STJ Mar25 - Revogação de Prisão Preventiva - Homicídio Qualificado - Excesso de Prazo - 4 anos preso sem data do júri

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de recurso em habeas corpus com pedido de liminar interposto por MARCELO XXXXXX contra acórdão do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS (1.0000.24.496560-4/000). Segundo consta dos autos, o recorrente foi preso preventivamente em 18 de dezembro de 2021, sendo denunciado em 6 de fevereiro de 2022 pela suposta prática de crime submetido ao Tribunal do Júri.

A decisão de pronúncia foi proferida em 2 de setembro de 2022 e confirmada em grau recursal em 21 de março de 2023. Desde então, o processo segue na fase de interposição de recursos extraordinários, sem que haja designação do julgamento pelo Tribunal do Júri.

A defesa impetrou habeas corpus na Corte estadual alegando excessiva demora no julgamento do réu. O Tribunal estadual, contudo, não conheceu do writ, recebendo o acórdão a seguinte ementa (e-STJ fl. 1871):

EMENTA: HABEAS CORPUS – HOMICÍDIO QUALIFICADO – ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA – NEGATIVA DE AUTORIA – AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO NA DECISÃO QUE PRONUNCIOU O PACIENTE - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO JÁ JULGADO – ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO NA FORMAÇÃO DA CULPA – AUTOS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA JULGAMENTO DE RECURSOS INTERPOSTOS PELA DEFESA – INCOMPETÊNCIA DESTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA ANÁLISE DA PRETENSÃO DEDUZIDA – ORDEM NÃO CONHECIDA. Em face do julgamento do Recurso em Sentido Estrito por esta Terceira Câmara Criminal, confirmando a sentença de pronúncia, este Eg. Tribunal de Justiça passou a ser a autoridade coatora e, por conseguinte, não pode analisar as alegações concernentes à negativa de autoria. Da mesma forma, tratando-se de alegação de excesso de prazo decorrente de ato oriundo do colendo Superior Tribunal de Justiça, a Constituição Federal atribui competência, em matéria de habeas corpus originário, ao excelso Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea "i", da CF.

Em suas razões, a defesa alega constrangimento ilegal devido ao excesso de prazo para a formação da culpa, considerando que acusado está preso desde 18/12/2021, totalizando três anos de encarceramento, sem que tenha sido marcada a data para o julgamento no Tribunal do Júri. Afirma, ainda, que a demora processual não pode ser atribuída ao recorrente ou à sua defesa, especialmente porque o andamento do feito não está condicionado ao trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

Destaca, ainda, que a morosidade na tramitação processual compromete os direitos fundamentais do paciente, violando os princípios da dignidade da pessoa humana, razoável duração do processo e celeridade processual. Diante desse quadro, pede, em liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva do recorrente.

A liminar foi indeferida (e-STJ fls. 1715/1716). A informações foram prestadas (e-STJ fls. 1646/1699) e o Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso, em parecer assim resumido (e-STJ fls. 1721/1726):

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. HOMICÍDIO QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE EXCESSO DE PRAZO. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA JÁ PROFERIDA. SÚMULA 21 DO STJ. ESTRATÉGIA DA DEFESA. REGULAR TRAMITAÇÃO DO FEITO. AUSÊNCIA DE DESÍDIA DA AUTORIDADE ESTATAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO RECURSO COM A RECOMENDAÇÃO PARA QUE SE IMPRIMA CELERIDADE AO JULGAMENTO DO RÉU PELO TRIBUNAL DO JÚRI. – In casu, a instrução processual já foi concluída e o réu já foi pronunciado. Assim, o alegado excesso de prazo para a formação da culpa resta superado, consoante entendimento sedimentado na Súmula 21 desse Superior Tribunal de Justiça: “Pronunciado o réu, fica superada a alegação do constrangimento ilegal da prisão por excesso de prazo na instrução”. – Ademais, após a pronúncia, o alegado excesso de prazo para a realização do julgamento do recorrente pelo Tribunal do Júri decorre de diversos recursos interpostos pela defesa, sem situação de inércia ou descuido do Poder Judiciário. – Parecer pelo não provimento do recurso ordinário, com a recomendação de que se imprima celeridade com vistas ao julgamento do ora recorrente pelo Tribunal do Júri.

É o relatório, Decido.

Busca-se, no presente recurso, a revogação da prisão preventiva do recorrente, acusado da suposta prática do crime de homicídio, por excesso de prazo para ser julgado pelo Tribunal do júri. A defesa sustenta que o recorrente foi preso preventivamente em 18 de dezembro de 2021 e que ainda não houve designação de data para que seja realizada a sessão do Tribunal do Júri.

A Constituição Federal, no art. 5º, inciso LXXVIII, prescreve: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

No entanto, essa garantia deve ser compatibilizada com outras de igual estatura constitucional, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório que, da mesma forma, precisam ser asseguradas às partes no curso do processo.

Assim, segundo a jurisprudência desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, eventual constrangimento ilegal por excesso de prazo não resulta de um critério aritmético, mas de uma aferição realizada pelo julgador, à luz dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, levando em conta as peculiaridades do caso concreto, de modo a evitar retardo abusivo e injustificado na prestação jurisdicional.

Acerca da alegação, assim se manifestou o Tribunal (e-STJ fl. 1820):

Conforme apontado linhas acima, o recurso em sentido estrito contra a decisão que pronunciou o paciente foi julgado em 21.03.2023, sendo opostos embargos que foram acolhidos, sem efeitos infringentes, em 11.04.2023. Logo em seguida, foi interposto recurso especial, que foi inadmitido. Conforme consta do andamento dos autos, 1.0000.22.299296- 8/004, foi interposto agravo em recurso especial, estando os autos aguardando retorno de decisão a ser proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. Consultando o site do Superior Tribunal de Justiça, verifica-se a interposição de Agravo em Recurso Especial, Agravo Regimental em Agravo em Recurso Especial e Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial, entre outros recursos que podem ter sido omitidos na pesquisa através da consulta pública. Assim, em razão da interposição de inúmeros recursos do paciente, inviável se mostra a análise de suposto constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa por se tratar de ato decorrente do Superior Tribunal de Justiça.

Conforme demonstrado, o recurso em sentido estrito interposto contra a decisão de pronúncia foi julgado em 21/3/2023, sendo posteriormente opostos embargos de declaração, acolhidos sem efeitos modificativos, em 11/4/2023.

Em sequência, foram interpostos recurso especial e agravo em recurso especial, atualmente pendentes de decisão no Superior Tribunal de Justiça. Primeiro, não se pode desconsiderar que a interposição de sucessivos recursos pela própria defesa impõe à jurisdição um tempo necessário para sua análise e julgamento pelas instâncias competentes.

Tais recursos, ainda que legítimos e previstos no ordenamento jurídico, naturalmente impactam o andamento do feito. Assim, não é razoável que a defesa se utilize desses mesmos recursos como fundamento para alegar excesso de prazo sem indicar de forma concreta e individualizada em que consistiria a suposta demora abusiva.

A simples existência de lapso temporal, sem demonstração clara de inércia indevida do Judiciário, não configura, por si só, constrangimento ilegal. Por outro lado, cumpre destacar que tais recursos não possuem efeito suspensivo, de modo que, uma vez julgado o recurso em sentido estrito, a ação penal pode e deve seguir seu curso regular, inclusive com o prosseguimento rumo à fase do julgamento pelo Tribunal do Júri.

Dessa forma, o argumento de que a tramitação de recursos perante o STJ impediria o andamento do feito não se sustenta juridicamente. Isso porque a alegação de excesso de prazo na formação da culpa, especificamente quanto à omissão do juízo de primeiro grau em não designar data para o julgamento pelo júri, insere-se no campo de atuação do Tribunal estadual, que passa a ser a autoridade competente para examinar eventual constrangimento ilegal.

A ausência de efeito suspensivo nos recursos interpostos reforça que não há impedimento legal para a continuidade do processo, e, portanto, não se justifica, a princípio, a paralisação da marcha processual.

Assim, diante da inércia do juízo de origem em adotar as medidas necessárias ao prosseguimento da ação penal, deve o Tribunal conhecer do writ e examinar a alegação de excesso de prazo, sob pena de se perpetuar uma indevida restrição à liberdade do paciente.

Nesse sentido, mutatis mutandis:

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA EM 12.09.06. EXCESSO DE PRAZO. HC NÃO CONHECIDO PELO TRIBUNAL A QUO, SOB A ASSERTIVA DE REITERAÇÃO DE PEDIDO. SITUAÇÃO RENOVÁVEL COM O TEMPO. POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE NOVO WRIT. PARECER DO MPF PELO NÃO CABIMENTO DO HC, COM RECOMENDAÇÃO. ORDEM CONCEDIDA, PARA QUE O TRIBUNAL A QUO CONHEÇA E JULGUE A IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA COMO ENTENDER DE DIREITO. 1. A assertiva de constrangimento ilegal por excesso de prazo não preclui por anterior análise da questão em HC pelo órgão fracionário do Tribunal, podendo ser reiterado o pedido em momento posterior; isso porque, com o decurso do tempo, nova situação de fato pode determinar o reconhecimento do excesso e, portanto, a concessão da ordem para sanar a coação ilegal. 2. Ordem concedida, tão somente para determinar que o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia julgue o mérito do HC 46.261-6/2007 e analise a alegação de excesso de prazo para a finalização da instrução processual como entender de direito. (HC n. 97.508/BA, relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Quinta Turma, julgado em 4/6/2009, DJe de 29/6/2009.)

Ante o exposto, com fundamento no art. 34, XX, do RISTJ, concedo a ordem de habeas corpus para determinar que o Tribunal analise a alegação de excesso de prazo suscitada pela defesa. Intimem-se.

Relator

REYNALDO SOARES DA FONSECA

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 209912 - MG (2025/0006834-5) RELATOR : MINISTRO REYNALDO SOARES DA FONSECA, Publicação no DJEN/CNJ de 27/03/2025)

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