STJ Mar25 - Júri - Determinação de Desentranhamento de Documentos Juntados pelo MP, sem Relação com os Fatos :"Argumento de Autoridade - Ilicitude - Vida Pregressa sem Conexão com os Fatos"
Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de ARILSON XXXXXX contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento da Correição Parcial n. 5305630- 29.2024.8.21.7000. Consta dos autos que o paciente foi pronunciado como incurso no art. 121, § 2º, inciso IV, c/c o art. 14, inciso II, na forma do art. 29, caput, todos do Código Penal (e-STJ fls. 371/375).
A defesa requereu o desentranhamento de documentos juntados pelo Ministério Público, o que foi indeferido pelo Juízo da 1ª Vara do Júri do Foro Central da Comarca de Porto Alegre/RS (e-STJ fls. 709/710). Irresignada, a defesa apresentou correição parcial, a qual foi julgada improcedente, nos termos da seguinte ementa (e-STJ fl. 13):
CORREIÇÃO PARCIAL. TENTATIVA DE HOMICÍDIO QUALIFICADO. PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTOS. PROIBIÇÃO DA UTILIZAÇÃO, EM PLENÁRIO, DE HISTÓRICO CRIMINAL DO RÉU E A CONSULTA DE PRESO E INDIVÍDUO E DA CERTIFICAÇÃO DOS ANTECEDENTES JUDICIAIS E INFRACIONAIS DO RÉU. INTIMAÇÃO PRÉVIA DO ACUSADO DA SESSÃO PLENÁRIA. DESCABIMENTO. INVERSÃO TUMULTUÁRIA DE ATOS E FÓRMULAS LEGAIS NÃO CONFIGURADA. 1. O art. 478 do CPP não prevê óbice à utilização, em Plenário, de ocorrências policiais, histórico prisional, antecedentes judiciais/infracionais e documentos afins (como sentenças e denúncias, ainda que atinentes a outros fatos). Ocorre que, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o rol previsto no artigo referido acima é taxativo, de modo que: (i.) é possível a menção do histórico criminal do réu e documentos afins no plenário; e (ii.) deve haver a certificação dos antecedentes judiciais e infracionais, conforme requerido pelo ente ministerial. Precedentes deste Tribunal de Justiça. 2. No que tange ao pedido defensivo de intimação do réu com 10 dias de antecedência da sessão plenária, não constato nenhuma ilegalidade flagrante a ensejar o deferimento do pedido, até mesmo porque restou consignado pelo Magistrado que a intimação se dará com toda a antecedência possível nas circunstâncias do caso concreto e, destacando, ainda, a possibilidade da defesa tentar contato prévio com o acusado, se assim entender. CORREIÇÃO PARCIAL IMPROCEDENTE.
No presente mandamus, a defesa aduz, em síntese, que devem ser desentranhados dos autos os documentos referentes à Consultas de Preso e de Indivíduo e a "Consulta Histórico Criminal", porquanto não demonstrada sua relevância para o esclarecimento dos fatos. Destaca que a folha de antecedentes se revela suficiente para instruir eventual dosimetria.
Pugna, liminarmente e no mérito, pelo desentranhamento dos documentos e, subsidiariamente, pela sua não utilização em Plenário como argumento de autoridade. Em 17/1/2025, o pedido liminar foi indeferido pela Presidência do STJ (e-STJ fls. 728/729).
As informações foram prestadas pelo Juízo de primeiro grau, segundo o qual "Em 10 de janeiro de 2025, a sessão de julgamento foi transferida, com o escopo de readequar a pauta, sobretudo em razão de réus presos, designando-se o dia 26 de novembro de 2025 para julgamento" (e-STJ fls. 735/738).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do habeas corpus, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 744):
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. PENAL. TRIBUNAL DO JÚRI. REFERÊNCIA A ANTECEDENTES CRIMINAIS EM PLENÁRIO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE MANIFESTA. PARECER PELO NÃO CONHECIMENTO DO HABEAS CORPUS.
É o relatório. Decido.
O Supremo Tribunal Federal, por sua Primeira Turma, e a Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, diante da utilização crescente e sucessiva do habeas corpus, passaram a restringir a sua admissibilidade quando o ato ilegal for passível de impugnação pela via recursal própria, sem olvidar a possibilidade de concessão da ordem, de ofício, nos casos de flagrante ilegalidade.
Nesse sentido, confiram-se os seguintes julgados, exemplificativos dessa nova orientação das Cortes Superiores do País: HC n. 320.818/SP, Relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 21/5/2015, DJe de 27/5/2015, e STF, HC n. 113.890/SP, Relatora Ministra ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 3/12/2013, DJe de 28/2/2014. Mais recentemente: STF, HC n. 147.210-AgR, Relator Ministro EDSON FACHIN, DJe de 20/2/2020; HC n. 180.365-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 27/3/2020; HC n. 170.180-AgR, Relatora Ministra CARMEM LÚCIA, DJe de 3/6/2020; HC n. 169.174-AgR, Relatora Ministra ROSA WEBER, DJe de 11/11/2019; HC n. 172.308-AgR, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 17/9/2019; HC n. 174.184-AgRg, Relator Ministro LUIZ FUX, DJe de 25/10/2019. STJ: HC n. 563.063-SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 10/6/2020; HC n. 323.409/RJ, Relator p/ acórdão Ministro FELIX FISCHER, Terceira Seção, julgado em 28/2/2018, DJe de 8/3/2018; e HC n. 381.248/MG, Relator p/ acórdão Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Terceira Seção, julgado em 22/2/2018, DJe de 3/4/2018.
Assim, de início, incabível o presente habeas corpus substitutivo de recurso. Todavia, em homenagem ao princípio da ampla defesa, passa-se ao exame da insurgência, para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal passível de ser sanado pela concessão da ordem, de ofício.
Conforme relatado, a defesa se insurge, em síntese, contra a juntada "das Consultas de Preso e de Indivíduo, extraídas diretamente do Sistema INFOSEG, e da 'Consulta Histórico Criminal', emitida unilateralmente pelo Ministério com base no Sistema INFOSEG, sem que a acusação justifique os motivos pelos quais tais documentos seriam relevantes para o esclarecimento dos fatos contidos na denúncia".
Como é de conhecimento, o art. 422 do Código de Processo Penal autoriza a juntada de documentos e o requerimento de diligências, não se verificando, portanto, constrangimento ilegal na juntadas do histórico criminal do paciente, uma vez que este pode auxiliar na aferição dos requisitos da prisão preventiva bem como na dosimetria da pena, na hipótese de condenações anteriores com trânsito em julgado.
Nada obstante, a Quinta Turma, em voto da minha relatoria, já se manifestou no sentido de que, "em se tratando do exame dos elementos de um crime, em especial daqueles dolosos contra a vida, o fato não se torna típico, antijurídico e culpável por uma circunstância referente ao autor ou aos seus antecedentes, mesmo porque, se assim o fosse, estaríamos perpetuando a aplicação do Direito Penal do Autor, e não o Direito Penal do Fato".
A propósito: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSOju ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. FRAUDE PROCESSUAL E CORRUPÇÃO DE MENORES EM CONEXÃO COM O HOMICÍDIO. PEDIDO DE DESENTRANHAMENTO DE CÓPIA DE DENÚNCIA OFERECIDA EM OUTRO PROCESSO E SOBRE OUTRO FATO JUNTADA PELO ÓRGÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E VEDAÇÃO DE MENCIONÁ-LA EM EVENTUAL SESSÃO PLENÁRIA NO TRIBUNAL DO JÚRI. 1. No procedimento dos crimes dolosos contra a vida, a lei processual penal admite a juntada de documentos pelas partes, mesmo após a sentença de pronúncia, a teor do art. 422 do Código de Processo Penal (HC n. 373.991/SC, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe de 1º/2/2017). 2. No entanto, na espécie, o Ministério Público juntou aos autos cópia de denúncia por crime de roubo e corrupção de menores onde dois dos corréus respondem em outra comarca, delitos, em tese, praticados após os crimes denunciados na ação penal vinculada à presente impetração. Assim, inexiste vínculo probatório entre o roubo e os fatos relacionados à imputação dos crimes de competência do Tribunal do Júri. Também o segundo fato (roubo), por ser posterior, não pode ser utilizado como maus antecedentes, tampouco reconhecer como negativa as circunstâncias da personalidade do agente e de sua conduta social (HC n. 366.639/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017). 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no RHC n. 80.551/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/11/2017, DJe de 1/12/2017.)
No mesmo sentido, confira-se julgado mais recente sobre o tema:
PROCESSO PENAL. CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA. TRIBUNAL DO JÚRI. JUNTADA DE ANTECEDENTES INFRACIONAIS DO ACUSADO. RESPEITO AO ART. 422 DO CPP. UTILIZAÇÃO DE TAIS DOCUMENTOS COMO ARGUMENTO DE AUTORIDADE NA SESSÃO PLENÁRIA DO TRIBUNAL DO JÚRI (DIREITO PENAL DO AUTOR). IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. No procedimento dos crimes dolosos contra a vida, a lei processual penal admite a juntada de documentos pelas partes, mesmo após a sentença de pronúncia, a teor do art. 422 do Código de Processo Penal (HC n. 373.991/SC, Relator Ministro Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe de 1º/2/2017). 2. Assim, inexiste constrangimento ilegal na juntada, a tempo e modo, dos antecedentes policial e judicial do réu, inclusive os antecedentes infracionais. 3. No entanto, em se tratando do exame dos elementos de um crime, em especial daqueles dolosos contra a vida, o fato não se torna típico, antijurídico e culpável por uma circunstância referente ao autor ou aos seus antecedentes, mesmo porque, se assim o fosse, estaríamos perpetuando a aplicação do Direito Penal do Autor, e não o Direito Penal do Fato. Desse modo, para evitar argumento de autoridade pela acusação, veda-se que a vida pregressa do réu seja objeto de debates na sessão plenária do Tribunal do Júri. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg nos EDcl no HC n. 920.362/RS, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 2/9/2024, DJe de 4/9/2024.)
Nesse contexto, verifica-se que o constrangimento ilegal não reside na mera juntada do histórico criminal pelo Ministério Público, mas na utilização dessas informações como argumentos de autoridade no Plenário do Júri. Pelo exposto, não conheço do mandamus. Porém concedo a ordem de ofício, apenas para que os documentos que não guardam relação com os fatos, nem interferem na dosimetria, não sejam utilizados como argumentos de autoridade em Plenário. Publique-se.
Relator
REYNALDO SOARES DA FONSECA
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