEDIDA QUE HÁ, INCLUSIVE, SUPERVISÃO JUDICIAL SOB OS MAIS DIVERSOS ATOS DA OPERAÇÃO E, AFINAL, NÃO HÁ ESCLARECIMENTO SOBRE A ORIGEM DAS OPERAÇÕES REALIZADAS COM O TERCEIRO SUSPEITO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA DECISÃO, POR AUSÊNCIA DE IDENTIFICAÇÃO, NO DECRETO, DOS DADOS DO PACIENTE E DOS ELEMENTOS QUE ENSEJAM A MEDIDA. ARGUMENTO DESCOLADO DAS RAZÕES DA DECISÃO, QUE SE APANHA DAS CONCLUSÕES DO INQUÉRITO, ONDE SE APONTAM OS POSSÍVEIS VÍNCULOS E AS OPERAÇÕES TRAVADAS EM TESE EM TORNO DO NEGÓCIO ILÍCITO. ORDEM DENEGADA" (fl. 184).

Em síntese, o recorrente é alvo de investigação que apura suposto esquema de lavagem de dinheiro relacionado a tráfico de entorpecentes, tendo sido decretada a quebra do sigilo de seus dados financeiros e fiscais pelo Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Blumenau/SC.

Segundo consta dos autos, a autoridade policial alcançou o recorrente por meio do levantamento de informações fiscais de E.S.A, investigado que estava ligado a C. A. da S., principal suspeito de tráfico de entorpecentes. Durante buscas no imóvel em que residiam E. e sua companheira, foram apreendidos R$ 71.901,00 e um veículo, supostamente incompatíveis com a renda do casal. Na análise do RIF (Relatório de Inteligência Financeira) referente a Eduardo, verificou-se que este havia realizado transações financeiras com o recorrente, constando no relatório policial que "Eduardo recebeu R$ 19.000,00 e enviou R$ 36.520,00 a J.M.R.".

Nas razões do presente recurso, o recorrente aponta as seguintes ilegalidades:

1) obtenção de informações financeiras aprofundadas em RIF, sem autorização judicial e sem terem sido classificadas como suspeitas pela UIF; 2) falta de justa causa para o deferimento da quebra do sigilo de dados financeiros e fiscais do recorrente; 3) falta de fundamentação concreta para a quebra do sigilo bancário e fiscal do recorrente.

Sustenta que o COAF não poderia ter compartilhado informações que não foram previamente classificadas como suspeitas, e que a mera transação financeira com outra pessoa investigada não poderia fundamentar a quebra de sigilo.

Alega, ainda, que a decisão que determinou a quebra de seu sigilo bancário e fiscal não foi devidamente fundamentada, pois seu nome sequer foi citado na fundamentação, aparecendo apenas no dispositivo. Postulou, ao final, a procedência do recurso constitucional.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 226-238).

É o relatório. DECIDO.

O recurso merece conhecimento, uma vez que satisfeitos os requisitos de admissibilidade, e, no mérito, deve ser provido. Inicialmente, observo que, conforme comunicação recebida do Juízo de origem (fls. 241-248), houve a revogação da prisão preventiva do recorrente, conforme decisão proferida em 17/07/2024, a pedido do Ministério Público, que alegou "a necessidade de produzir outros elementos de informação" e o "inevitável excesso de prazo para oferecimento de denúncia".

Tal fato, contudo, não prejudica a análise das questões ora suscitadas, que dizem respeito à validade das provas colhidas e da investigação em curso.

A jurisprudência desta Sexta Turma consolidou entendimento no sentido da inadmissibilidade da solicitação direta de Relatórios de Inteligência Financeira pela autoridade policial ao COAF sem prévia autorização judicial. Conforme expressamente consignado no HC 943710/SC, "o atual entendimento desta Sexta Turma - que leva em consideração, inclusive, a evolução do tema perante a Suprema Corte - não admite a solicitação direta de Relatório de Inteligência Financeira sem autorização judicial".

Este posicionamento foi reafirmado no RHC 203.578/SP, no qual se reconheceu que:

o Relatório de Inteligência Financeira foi produzido a partir de solicitação direta da autoridade policial, sem autorização judicial, o que está em desacordo com a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, firmada após ampla análise do acórdão proferido no julgamento do RE n. 1.055.941/SP (Tema 990)".

Importante destacar que a tese fixada pelo STF no Tema 990 da Repercussão Geral versa sobre compartilhamento espontâneo de informações pela UIF/COAF com órgãos de persecução, e não sobre requisição direta feita pelas autoridades policiais, que configura hipótese jurídica distinta e demanda controle jurisdicional prévio.

No caso em análise, as informações financeiras do recorrente foram obtidas mediante solicitação direta da autoridade policial ao COAF, sem o necessário crivo judicial. Esta circunstância, por si só, contamina toda a linha investigativa subsequente que tenha como base tais elementos, por configurar clara violação ao sigilo constitucionalmente protegido.

Nos termos do art. 157, §1º, do Código de Processo Penal:

"são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras".

No presente caso, verifica-se nexo causal evidente entre o RIF obtido ilicitamente e a posterior quebra de sigilo, inexistindo fonte independente que pudesse conduzir às mesmas informações. Portanto, reconhecida a ilicitude do RIF obtido por requisição direta da autoridade policial e considerando que este serviu como fundamento exclusivo para a inclusão do recorrente na investigação e subsequente quebra de seu sigilo bancário e fiscal, impõe-se o desentranhamento de tais elementos dos autos, bem como de todas as provas deles derivadas.

Nesta égide, caberá ao Juízo de primeiro grau identificar tais elementos, procedendo a seu desentranhamento, e analisar se persiste a justa causa para o trâmite da investigação. Ante o exposto, concedo a ordem para reconhecer a ilicitude da solicitação direta dos Relatórios de Inteligência Financeira pela autoridade policial ao COAF, bem como dos elementos deles derivados, cabendo ao Juízo de primeiro grau identificá-los, procedendo ao seu desentranhamento, além de analisar se persiste a justa causa para o trâmite da investigação na sua ausência. Publique-se.‎‎ ‎‎Intimem-se.

Relator

OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 203425 - SC (2024/0322935-1) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 28/05/2025.)

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