STJ Maio25 - Revogação de Prisão Temporária - Ausência de Imprescindibilidade para as Investigações - Fundamentação Genérica
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com o pedido liminar impetrado em favor de OSVALDO XXXXXXXXXXX em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA. Consta dos autos que, em decisão de 27/3/2023, o juízo da Vara do Júri e Delitos de Imprensa da Comarca de Feira de Santana decretou a prisão temporária do paciente pela suposta prática do crime de homicídio em concurso de agentes.
O mandado de prisão não foi cumprido. Em 24/4/2025, no julgamento do Habeas Corpus Criminal n. 8066031-11.2024.8.05.0000, impetrado contra a ordem de prisão temporária, o Tribunal de origem conheceu parcialmente do pedido e, na extensão conhecida, denegou a ordem.
O impetrante alega que a ordem de prisão temporária do paciente consubstanciaria constrangimento ilegal, uma vez que o órgão ministerial se manifestara contrariamente à decretação da medida, postulada pela autoridade policial, e que não haveria indícios suficientes de participação do paciente no suposto crime.
Além disso, sustenta a defesa que, mesmo que se pudesse considerar válida a prisão temporária, a manutenção da ordem seria ilegal, tendo em vista o tempo decorrido desde a decisão que a decretou, há mais de dois anos. Por essas razões, pede, inclusive liminarmente, a concessão da ordem, para que seja tornada sem efeito a ordem de prisão temporária do paciente.
É o relatório.
O Superior Tribunal de Justiça entende ser inviável a utilização do habeas corpus como sucedâneo de recurso próprio, previsto na legislação, impondo-se o não conhecimento da impetração. Nesse sentido: AgRg no HC n. 933.316/MG, relator Ministro Messod Azulay Neto, Quinta Turma, julgado em 20/8/2024, DJe de 27/8/2024 e AgRg no HC n. 749.702/SP, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 26/2/2024, DJe de 29/2/2024.
Porém, em atenção ao disposto no art. 647-A do CPP, verifico que o julgado impugnado possui ilegalidade flagrante que permita a concessão da ordem de ofício, conforme se depreende da fundamentação a ser exposta a seguir.
No caso, o Juízo de primeira instância decretou a prisão temporária do paciente, solicitada pela autoridade policial, mas não apoiada pelo órgão ministerial, com base nos seguintes fundamentos (fls. 67-68):
É cediço que a prisão temporária é cabível em três hipóteses: 1) quando imprescindível para a investigação criminal - destarte, cabível desde que a custódia provisória seja absoluta e totalmente necessária ao bom êxito da investigação e quando a liberdade do indiciado ou suspeito importar em prejuízo para as apurações e investigações policiais; 2) para assegurar a execução de uma eventual condenação – quando o indiciado ou suspeito não tiver residência fixa ou embaraçar a investigação, ocultando os elementos que possam esclarecer sua identidade, incluindo-se entre eles não somente o nome, mas também os antecedentes; e 3) quando o crime imputado aos indiciados disser respeito aos delitos elencados no art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89, incluindo-se entre eles em primeiro plano - alínea “a” do referido dispositivo legal - o crime de homicídio doloso, que é o caso dos autos. Compulsando-se os autos verifica-se a necessidade da decretação da medida postulada, haja vista que estão presentes os seus pressupostos legais. Trata-se de crime de homicídio doloso consumado, requisito previsto no art. 1º, inciso III, "a" da Lei nº 7.960/89, pelo que é cabível a prisão temporária. A materialidade está plenamente provada pelos diversos documentos acostados aos autos. Quanto à autoria, há fundadas razões no sentido de que os representados estejam envolvidos no homicídio em questão, conforme se depreende da prova testemunhal até então colhida, com destaque para os vídeos das câmeras de monitoramento que flagraram o carro utilizado no crime, estacionado defronte ao estabelecimento comercial do representado Ricardo, três dias antes do evento delituoso, não se olvidando de que ambos os representados, juntamente com outros supostos envolvidos, inclusive o motorista do carro Toro, cor prata, de placa clonada, reuniram-se no apontado local, deixando transparecer uma possível premeditação para o crime. Ademais, para a decretação da prisão temporária, basta a suspeita da autoria, mesmo porque, no início das investigações, não se tem a certeza e nem sempre essa certeza é possível. Com efeito, o crime praticado rompeu com o estado de razoável tranquilidade em que vivia a comunidade local, o que provoca tanto pavor à sociedade e está a exigir do aparelho estatal de repressão das atividades criminosas uma pronta resposta. A experiência comum revela que costuma se seguir a tais espécies de ataques à ordem jurídica, a conduta dos algozes em se esconder, na busca da impunidade, sob um malsinado manto do silêncio imposto a todos pelo terror, pela ameaça, pelo medo de retaliação, com o qual não se pode coadunar. (Grifei.) Por óbvio, em situação de conflito que se estabelece entre o status libertatis do cidadão e o interesse público à repressão das infrações penais, se justifica a prevalência momentânea deste sobre aquele, pois a prisão do representado é medida de fundamental utilidade para o desate das investigações, o que pode inegavelmente facilitar o acesso às provas completas da sua responsabilidade, tanto porque a prova testemunhal pode emergir com maior tranquilidade, como porque, desarticulado, a estratégia coletivamente engendrada para o alcance da impunidade, pode ruir, descortinando-se a verdade.
A partir da análise do decreto de prisão, infere-se que a decisão faz alusão, de forma genérica, a um suposto "manto do silêncio imposto a todos pelo terror, pela ameaça, pelo medo de retaliação", sem, contudo, indicar elementos concretos que demonstrem que o paciente teria, de algum modo, intentado prejudicar a regular instrução do procedimento investigativo.
Assim, é manifesto que lhe faltam razões claras acerca da imprescindibilidade da prisão temporária do paciente para o bom êxito da investigação criminal, com exige o art. 1º, I, da Lei n. 7.960/1989, na interpretação que o Supremo Tribunal Federal lhe conferiu no julgamento das ADIs n. 3.360 e 4.109. O STJ, por sua vez, possui o firme entendimento de que a "prisão temporária tem como objetivo assegurar a investigação criminal quando estiverem sendo apurados crimes graves expressamente elencados na lei de regência e houver fundado receio de que os investigados – sobre quem devem pairar fortes indícios de autoria – possam tentar embaraçar a atuação estatal" (RHC n. 144.813/BA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 31/8/2021).
Como se trata de prisão que tutela a investigação, introduzida no ordenamento processual penal como um sucedâneo legal da "prisão para investigações", não recebida pela Constituição de 1988, a reprimenda deve ser decretada por tempo certo – 10 dias (5+5) pela Lei n. 7.960/1989 e 60 dias (30 + 30) pela Lei n. 8.072/1990 –, não podendo se estender por prazo indeterminado, mesmo se não cumprido o mandado.
Nos termos da Lei n. 7.960/1989, a prisão temporária somente é admissível durante a investigação criminal; portanto, é francamente ilegal a sua manutenção após o oferecimento da denúncia, quando o autor da ação penal já amealhou indícios suficientes do delito e da respectiva autoria.
Além disso, passados cerca de 2 anos da decretação da prisão temporária, resulta claro que a manutenção da medida carece de fundamentação válida. Nesse sentido:
PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO CANGALHA. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. PRISÃO TEMPORÁRIA. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONCLUSÃO DO INQUÉRITO POLICIAL. DENÚNCIA OFERECIDA. AÇÃO PENAL EM FASE INSTRUTÓRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PROVIDO. 1. O instituto da prisão temporária tem como objetivo assegurar a investigação criminal quando estiverem sendo apurados crimes graves expressamente elencados na lei de regência e houver fundado receio de que os investigados - sobre quem devem pairar fortes indícios de autoria - possam tentar embaraçar a atuação estatal. 2. Tendo em vista que o inquérito policial já foi encerrado, a denúncia ofertada, e a ação penal está em fase instrutória, não há mais falar em prisão temporária. Ademais, a prisão temporária anteriormente decretada não foi convertida em prisão preventiva. 3. Recurso em habeas corpus provido. (RHC n. 144.813/BA, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 31/8/2021.) HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DUPLAMENTE MAJORADO. PRISÃO TEMPORÁRIA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. ENCERRAMENTO. OFERECIMENTO E RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DA CUSTÓDIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Uma vez oferecida e recebida a denúncia, desnecessária a preservação da custódia temporária do paciente, cuja finalidade é resguardar a integridade das investigações criminais. 2. Habeas corpus concedido a fim de, confirmando a liminar anteriormente deferida, revogar a custódia temporária do paciente. (HC n. 158.060/PA, relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 2/9/2010, DJe de 20/9/2010.)
Acrescenta-se, ainda, que, segundo as informações prestadas pelo Juízo de primeira instância no Habeas Corpus Criminal n. 8066031-11.2024.8.05.0000 em 26/11/2024, o inquérito policial em questão havia sido remetido ao Ministério Público para "eventual oferecimento de denúncia, pedido de arquivamento ou cumprimento de diligências a requerimento do Parquet" (fl. 496), de sorte que é inequívoca a desnecessidade da prisão temporária do paciente para assegurar o bom resultado do procedimento investigatório a esta altura dos acontecimentos.
Ademais, diante da própria ilegalidade do decreto prisional, não resta dúvida de que a persistência da ordem de prisão, em si mesma, caracterizaria constrangimento injurídico, pois certamente não se pode argumentar que a privação cautelar da liberdade do paciente ainda seria necessária para assegurar a investigação policial passados mais de 2 anos da decretação da medida, que nunca foi cumprida.
Por fim, é válido consignar que a ausência dos requisitos da prisão temporária não impede que venha a ser eventualmente reconhecida a necessidade da prisão preventiva do paciente, tendo em vista tratar-se de espécie de prisão cautelar cujas exigências legais são sabidamente distintas daquelas estabelecidas para a prisão temporária. Ante o exposto, com fundamento no art. 210 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, não conheço do habeas corpus, porém concedo a ordem de ofício para cassar a decisão que decretou a prisão temporária do paciente. Comunique-se às instâncias inferiores. Cientifique-se o Ministério Público Federal. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OG FERNANDES
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