STJ Mar25 - Execução Penal - Regressão de Regimento Prisional após Sanção em PAD e Sem Oitiva do Acusado - Nulidade Absoluta
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de GABRIEL XXXXXXXcontra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO (agravo em execução penal n. 0010657-31.2024.8.26.0496).
Consta dos autos que o juízo da execução penal reconheceu falta disciplinar de natureza grave (art. 50, inciso VI, c/c o art. 39, inciso V, da Lei de Execução Penal), aplicando os respectivos consectários legais. No julgamento do agravo em execução penal interposto pela defesa, o Tribunal negou provimento ao recurso.
No presente habeas corpus, o impetrante alega coação ilegal, consistente na nulidade por ausência da oitiva judicial do paciente antes da homologação da falta grave, que teria acarretado a regressão definitiva de regime. Assevera que, "ao dispensar a oitiva judicial, deverá o Magistrado se limitar às demais sanções legais destinadas ao praticante de falta grave, como a interrupção do lapso para progressão de regime, a perda do direito às saídas temporárias e a perda de até 1/3 (um terço) dos dias remidos" (fl. 4).
Requer, inclusive liminarmente, "afastar a penalidade de regressão ao regime fechado" (fl. 6).
É o relatório. DECIDO.
A Terceira Seção, no âmbito do HC n. 535.063/SP, de relatoria do Ministro Sebastião Reis Júnior, julgado em 10/6/2020, e o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do AgRg no HC n. 180.365/PB, de relatoria da Ministra Rosa Weber, julgado em 27/3/2020, consolidaram a orientação de que não cabe habeas corpus substitutivo ao recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.
Nesse sentido:
[...] A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sedimentou orientação no sentido de não admitir habeas corpus em substituição a recurso próprio ou a revisão criminal, situação que impede o conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que se verifica flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal. [...] (AgRg no HC n. 908.122/MT, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 27/8/2024, DJe de 2/9/2024.) [...] O habeas corpus não é conhecido quando impetrado em substituição a recurso próprio, salvo em caso de flagrante ilegalidade, conforme jurisprudência pacífica do STJ e do STF. [...] (AgRg no HC n. 935.569/SP, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 3/9/2024, DJe de 10/9/2024.)
Em homenagem ao princípio da ampla defesa, contudo, necessário o exame da insurgência, a fim de se verificar eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Cinge-se a controvérsia acerca de possível coação ilegal em razão da regressão definitiva de regime imposta, após o reconhecimento e homologação de falta grave no curso da execução penal.
O Tribunal de Justiça, ao analisar o caso, entendeu que houve a devida comprovação da falta grave imputada ao paciente, o que teria ocorrido mediante regular procedimento administrativo disciplinar (PAD), sob as garantias da ampla defesa e do contraditório.
Vejamos (fl. 96):
[...] Apurada a falta grave por meio de regular procedimento administrativo disciplinar e tendo sido a sentenciado ouvido pela autoridade administrativa incumbida de apurar a transgressão disciplinar, assistido, no ato, por advogado (fls. 32), não se há falar em ofensa a princípios constitucionais (contraditório e ampla defesa) ou aos ditames legais (artigo 118, § 2º, da Lei de Execução Penal) pela falta de sua oitiva judicial. O que importa e é o que o art. 118, § 2º, quer - é que a condenada, ao qual se imputa falta grave, tenha chance de dizer em sua defesa antes de ser punida. E ela teve a oportunidade, podendo falar aberta e francamente ao funcionário incumbido, assistido por advogado que lhe garantiu dissesse o que bem entendesse, sem ser obrigada ao que quer que fosse.
Verifica-se, assim, que o acórdão impugnado está em consonância com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é desnecessária a oitiva judicial do apenado quando a homologação da falta grave é precedida de processo administrativo disciplinar:
DIREITO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. APURAÇÃO DE FALTA GRAVE. OUVIDA JUDICIAL. DESNECESSIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I. Caso em exame: 1. Agravo regimental alegando constrangimento ilegal decorrente da homologação de falta grave em procedimento administrativo disciplinar, em que o apenado não foi ouvido perante a autoridade judicial II. Questão em discussão: 2. A questão em discussão consiste em determinar se há nulidade no procedimento administrativo disciplinar quando o apenado é ouvido perante a autoridade administrativa com assistência de defesa técnica. III. Razões de decidir: 3. A jurisprudência do STJ dispensa a ouvida judicial do apenado se o procedimento administrativo assegurou o contraditório e a ampla defesa. 4. A falta grave foi devidamente apurada e homologada, não havendo ilegalidade flagrante que justifique a concessão da ordem. IV. Dispositivo e tese: 5. Agravo regimental desprovido. Tese de julgamento: 1. A ouvida judicial do apenado é desnecessária se o procedimento administrativo disciplinar assegurou o contraditório e a ampla defesa [...] (AgRg no HC n. 935.169/SP, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/11/2024, DJe de 7/11/2024.) AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. FALTA GRAVE. OITIVA DO APENADO. DESNECESSIDADE. ABSOLVIÇÃO E DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PERDA DOS DIAS REMIDOS. JUSTIFICATIVA IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior considera dispensável a audiência de justificação para o Juiz da VEC homologar a falta grave precedida de apuração em regular processo administrativo disciplinar, no qual foram assegurados a ampla defesa e o contraditório. A providência somente é exigida quando houver regressão definitiva de regime, o que não ocorreu. [...] 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no HC n. 860.831/SP, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 18/3/2024, DJe de 20/3/2024.)
Ocorre que, no caso concreto, além das demais sanções aplicadas, houve a regressão definitiva de regime, contudo, sem a oitiva judicial do apenado (fl. 55). Sobre o assunto:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO COLEGIADO. INOCORRÊNCIA. DECISÃO MONOCRÁTICA PROFERIDA NOS TERMOS LEGAIS. POSSIBILIDADE DE REAPRECIAÇÃO PELO ÓRGÃO COLEGIADO. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. APURAÇÃO MEDIANTE REGULAR PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. AUSÊNCIA DE OITIVA JUDICIAL DO SENTENCIADO. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. VIOLAÇÃO AO ART. 118, § 2º, DA LEP. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. [...] 2. "A jurisprudência desta Corte tem se posicionado pela prescindibilidade da realização da audiência de justificação para homologação de falta grave, desde que a apuração da falta disciplinar tenha se dado em regular procedimento administrativo, no qual tenha sido assegurado ao apenado o contraditório e a ampla defesa" (AgRg no HC 533.904/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019). 3. Nas hipóteses em que o reconhecimento da falta grave acarreta a regressão definitiva do regime prisional, contudo, é firme o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o § 2º do art. 118 da LEP exige a oitiva prévia do apenado pelo Juízo da Execução. Precedentes. 4. In casu, em que pese o apenado tenha sido ouvido no procedimento disciplinar, na fase administrativa, na presença da defesa técnica (e-STJ fl. 262), imprescindível a realização de audiência de justificação, porquanto determinada a regressão definitiva de regime prisional, contexto que ensejou a cassação da decisão que homologou da falta grave e a determinação de que outra seja proferida, com observância da prévia oitiva judicial do sentenciado, o que não merece reparos. 5. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp n. 1.928.971/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 3/8/2021, DJe de 10/8/2021, grifei) DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. FALTA GRAVE. ART. 118, § 2º, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL (LEP). DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE AUDIÊNCIA DE JUSTIFICAÇÃO. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR REALIZADO. ENTENDIMENTO DO STJ. PRECEDENTES. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. I. CASO EM EXAME: 1. Recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, o qual anulou decisão de homologação de falta grave praticada por reeducando, sob o fundamento de que a ausência de audiência de justificação teria violado os direitos ao contraditório e à ampla defesa, conforme exigência do art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal (LEP). O recorrente argumenta que a audiência de justificação é prescindível quando a apuração da falta grave ocorre por meio de procedimento administrativo disciplinar (PAD) que assegura contraditório e ampla defesa. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO: 2. Há duas questões em discussão: (i) definir se a audiência de justificação em juízo é obrigatória para o reconhecimento de falta grave quando o reeducando já foi ouvido em procedimento administrativo disciplinar regular; e (ii) estabelecer se a decisão do Tribunal de Justiça ao anular a homologação da falta grave está em conformidade com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). III. RAZÕES DE DECIDIR: 3. A jurisprudência do STJ entende que a realização da audiência de justificação para homologação de falta grave é dispensável, desde que a falta disciplinar tenha sido apurada em regular procedimento administrativo disciplinar (PAD) no qual se asseguraram o contraditório e a ampla defesa ao apenado. 4. Conforme precedentes da Quinta Turma do STJ, a audiência de justificação somente se torna imprescindível quando o reconhecimento da falta grave acarreta consequências particularmente gravosas ao reeducando, como a regressão definitiva do regime prisional, sendo necessária a oitiva judicial para assegurar o pleno exercício da ampla defesa. 5. No caso em exame, o Tribunal a quo anulou a decisão de homologação da falta grave sem observar que o procedimento administrativo garantiu o contraditório e a ampla defesa ao reeducando, alinhando-se a entendimento que diverge da jurisprudência consolidada no STJ. IV. RECURSO ESPECIAL PROVIDO (REsp n. 2.132.103/MG, relatora Ministra Daniela Teixeira, Quinta Turma, julgado em 17/12/2024, DJEN de 23/12/2024, grifei).
Razão pela qual a ordem deve ser aqui acatada. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de ofício, para cassar o decidido a quo e afastar a regressão definitiva de regime imposta, possibilitando que outra decisão seja proferida neste ponto, com a estrita observância da prévia oitiva judicial do sentenciado, na forma do art. 118, § 2º, da LEP. Intime-se, com urgência, a origem para o cumprimento. Publique-se. Intimem-se.
Relator
MESSOD AZULAY NETO
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