STJ Mar25 - Excesso de Prazo - Medida Cautelar de Recolhimento Noturno - duração de 5 anos - Desproporcionalidade
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus com pedido liminar impetrado em favor de NOEL ALXXXXXXX no qual se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (HC n. 202200320226). Depreende-se dos autos que foram impostas ao paciente, denunciado como incurso no art. 312 do Código Penal e nos arts. 89 e 90 da Lei n. 8.666/1993, medidas cautelares diversas da prisão. Impetrado writ na origem, a ordem foi denegada em acórdão assim ementado (e-STJ fl. 118):
HABEAS CORPUS – PACIENTE DENUNCIADO PELA PRÁTICA DO DELITO TIPIFICADO NO ART. 312, C/C ART. 327, §2º, AMBOS DO CP, CAPUT POR 29 (VINTE E NOVE) VEZES, NA FORMA DO ART. 69, DO MESMO DIPLOMA LEGAL, C/C ARTS. 89 E 90, DA LEI 8.666/93 E ART. 2º, , DA LEI CAPUT 12.850/2013 – PLEITO DE REVOGAÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR DE RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO AOS FINAIS DE SEMANA, COM LASTRO NO SUPOSTO EXCESSO – INACOLHIDO – PROCESSO DE PRAZO ORIGEM APURA A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DE OITO RÉUS, PATROCINADOS, EM SUA GRANDE MAIORIA, POR ADVOGADOS DISTINTOS – FEITO DE ALTA COMPLEXIDADE – DIVERSOS PLEITOS INCIDENTAIS - AUTORIDADE COATORA TEM AGIDO DE FORMA DILIGENTE E OBSERVANDO TODAS AS FASES PROCEDIMENTAIS – AUSÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO DESIGNADA PARA O DIA 13.09.2022 –MEDIDA CAUTELAR ADEQUADA E NECESSÁRIA AO CASO CONCRETO – PEDIDOS DE AFASTAMENTOS DEFERIDOS PELO MAGISTRADO DE PRIMEIRO GRAU - MEDIDA QUE NÃO ATRAPALHA A VIDA FAMILIAR DO PACIENTE - AUSÊNCIA DE CONSTRANGI MENTO ILEGAL - MANUTENÇÃO DA DECISÃO QUE MANTEVE A ALUDIDA MEDIDA – ORDEM DENEGADA. CAUTELAR
Alega a defesa, na presente impetração, que há excesso de prazo na duração das medidas impostas. Além disso, destaca as condições pessoais favoráveis do paciente, aduzindo ser desnecessária a manutenção da medida de recolhimento domiciliar noturno aos finais de semana.
Busca, assim, "seja DEFERIDA A ORDEM DE HABEAS CORPUS a fim de que cesse o constrangimento ilegal do Paciente, ratificando-se a liminar porventura deferida, revogando, PARCIALMENTE, a cautelar imposta no que diz respeito a medida de recolhimento domiciliar noturno aos finais de semana, permanecendo em vigor todas as demais" (e-STJ fl. 17).
Liminar indeferida às e-STJ fls. 181/183. Prestadas as informações, o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (e-STJ fls. 241/247).
É o relatório. Decido.
Como cediço, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, tal como a prisão preventiva, as medidas cautelares alternativas não podem perdurar por prazo indefinido, de modo a transmudar-se em sanção penal sem sentença condenatória, afinal, o princípio da provisoriedade deve ser observado em qualquer medida cautelar.
Na espécie, em 1º/7/2019, foram fixadas medidas cautelares em desfavor do paciente, entre elas, o recolhimento domiciliar noturno, medida essa que, posteriormente, teve a sua severidade reduzida para que o enclausuramento fosse apenas aos finais de semana, perdurando ele, ao que se tem dos autos, até os dias atuais.
Dessa forma, não se mostra proporcional e razoável a perpetuação indefinida da referida cautela imposta, sobretudo porque passados mais de 5 anos desde a decisão que a fixou sem nenhum descumprimento até aqui noticiado, até porque, em caso de descumprimento, o ordenamento autoriza a decretação da prisão preventiva, o que não ocorreu.
Cabe destacar, ainda, que, apesar de se tratar de feito de inequívoca complexidade, nada parece justificar que se alcance 6 anos de duração de medida inquestionavelmente gravosa, notadamente porque não se está diante de crimes cometidos com violência ou grave ameaça. Portanto, as peculiaridades do caso acima noticiadas me fazem concluir pela ocorrência de constrangimento ilegal ocasionado ao paciente.
Em casos análogos, guardadas as devidas particularidades, esta Casa assim se posicionou:
HABEAS CORPUS. CRIME DESCRITO NO ART. 2º DA LEI N. 12.850/2013. PRISÃO PREVENTIVA CONVERTIDA EM PRISÃO DOMICILIAR. POSTERIOR SUBSTITUIÇÃO POR MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS (ART. 319 DO CPP). TESE DE EXCESSO DE PRAZO NA DURAÇÃO DO MONITORAMENTO ELETRÔNICO. OCORRÊNCIA. RESTRIÇÃO SEVERA DA LIBERDADE. AFASTAMENTO. PRECEDENTES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Hipótese em que a paciente teve a prisão domiciliar substituída por medidas cautelares diversas, incluído o monitoramento eletrônico, na data de 16/9/2021, que perduram até a presente data. 2. A delonga apresenta-se como desproporcional, ao observar-se que, apesar de a paciente estar em liberdade, essa está severamente restringida e, decorridos mais de 7 meses da conclusão da instrução criminal, não houve, ainda, o respectivo julgamento do feito. Some-se a isso a ausência de informações nos autos acerca de eventual descumprimento delas desde que foram impostas (3 anos e 2 meses atrás). 3. Necessária a revogação da disposição acautelatória que importa grave cerceamento da locomoção da ré (monitoramento eletrônico). As demais cautelas devem ser mantidas, pois configuram constrições razoáveis ao status libertatis em razão das peculiaridades do caso concreto. 3. Ordem concedida para afastar a cautelar de monitoramento eletrônico, subsistindo todas as demais medidas alternativas diversas da prisão impostas pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal de Viana/ES, nos autos da Ação Penal n. 0002032-91.2021.8.08.0050. (HC n. 884.776/ES, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 26/11/2024, DJEN de 29/11/2024.) DIREITO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO SIMPLES. PROCESSO COM VÁRIOS INCIDENTES, COMO DESCLASSIFICAÇÃO DO TIPO PENAL DE LATROCÍNIO PARA HOMICÍDIO SIMPLES E REMESSA PARA DIVERSOS JUÍZOS, QUE RESULTARAM NA DIMINUIÇÃO DA MARCHA PROCESSUAL. PACIENTE CUMPRINDO MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO HÁ MAIS DE 4 (QUATRO) ANOS. EXCESSO DE PRAZO. MONITORAMENTO ELETRÔNICO. MANUTENÇÃO DAS OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO ANTERIORMENTE IMPOSTAS. RECURSO PROVIDO. I. Caso em exame 1. Recurso interposto pela defesa visando à revogação do uso de tornozeleira eletrônica, medida cautelar imposta em substituição à prisão preventiva. O paciente cumpre medidas cautelares diversas da prisão há quatro anos. II. Questão em discussão 2. A questão em discussão consiste na análise da necessidade e proporcionalidade da manutenção do monitoramento eletrônico como medida cautelar diversa da prisão pelo decurso de tempo indicado nos autos. III. Razões de decidir 3. O cumprimento das medidas cautelares diversas da prisão devem ser cumpridas por prazo razoável e proporcional ao desenrolar do processo judicial. 4. Processo objeto de incidentes diversos em função da equivocada classificação jurídica da conduta no crime de latrocínio, delito pelo qual foi absolvido, com a desclassificação da conduta para a de homicídio simples, resultando em remessas dos autos para juízos diversos, em virtude de discussão sobre qual o competente para o feito controvérsia somente resolvida em segunda instância, pelo TJPA. 5. A manutenção do monitoramento eletrônico revelou-se desproporcional e injustificada, considerando os elementos individualizados do caso concreto. 6. A liberdade é a regra no ordenamento jurídico, devendo a prisão preventiva ser justificada por requisitos específicos, ausentes no caso. IV. Dispositivo 7. Recurso provido. (RHC n. 180.509/PA, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 12/11/2024, DJe de 26/11/2024.) AGRAVO REGIMENTAL EM RHC. CRIMES TIPIFICADOS NO ART. 4º, a, DA LEI n. 1.521/1951, ART. 1º, § 4º, DA LEI n. 9.613/1998 E ART. 2º, § 3º, DA LEI n. 12.850/2013. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS À PRISÃO. MAIS DE TRÊS ANOS DE CUMPRIMENTO. RECOMENDAÇÃO DE CELERIDADE EXPEDIDA HÁ MAIS DE UM ANO. INSTRUÇÃO PROCESSUAL NÃO CONCLUÍDA. EXCESSO DE PRAZO CONFIGURADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional. 2. No caso, o agravado foi preso no dia 13/8/2019 e colocado em liberdade com cautelares restritivas no dia 25/3/2020. A Quinta turma, em 21/9/2021, ao julgar o agravo regimental no RHC n. 150.081/RS, interposto pela defesa do ora agravado, recomendou ao juízo processante celeridade na conclusão do feito. Porém, se passaram mais de 3 anos do início da ação, a instrução não foi concluída e o réu continua com sua liberdade cerceada em razão das restrições impostas. 3. Assim, considerando o tempo de cumprimento das medidas cautelares (mais de três anos), a expedição prévia de recomendação para dar celeridade na conclusão da instrução (não atendida), o fato de que os crimes não foram praticados com violência ou grave ameaça, bem como a ausência de registros de descumprimentos das restrições, impõe-se a revogação das seguintes medidas cautelares (i) Proibição de ausentar-se da Comarca onde reside, até o final da instrução processual; e (ii) Recolhimento domiciliar noturno a partir das 19 horas e nos dias de folga, por período integral. Constrangimento ilegal verificado. O agravado fica obrigado a comparecer em juízo quando for chamado, bem como manter atualizado o seu endereço para o recebimento das comunicações da justiça. Julgados do STJ. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg no RHC n. 167.222/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 16/11/2022)
À vista do exposto, concedo a ordem para afastar, ante o evidente excesso de prazo, a medida cautelar de recolhimento domiciliar noturno aos finais de semana. Publique-se. Intimem-se.
Relator
ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 770192 - SE (2022/0287249-4) RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Publicação no DJEN/CNJ de 25/03/2025)
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