STJ Maio25 - Revogação de Prisão Preventiva - Lei de Drogas - Ausência de Fundamento do Perigo em Liberdade e Sem Pedido do MP - Fundamento Inidôneo: "gravidade abstrata do delito e em elementos inerentes ao próprio tipo penal (apreensão de drogas)"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido de liminar, impetrado em benefício de MARCELOXXXXXXXXXX contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que denegou a ordem originária e manteve a prisão cautelar do paciente pelo suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006.
O julgado está assim ementado:
PENAL PROCESSO PENAL HABEAS CORPUS TRÁFICO DE DROGAS. 1. MATÉRIA FÁTICA. 2. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA - PROVA DA EXISTÊNCIA DO CRIME E INDÍCIO DE AUTORIA - DECISÃO FUNDAMENTADA. 1. A via estreita desta ação penal constitucional, no particular, não autoriza avaliação aprofundada do conjunto probatório. 2. Decisão que converte prisão em flagrante delito em preventiva devidamente fundamentada, não conduz a constrangimento ilegal, em havendo prova da existência do crime e indício suficiente de autoria, a justificar a medida extrema, mas necessária, para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal. Não há que se falar em decretação de ofício, quando há manifestação do Parquet pela concessão de liberdade provisória cumulada com medidas cautelares diversas da prisão. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA, E, NESSA PARTE, DENEGADA.
Nesta Corte, o impetrante sustenta, em suma, ausência de motivação válida para a prisão preventiva. Destaca a suficiência de outras cautelares diversas da prisão, diante da primariedade do réu e da pequena quantidade de droga apreendida (0,433 gramas de cocaína). Requer a concessão da ordem para que ele seja colocado em liberdade.
É o relatório. Decido.
Esta Corte - HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.
O Juiz sentenciante decretou a prisão cautelar nos seguintes termos:
Depreende-se do auto de prisão que no dia 21/03/2025 os Guardas Municipais estavam em patrulhamento pela Via Luis Carlos Tunes, próximo ao bairro Itamarati, quando avistaram o autuado em uma bicicleta. Ao perceber a viatura, ele mudou de direção e acelerou, levantando suspeitas. Ao tentar abordá-lo, ele colidiu com a viatura e caiu, sofrendo escoriações. Durante a revista foram encontrados em sua blusa 21 kits com 279 pinos de cocaína. Questionado, permaneceu em silêncio. O Ministério Público, ao se manifestar às fls. 32, requereu a concessão de liberdade provisória ao autuado mediante compromisso de comparecimento a todos os atos processuais, compromisso de comparecimento trimestral em juízo para justificar suas atividades e manutenção de endereço atualizado, sob pena de revogação e conversão em prisão preventiva. [...] Ato contínuo, a prisão em flagrante indica forte suspeita de autoria, pois os guardas municipais lograram êxito em encontrar na posse do acusado os entorpecentes, oportunidade em que se apreendeu 21 kits totalizando 279 eppendorfs de cocaína. Logo, ante os seguintes indícios: a) flagrância do acusado em posse dos entorpecentes pelos guardas municipais; b) grande quantidade de drogas apreendida, compõem quadro razoável de que havia tráfico de drogas, o que será reavaliado por ocasião do julgamento. Quanto ao periculum libertatis, entendo que a prisão preventiva é necessária para garantia da ordem pública, a fim de evitar recidivas, já que os guardas municipais apreenderam o acusado em posse dos entorpecentes, além da forma de acondicionamento (em kits prontos para comercialização) indicar suspeita de engajamento profissional e perene com o comércio de drogas.
De acordo com o art. 312 do Código de Processo Penal, a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado. No caso, segundo se infere, o julgador não trouxe qualquer dado concreto que demonstre o periculum libertatis.
O decreto preventivo está fundamentado apenas na gravidade abstrata do delito e em elementos inerentes ao próprio tipo penal (apreensão de drogas). Ademais, nem mesmo a quantidade de droga apreendida isoladamente, autorizaria o encarceramento cautelar, sobretudo porque certificada a primariedade do paciente e trata-se de delito cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa.
Desse modo, uma vez atento a previsão constitucional da custódia preventiva como ultima ratio, impõe-se a substituição da prisão cautelar por outras medidas alternativas do art. 319 do CPP. No mesmo sentido, os seguintes julgados:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. ADEQUAÇÃO E SUFICIÊNCIA. COAÇÃO ILEGAL DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. DECISÃO RATIFICADA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A prisão preventiva somente será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar e quando realmente se mostre necessária e adequada às circunstâncias em que cometido o delito e às condições pessoais do agente. Exegese do art. 282, § 6º, do Código de Processo Penal. 2. No caso, mostra-se devida e suficiente a imposição das medidas cautelares alternativas previstas no art. 319, do CPP, ante a primariedade do réu e o fato de que foram apreendidas apenas 8g de crack na ocasião do flagrante. 3. Tendo sido proferida em consonância com o entendimento firmado neste Sodalício sobre o tema impugnado, deve ser mantida a decisão agravada pelos seus próprios fundamentos. 4. Agravo regimental desprovido (AgRg no RHC n. 168.093/MS, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 11/10/2022, DJe de 17/10/2022.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. RÉU PRIMÁRIO. PEQUENA QUANTIDADE DE DROGA. DESPROPORCIONALIDADE. WRIT CONCEDIDO. DECISÃO MANTIDA. 1. Conforme a jurisprudência desta Corte, "a validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis" (RHC n. 161.489/SC, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 19/4/2022, DJe de 26/4/2022). 2. Verifica-se a desproporcionalidade da prisão preventiva decretada com base na quantidade de drogas apreendidas e na apreensão de uma arma de fogo de uso permitido, tendo em vista tratar-se de réu primário, sem antecedentes, e da apreensão de quantidade de droga não relevante (23 trouxinhas de cocaína, mais uma porção de maconha). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC n. 831.262/RN, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), Sexta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 15/12/2023.)
Por fim, anote-se que a decretação da prisão cautelar, de ofício, ou seja, sem pedido expresso do Ministério Público ou da autoridade policial viola o sistema acusatório, conforme estabelecido pela Lei n. 13.964/2019, caracterizando constrangimento ilegal.
Confira: DIREITO PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO MINISTERIAL DE CAUTELARES ALTERNATIVAS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA DE OFÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. I. Caso em exame 1. Habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública do Estado de Goiás em favor de réu, alegando ilegalidade da prisão preventiva decretada de ofício pelo Juízo da 2ª Vara de Crimes Dolosos contra a Vida e Tribunal do Júri da Comarca de Goiânia/GO, sem prévio requerimento do Ministério Público, que se posicionou pela imposição de medidas cautelares alternativas. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste em saber se a decretação de prisão preventiva sem requerimento específico do Ministério Público contraria o sistema acusatório, conforme estabelecido pela Lei n. 13.964/2019. III. Razões de decidir 3. A decretação de prisão preventiva sem requerimento do Ministério Público contraria o sistema acusatório, conforme estabelecido pela Lei n. 13.964/2019, caracterizando constrangimento ilegal. 4. A manutenção da prisão preventiva sem provocação específica do Ministério Público para tal medida não se justifica, especialmente quando o órgão acusador postula medidas cautelares alternativas. IV. Dispositivo e tese 5. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva e determinar a aplicação de medidas cautelares menos gravosas. Tese de julgamento: "1. A decretação de prisão preventiva sem requerimento específico do Ministério Público contraria o sistema acusatório, conforme estabelecido pela Lei n. 13.964/2019. 2. A manutenção da prisão preventiva sem provocação específica do Ministério Público caracteriza constrangimento ilegal". Dispositivos relevantes citados: CPP, art. 311; CPP, art. 312; Lei n. 13.964/2019. Jurisprudência relevante citada: STJ, AgRg nos EDcl no RHC n. 196.080/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024. (HC n. 874.901/GO, relatora Ministra Daniela Teixeira, relator para acórdão Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 20/3/2025, DJEN de 10/4/2025.) AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO. CRIMES DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA E LESÕES CORPORAIS. CRIMES COM PENAS EM ABSTRATO QUE NÃO SUPERAM, ISOLADAMENTE, 4 ANOS. RÉU PRIMÁRIO. NÃO HOUVE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDA PROTETIVA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES MAIS BRANDAS. DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. ATUAÇÃO DE OFÍCIO. ILEGALIDADE. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício. 2. No caso, as condutas imputadas não apresentam, isoladamente, penas máximas em abstrato superior a 4 anos, o paciente não ostenta condenação com trânsito em julgado e, ainda que tenham sido praticadas em um contexto de violência doméstica, não havia medidas protetivas de urgência decretadas. Ainda que possível, em tese, a decretação da medida extrema considerando a soma das penas dos dois tipos penais, a prisão é ilegal por ter sido decretada de ofício. 3. Com efeito, nos termos do art. 311 do CPP, "Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial". No caso, embora o representante ministerial tenha postulado a aplicação de outras cautelares mais brandas, o Juízo decretou a prisão preventiva, caracterizando uma atuação de ofício. Julgados do STJ. 4. Agravo regimental improvido. (AgRg nos EDcl no RHC n. 196.080/MG, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.)
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Não obstante, concedo a ordem, de ofício, para revogar a prisão preventiva imposta ao paciente mediante a aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau. Publique-se. Intimem-se.
Relator
RIBEIRO DANTAS
👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10
👉👉👉👉GRUPO 02 Whatsaap de Jurisprudências Favoráveis do STJ e STF para A Advocacia Criminal
👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv
Comentários
Postar um comentário