STJ Mar25 - Revogação de Prisão Preventiva - Estupro de Vulnerável :(i) Não ter sido localizado para ser citado não equivale a fuga; (ii) gravidade abstrato do crime; (iii) Fatos antigos 2012-14

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

C. DE S. F. alega sofrer coação ilegal em seu direito de locomoção, em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás no Recurso em Sentido Estrito n. 479583-46.2022.8.09.0175.

Em suas razões, a defesa sustenta, em síntese, que o acórdão que decretou a prisão preventiva do paciente – acusado da prática do delito de estupro de vulnerável – seria carente de fundamentação idônea.

Afirma que apenas o fato de não haver sido encontrado para citação é insuficiente para justificar a segregação cautelar. Requer, assim, a revogação da prisão preventiva do acusado.

Decido.

Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática do crime previsto no art. 217-A, c/c o art. 226-A, II, do Código Penal. O Juiz de primeiro grau determinou a suspensão do processo e do prazo prescricional, mas indeferiu o pedido de prisão preventiva do acusado, com amparo na seguinte fundamentação (fls. 376-378, grifei):

No caso em tela, verifico que a denúncia imputa ao acusado o crime descrito no artigo 217-A, do Código Penal. Neste sentido, a cautelar extrema seria passível de decretação, tendo em vista que a pena máxima em abstrato ultrapassa 04 (quatro) anos (Código Penal, artigo 217-A). Todavia, cumpre consignar que, apesar da gravidade em abstrato do suposto fato praticado, não vislumbro que a prisão preventiva seja necessária para garantir a ordem pública ou a instrução processual, neste momento, por ausência de contemporaneidade. Consta nos autos que os supostos fatos delituosos teriam ocorrido entre os anos de 2012 e 2014. Além disso, não há notícias nos autos de outros fatos novos aptos a justificarem a decretação da segregação cautelar do acusado. Neste mesmo sentido caminha a jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, in verbis: [...] Ademais, o simples fato do acusado não ter sido encontrado para ser citado, por si só, não é motivo idôneo para decretação da cautelar extrema. Aliás, neste sentido são as jurisprudências do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e do Superior Tribunal de Justiça: [...] Ante o exposto, INDEFIRO o requerimento ministerial de decretação da prisão preventiva do acusado [C DE S F] (evento 74). Noutra esteira, DEFIRO o outro requerimento ministerial (evento 74) e, por conseguinte, DETERMINO a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, contados a partir da presente decisão. Certificado o transcurso do prazo da suspensão, deverá voltar a correr o prazo prescricional suspenso (STJ, HC 159429/SP) pelo tempo restante, levando-se também em consideração a data do recebimento da denúncia (28.02.2024 - único marco interruptivo - evento 48). Aguarde-se o decurso do prazo indicado no artigo 109, inciso I, do Código Penal.

O Tribunal de origem, por sua vez, deu provimento ao recurso em sentido estrito ministerial e decretou a segregação cautelar do acusado nos seguintes termos (fl. 23, destaquei):

No caso, o periculum libertatis é evidenciado, num primeiro momento, pelo modus operandi empregado pelo recorrido, em virtude de ter supostamente praticado em continuidade delitiva diversos crimes de estupro de vulnerável contra a própria filha, ao longo de dois anos (entre 2012 e 2014), tendo iniciado a prática quando a menor contava com 07 (sete) anos de idade. Ademais, o fato de o recorrido ter se evadido do distrito da culpa logo após ser confrontado pela sua amásia, genitora da vítima, que afirmara na ocasião que chamaria a polícia, ainda no ano de 2015. Quase dez anos após os fatos, ainda não foi localizado, a despeito das diversas tentativas de localização realizadas em sede policial e pelo Poder Judiciário (fls. 24, 43 e 49 do PDF – mov. 01; e movs. 55, 57, 59 e 61). No presente caso, esgotadas todas as possibilidades de localização do acusado, inclusive com a sua citação por edital, evidencia-se a intenção do recorrido de se furtar à aplicação da lei penal, sendo imprescindível a decretação de sua prisão preventiva, que poderá e deverá ser imediatamente revista após o recorrido ser localizado, se constatada a suficiência de medidas cautelares diversas ou a desnecessidade de mantê-lo preso. Desse modo, tem-se que é possível a decretação da prisão preventiva sob dois fundamentos. O primeiro, voltado a evitar manobras do acusado que dificultem a investigação ou a instrução criminal e, o segundo, para cautelar a garantia da ordem pública, evitando, assim, a reiteração criminosa. No caso, a gravidade da conduta em concreto, bem como o modus operandi empregado pelo denunciado, que supostamente praticou por anos a fio (até ser descoberto) o crime de estupro de vulnerável contra a sua filha recomendam a segregação cautelar, a fim de preservar a integridade física e psicológica da vítima, bem como para evitar a reiteração criminosa. Além disso, o fato de se ocultar há quase dez anos, não sendo ouvido sequer em sede policial, orientam a decretação da prisão cautelar para garantia da aplicação da lei penal, considerando que até o momento não fora localizado para ser citado.

O writ comporta pronta solução, por decisão monocrática, pois existe entendimento pacífico sobre o tema. Deveras, "[o] avanço para julgamento in limine de questões pacificadas pelo colegiado, com lastro no art. 34, XVIII, 'b', do RISTJ, está em consonância com o princípio da efetiva entrega da prestação jurisdicional e visa a otimizar o processo e seus atos, para viabilizar sua razoável duração e a concentração de esforços em lides não iterativas (AgRg no HC n. 659.494/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., D Je 24/6/2021)" (AgRg no HC n. 736.796/SC, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., D Je 16/5/2022).

A prisão preventiva é compatível com a presunção de não culpabilidade do acusado desde que não assuma natureza de antecipação da pena e não decorra, automaticamente, do caráter abstrato do crime ou do ato processual praticado (art. 313, § 2º, CPP).

Além disso, a decisão judicial deve apoiar-se em motivos e fundamentos concretos, relativos a fatos novos ou contemporâneos, dos quais se possa extrair o perigo que a liberdade plena do investigado ou réu representa para os meios ou os fins do processo penal (arts. 312 e 315 do CPP).

O Tribunal de origem decretou a prisão preventiva do acusado, cerca de onze anos após o crime, com base tão somente no fato de ele não haver sido encontrado para a citação. Importante ressaltar, ainda, que o paciente já não havia sido localizado na fase de inquérito, tudo a indicar que ele nem sequer sabia da existência do processo criminal.

Destarte, segundo o entendimento desta Corte Superior, "a simples não localização do réu para responder ao chamamento judicial ou o fato de encontrar-se em local incerto e não sabido não constitui motivação suficiente para o encarceramento provisório, quando dissociado de qualquer outro elemento real que indique a sua condição de foragido. Não cabe deduzir que, frustrada a notificação ou a citação editalícia no processo penal, o acusado estaria evadido" (AgRg no RHC n. 167.214/TO, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 6ª T., DJe 6/10/2022, grifei).

Nesse mesmo sentido:

[...] 3. Não obstante a decisão primeva e o acórdão combatido tenham justificado a necessidade da custódia cautelar para assegurar a aplicação da lei penal, uma vez que o Réu não foi localizado, mesmo após várias tentativas, constato que não foi indicado nenhum elemento concreto que evidenciasse a intenção do Recorrente de se furtar ao processo. 4. A 6.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça entende "que o perigo para a aplicação da lei penal não deflui do simples fato de se encontrar o réu em lugar incerto e não sabido. Não há confundir evasão com não localização" (STJ, RHC 50.126/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 19/10/2015.). 5. Recurso ordinário em habeas corpus provido para revogar o decreto de prisão preventiva do Recorrente, se por al não estiver preso, sem prejuízo de nova decretação ou da imposição de medidas cautelares alternativas, desde que devidamente fundamentadas. (RHC n. 104.362/RN, Rel. Ministra Laurita Vaz, 6ª T., DJe 19/8/2019, destaquei) HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA 6 ANOS APÓS OS FATOS. FUNDAMENTO. NÃO LOCALIZAÇÃO DO RÉU. REVELIA. ELEMENTO INIDÔNEO. EVIDÊNCIA DE ILEGALIDADE. LIMINAR CONFIRMADA. 1. A simples ausência do réu, citado por edital, não é fundamento bastante para decretar a prisão cautelar, pois o desaparecimento do agente do distrito da culpa não leva, necessariamente, à conclusão de que pretenda ele se furtar à aplicação da lei penal. Precedentes. 2. Na espécie, a custódia do paciente foi decretada, mais de 6 anos após os fatos, somente em razão da revelia, o que configura nítido constrangimento ilegal. 3. Ordem concedida, confirmando-se a liminar deferida, para cassar o acórdão atacado e restabelecer a decisão do Juízo de primeiro grau, que indeferiu o pedido do Ministério Público de decretação da prisão cautelar do ora paciente (Processo n. 0013566-19.2010.8.26.0405, da 4ª Vara Criminal da comarca de Osasco). (HC n. 371.642/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 19/3/2019, grifei)

À vista do exposto, concedo a ordem para tornar sem efeito o acórdão que decretou a prisão preventiva do paciente, sem prejuízo da decretação de nova prisão ou da imposição de medidas cautelares alternativas, desde que devidamente fundamentadas pelo Juízo de origem. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 989830 - GO (2025/0095054-1) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 25/03/2025)

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