STJ Mar25 - Crime de Descumprimento de Medida Protetiva da Lei Mª da Penha - Atipicidade :"Paciente Denunciado como Partícipe - Crime de Mão Própria - Pai que autorizou o filho a entrar na casa onde a vítima mora
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Cuida-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de VXXXXXX, alegando constrangimento ilegal por parte do eg. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA no Recurso em Sentido Estrito n. 5025126-83.2022.8.24.0023.
Vê-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime de descumprimento de medida protetiva de urgência, tipificado no artigo 24-A, caput, da Lei 11.340/2006, c.c o artigo 29 do Código Penal, sob a acusação de permitir que seu filho, XXXXXXX Costa Martins, frequentasse sua residência, onde também residia a vítima, descumprindo ordem judicial de afastamento dirigida ao último.
Sustenta a impetrante que a conduta imputada ao paciente seria atípica, pois o crime previsto no artigo 24-A da Lei 11.340/2006 seria de mão própria, não admitindo coautoria ou participação.
Aduz que o paciente não era destinatário da ordem judicial e que a mera conivência não configura participação delitiva. Argumenta, ainda, que a permanência do filho no local se deu apenas para suprir necessidades básicas, tratando-se de hipótese de inexigibilidade de conduta diversa. Requer liminarmente a suspensão do processo e, no mérito, a concessão da ordem para restabelecer a decisão que rejeitou a denúncia. O pedido liminar foi indeferido (fls. 419-421).
Foram prestadas as informações (fls. 424-450).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ e, no mérito, pela concessão da ordem (fls. 455-462).
É o relatório. DECIDO.
Inicialmente, pontuo que esta Corte Superior, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal (AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgR no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018), pacificou orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado (HC 535.063/SP, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020).
Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, cumpre analisar a existência de eventual ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, a fim de evitar prejuízo à sua defesa. Passarei, assim, ao exame das razões deste writ. Acerca da temática aventada no presente habeas corpus, o Tribunal de origem decidiu em v. Acórdão assim minutado (fls. 400-406 - grifamos):
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA. DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA (LEI 11.340/2006, ART. 24-A, CAPUT, COMBINADO COM ART. 29, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INSURGIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA. SUSTENTADA PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS AO RECEBIMENTO DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. PERTINÊNCIA. ELEMENTOS INFORMATIVOS QUE INDICAM A EXISTÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL. DENUNCIADO QUE, AO QUE TUDO INDICA, EMBORA CIENTE DE QUE O FILHO DEVERIA MANTER-SE AFASTADO DO LAR DA FAMÍLIA E NÃO PODERIA, POR QUALQUER MEIO, MANTER CONTATO OU SE APROXIMAR DA IRMÃ, PERMITIU QUE FREQUENTASSE SUA MORADIA, ONDE TAMBÉM RESIDE A VITIMA. PERFEITA SUBSUNÇÃO DO PROCEDER À NORMA COM A INOBSERVÂNCIA DA ORDEM JUDICIAL OUTRORA EXARADA. PRONUNCIAMENTO REFORMADO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
A despeito da fundamentação adotada pelo Tribunal de origem, verifica-se que a conduta imputada ao paciente não se subsume ao tipo penal do artigo 24-A da Lei 11.340/2006, uma vez que, para a configuração de tal infração, exige-se que o descumprimento da medida protetiva seja praticado pelo seu destinatário direto. As circunstâncias fáticas foram pontuadas pelo Magistrado de primeiro grau na decisão que rejeitou a denúncia (fls. 230-231):
I - Trata-se de ação penal ajuizada pelo Ministério Público em desfavor do acusado Lauro Augusto da Costa Martins e de Valdevino Martins pela prática do crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência. II - A princípio, consigno que este Juizado se quedou inerte quanto à análise do recebimento da denúncia em relação ao acusado Valdevino Martins. Pois bem. Tocante ao referido réu, tenho que a rejeição da denúncia é medida que se impõe. Compulsando os autos n. 5066450-87.2021.8.24.0023, verifica-se que o réu Valdevino, em sede policial, além de manifestar ciência das medidas protetivas de urgência deferidas em favor da vítima menor de idade, sua filha (autos n. 5015086-76.2021.8.24.0023, e. 10), relatou que inicialmente alugaram um "barraco" em uma praia para que o réu Lauro, também seu filho, pudesse residir e trabalhar com o objetivo de cumprir as medidas protetivas de urgência. Não obstante, passados 5 meses, relatou o acusado Valdevino que não conseguiram manter a situação. Lauro supostamente passou a residir no interior de um automóvel em um posto de gasolina localizado há mais de 200m da residência. Valdevino e sua esposa se revezavam para levar comida para Lauro e este, por seu turno, se deslocava até a residência dos genitores para necessidades básicas quando a vítima supostamente não estaria no local, sem autorização. O próprio acusado Valdevino afirma em seu depoimento na Delegacia que o réu Lauro tem "dificuldade em lhe escutar" e que não autorizou o ingresso deste na residência. Exigir que os genitores, mais precisamente o acusado Valdevino, acionassem a autoridade policial para prender o próprio filho ou até mesmo usassem de força física contra este não me parece razoável. Em verdade, a situação é demais peculiar e, apesar dos graves fatos imputados ao acusado nos autos n. 5016571-14.2021.8.24.0023, em que inclusive restou condenado por este Juizado pela prática do delito de importunação sexual contra a irmã, vislumbro como de extrema sensibilidade compatibilizar cuidados básicos ao filho em situação análoga a de rua e, ao mesmo tempo, zelar pelo fiel cumprimento das medidas protetivas para garantir pela integridade física e psíquica da filha, menor de idade. Eventual imprudência dos genitores com relação à importunação sexual ou acerca da forma como lidaram com os fatos à época (fato reforçado pela vítima em sede de depoimento especial - e. 72 dos autos n. 5016571-14.2021.8.24.0023) não pode ser interpretada em desfavor destes a ponto de se determinar que concorreram para o descumprimento das medidas protetivas de urgência em comento. Diante dessas considerações, REJEITO a denúncia em relação ao réu Valdevino, com fulcro no art. 395, III, do Código de Processo Penal, por evidente falta de justa causa para o exercício da ação penal. pela concessão da ordem.
No caso concreto, a ordem judicial impunha restrição ao filho do paciente, não ao próprio paciente, que foi denunciado sob o argumento de que teria permitido a permanência daquele em sua residência.
O simples fato de não impedir a entrada do filho no imóvel, sem qualquer conduta ativa de instigação ou auxílio material ao descumprimento da ordem, não caracteriza participação delitiva nos termos do artigo 29 do Código Penal. Ademais, os elementos dos autos indicam que a permanência do filho na residência teve como motivação a satisfação de necessidades básicas, hipótese que pode configurar inexigibilidade de conduta diversa, afastando a culpabilidade do agente.
Dessa forma, a imputação se revela manifestamente atípica, estando ausente justa causa para a ação penal. Nesse contexto, impõe-se o trancamento da ação penal, pois sua manutenção configuraria evidente constrangimento ilegal ao paciente.
Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para, anulando o v. Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, restabelecer a decisão proferida pelo Juízo de primeiro grau que rejeitou a denúncia em relação ao paciente, com fundamento no artigo 395, inciso III, do Código Penal Brasileiro. Publique-se. Intimem-se.
Relator
OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP)
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 797346 - SC (2023/0011951-2) RELATOR : MINISTRO OTÁVIO DE ALMEIDA TOLEDO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJSP), Publicação no DJEN/CNJ de 18/03/2025.)
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