STJ Maio25 - Revogação de Prisão Preventiva - Desacato e Porte de Arma - Desproporcionalidade e Excesso de Prazo - Réu Primário - Condições Pessoais Favoráveis
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de GABRIEL XXXXXXXS, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Colhe-se dos autos que o paciente teve a prisão em flagrante convertida em preventiva pela suposta prática dos delitos tipificados no art. 16, § 1º, IV, da Lei n. 10.826/03 e no art. 330 do Código Penal.
Neste writ, o impetrante sustenta que: a) há excesso de prazo na prisão do paciente; b) não estão presentes os requisitos legais autorizadores da prisão preventiva. Pleiteia a revogação da custódia preventiva imposta ao paciente, ainda que mediante a aplicação de medidas cautelares diversas.
É o relatório.
Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
In casu, a prisão preventiva do paciente foi decretada pelos seguintes fundamentos:
"Consta dos autos que guardas municipais estavam em patrulhamento quando receberam informações via central que dois indivíduos trafegavam em uma motocicleta sem placa pelo local dos fatos. Diante disso os agentes passaram a empreender diligências e encontraram os autuados em uma motocicleta, que seguia no contrafluxo. Foi dada ordem de parada, mas os requeridos empreenderam fuga. Durante a perseguição acabaram caindo da motocicleta e foram abordados. Na cintura do custodiado Gabriel os agentes encontraram um revólver Taurus, calibre .38. Com o condutor, o requerido Matheus, não encontraram nada de ilícito. Em buscas na motocicleta, os guardas encontraram uma placa de identificação veicular sob o banco, pertencente a outra moto. Indagados informalmente, os custodiados informaram que estavam a procura de uma vítima para roubarem. Os requeridos foram conduzidos à delegacia e quando interrogados, Matheus disse que desconhecia a arma. Por outro lado, Gabriel informou que Matheus foi até sua casa e lhe entregou a arma, sendo que depois foram para um baile funk e, enquanto retornavam, foram abordados. Pois bem. [...] Após analisar os fatos de forma técnica, abstrata e, principalmente, de forma concreta e real, sob a ótica Constitucional e legal, a única medida aplicável é a prisão preventiva. Por primeiro, além de os crimes em tese praticados possuírem penas superiores a quatro anos (art. 313, inciso I, do CPP), estão presentes os requisitos da prisão preventiva (art. 312, in fine, do CPP), encerrados na prova da materialidade e nos indícios suficientes de autoria. [...] No particular, a prisão preventiva dos autuados se revela necessária para a garantia à ordem pública, vez que o crime de porte de arma de fogo é fato gravíssimo e provoca grande perturbação de ordem pública. Além disso, as circunstâncias do caso demonstram que possivelmente os requeridos praticaram crime de adulteração de sinal identificador de veículo e estavam em atos preparatórios para a prática de roubo qualificado, fatos que tornam suas condutas mais graves. Assim, inegável que a ordem pública corre grave risco. [...] Deveras, 'Não é ilegal o encarceramento provisório que se funda em dados concretos a indicar a necessidade da medida cautelar, especialmente em elementos extraídos da conduta perpetrada pelo acusado, demonstrando a necessidade da prisão para garantia da ordem pública' (STJ/RHC n. 41.516/SC, Relatora a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 20/11/2013). Portanto, presentes se encontram os fundamentos da custódia de exceção, pois, além de resguardar a ordem pública, imprime celeridade ao processo, permitindo rápida formação da culpa, preservando a boa instrução processual e futura aplicação da Lei Penal. [...] Anote-se que, embora os requeridos sejam tecnicamente primários, 'condições pessoais favoráveis, tais como primariedade, bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de, por si sós, desconstituírem a custódia antecipada, caso estejam presentes outros requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida extrema' (HC 138.733/GO, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 05/11/2009, D Je 30/11/2009). Além disso, o fato de possuírem filhos menores não tem o condão, por si só, de lhes conferir a liberdade, já que, se fossem os efetivos responsáveis pelos cuidados dos filhos, não haveria como sair para baile funk durante a noite e retornar somente no outro dia. Em verdade, isso evidencia que não são os reais responsáveis pelos respectivos filhos. É inequívoco, portanto, que a soltura dos autuados somente colocará a sociedade em grave risco. A prisão preventiva dos autuados também é conveniente para a instrução criminal e aplicação da lei penal, tendo em vista que podem fugir do distrito da culpa. Sendo assim, presentes se encontram os requisitos da prisão cautelar como forma de se garantir da ordem pública, conveniência da instrução criminal e aplicação da lei penal. Por tudo isso, CONVERTO o flagrante em PRISÃO PREVENTIVA, nos termos do art. 310, II, c. c. art. 312, caput, ambos do CPP. Expeçam-se mandados de prisão contra MATHEUS GERALDES DE LIMA e GABRIEL DE JESUS SANTOS, qualificados nos autos." (e-STJ, fls. 54-56)
In casu, considero flagrantemente ilegal - e, porque não dizer, desproporcional - a manutenção em cárcere do paciente que, absolutamente primário, foi denunciado pela suposta prática dos delitos de porte ilegal de arma de fogo e desacato, delitos praticados sem violência ou grave ameaça.
Assim, não há justificativa razoável para sua prisão preventiva, dadas suas condições pessoais absolutamente favoráveis. Nesse contexto, a orientação desta Corte é pacífica no sentido de que lhe deve ser concedido o direito de responder ao processo em liberdade. Sobre o tema, os seguintes precedentes:
"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE ROUBO SIMPLES. CÁRCERE PREVENTIVO. ART. 312 DO CPP. PERICULUM LIBERTATIS. MEDIDA DESPROPORCIONAL. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA DE CAUTELARES DIVERSAS. ORDEM CONCEDIDA. 1. A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, da natureza abstrata do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP). Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP). 2. Deve, ainda, ficar concretamente evidenciado, na forma do art. 282, § 6º, do CPP, que, presentes as justificativas que autorizam a custódia provisória, não é suficiente e adequada a sua substituição por outra(s) medida(s) cautelar(es) menos invasivas à liberdade. 3. Não obstante a presença de motivos que facultam a constrição preventiva - notadamente a prática da grave ameaça, mediante suposto instrumento perfurocortante, em via pública, ao meio-dia, em meio à pandemia -, reveladores da necessidade de algum acautelamento da ordem pública, não se mostram tais razões bastantes, em juízo de proporcionalidade, para manter o réu sob o rigor da cautela pessoal mais extremada. 4. Os meros fatores de viver em situação de rua e não possuir atividade laboral remunerada, de acordo com a orientação desta Corte Superior, não são capazes, por si sós, de arrimar idoneamente a cautelar mais extremada - sobretudo porque as circunstâncias do crime, in casu, não ultrapassam aquela própria para o cometimento de delito desta natureza, a infração não envolveu arma de fogo, e o paciente é primário. 5. À luz do princípio da proporcionalidade, do necessário enfrentamento da emergência atual de saúde pública, das novas alternativas fornecidas pela Lei n. 12.403/2011 e das alterações ao Código de Processo Penal determinadas pela intitulada "Lei Anticrime" (Lei n. 13.964/2019), há razoabilidade na opção, pela autoridade judiciária, por uma ou mais das providências indicadas no art. 319 do CPP como meio bastante e cabível para obter o mesmo resultado - a proteção do bem jurídico sob ameaça - de forma menos gravosa. 6. Ordem concedida, para revogar a segregação preventiva do paciente, sob o compromisso de comparecimento aos atos processuais e fornecimento de local preciso onde possa ser intimado, além da satisfação das providências cautelares que o Juiz natural da causa julgou cabíveis e adequadas, após a concessão do pleito urgente - caso não esteja o réu preso por outro motivo, sem prejuízo do restabelecimento da cautela mais gravosa, caso violadas as medidas alternativas ou se sobrevier situação que configure a exigência." (HC 580.715/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 23/06/2020, DJe 01/07/2020) "PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ROUBO SIMPLES TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. RECURSO PROVIDO. 1. A prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, desde que presentes prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria. 2. No caso, apesar da afirmação do decreto preventiva de que o recorrente possui anterior passagem, quando menor, pela prática de ato infracional equiparado ao delito de tráfico de drogas, entendo que é flagrantemente desproporcional a manutenção em cárcere de indivíduo tecnicamente primário que muito provavelmente será beneficiado com a fixação de regime prisional diverso do fechado, já que a ele é imputada a conduta de roubo simples tentado (art. 157, caput, c/c o art. 14, II, do Código Penal). 3. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para revogar a prisão preventiva do recorrente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau." (RHC 115.031/RS, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 19/08/2019)
Mesmo que se pudesse inferir a existência de risco à ordem pública, dada a possibilidade de que, talvez, viesse a praticar algum delito com a arma de fogo que portava, a constrição cautelar da liberdade somente é admitida quando restar claro que tal medida é o único meio cabível para proteger os bens jurídicos ameaçados, em atendimento ao princípio da proibição de excesso.
No caso em exame, a submissão do paciente a medidas cautelares menos gravosas que o encarceramento é, no momento, adequada e suficiente para restabelecer ou garantir a ordem pública, assegurar a higidez da instrução criminal e a aplicação da lei penal.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, mediante a aplicação das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau. Com fundamento no art. 580 do CPP, estendo os efeitos dessa decisão ao corréu Matheus Geraldes de Lima, salvo, evidentemente, se por outro motivo estiver preso. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e ao Juízo da 1ª Vara Criminal da Comarca de Taboão da Serra/SP. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
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