STJ Mar25 - Tráfico Transnacional - Inépcia da Inicial - Trancamento da Ação Penal - Encomenda Apreendida em Aeroporto em nome do Réu :(i) 150g de maconha; (ii) ausência de descrição fática sobre a traficância, como venda e etc

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)


DECISÃO

Trata-se de habeas corpus impetrado em benefício de XXXXXXX DURGANTE, em que se aponta como autoridade coatora o TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO (Habeas Corpus n. 5009965-21.2020.4.02.0000).

Consta dos autos que o paciente foi denunciado como incurso no crime de tráfico transnacional de drogas (Ação Penal n. 5040192-17.2020.4.02.5101). Narra a denúncia que, em ação fiscalizatória de rotina, havida em 26/03/2018, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, foi apreendido um pacote proveniente dos Estados Unidos da América, contendo no seu interior substância entorpecente, e cujo destinatário era o denunciado EDUARDO ALVARES DURGANTE (fls. 49/50).

Aqui, alegam os impetrantes constrangimento ilegal consistente na manutenção do trâmite da ação penal, ao argumento de que o in dubio pro societate não pode justificar o recebimento de denúncia quando ausentes as condições da ação, sobretudo a justa causa (fl. 10).

Sustentam que o Parquet embasa sua pretensão acusatória em uma “presunção” negativa, no sentido de que não se poderia partir do princípio de que as 150 gramas de maconha apreendidas no aeroporto seriam destinadas ao consumo pessoal.

Se não se pode presumir que a droga era destinada para consumo pessoal, na mesma medida não se pode presumir que era destinada à traficância (fl. 10) Postulam, então, o trancamento da ação penal.

Deferi o pedido liminar para suspender a ação penal até o julgamento de mérito do presente habeas corpus (fls. 482/485). Prestadas as informações (fls. 493/534), o Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ, se conhecido, pela denegação da ordem (fls. 536/541):

HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCES- SUAL PENAL. TRÁFICO TRANSNACIONAL. PE- DIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. Não é cabível habeas corpus substitutivo de recurso, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. 2. O trancamento de ação penal pela via do habeas corpus é medida excepcional, exigindo-se inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não se constata na hipótese dos autos. Precedentes do STJ. 3.

Parecer pelo não conhecimento do writ. Se acaso conhecido, pela denegação da ordem.

É o relatório.

Busca a impetração o trancamento da ação penal – na qual se atribui ao paciente o delito de tráfico de drogas –, ao argumento de inépcia da denúncia, pois, em momento algum, o órgão acusador logrou comprovar, ao menos, a intenção de realizar a traficância da substância apreendida. Necessário confirmar a liminar anteriormente deferida.

Confiram-se, no que interessa, trechos da inicial acusatória apresentada pelo Ministério Público estadual (fls. 49/51 - grifo nosso):

[...] Em ação fiscalizatória de rotina, havida em 26/03/2018, no aeroporto internacional do Rio de Janeiro, foi apreendido um pacote proveniente dos Estados Unidos da América, contendo no seu interior substância entorpecente, e cujo destinatário era o denunciado EDUARDO ALVARES DURGANTE. A caixa, registrada sob o n° CX190144785US, foi postada por Lúcio Durgante na cidade de San Diego, Califórnia. No evento 04, consta o Laudo de Perícia Criminal Federal n° 061/2019 que atestou haver no interior da caixa apreendida 01 (um) tablete de material vegetal prensado, perfazendo a massa correspondente a 153,06 g (cento e cinquenta e três gramas e seis centigramas) de TETRAIDROCANABINOL, princípio ativo da planta Cannabis sativa Linneu, conhecida vulgarmente como "maconha". Ouvido em sede policial, o denunciado afirmou ser usuário de maconha desde a adolescência e que um amigo, de nome Justin Latronic, enviou-lhe a droga (skunk), uma vez que seu uso é lícito no local de origem. Agindo conforme exposto, o denunciado incorreu na prática do crime capitulado no art. 33, caput c/c art. 40, I da Lei nº 11.343/2006, uma vez que importou drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar. Muito embora EDUARDO ALVARES DURGANTE tenha afirmado ser usuário de maconha desde a adolescência, e, assim, querer fazer crer que a droga se destinasse a consumo pessoal, não é possível afastar o dolo da conduta. Veja-se que a quantidade importada não inviabiliza o comércio do produto, não se podendo afirmar ou presumir o exclusivo uso pessoal. Inúmeras unidades de cigarro podem ser confeccionadas com essa quantidade de maconha, que não se mostra ínfima ou desprezível. Frise-se que não há que se falar, portanto, na aplicação do princípio da insignificância, sendo relevante a quantidade de droga apreendida. Dessa forma, não restam dúvidas da materialidade e autoria do delito, uma vez ter o denunciado importado substância entorpecente, sendo a droga proveniente do exterior. [...]

Da atenta análise da inicial acusatória apresentada pelo órgão da acusação, observo que, de fato, ainda que tenha sido apreendida certa quantidade de droga, as provas apuradas não fornecem evidências que autorizem confirmar a traficância.

Dessa forma, não sendo a quantidade expressiva (153,06 g de maconha) e, inexistindo circunstâncias que denotem a disseminação, a conduta em questão caracteriza mais o consumo do que a traficância, mácula que impede o efetivo exercício do contraditório e da ampla defesa.

Assim, considerando a apreensão de quantidade não expressiva de droga e a ausência de juízo de certeza quanto aos elementos indicativos da comercialização do entorpecente, afigura-se mais razoável, considerando-se o princípio da presunção de inocência, adotar-se a interpretação mais favorável ao imputado (AgRg no HC n. 701.456/SC, Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF/1ª Região), Sexta Turma, DJe 1º/4/2022). Nessa mesma linha, dentre outros, o HC n. 727.297/SP, Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 24/5/2022; e o HC n. 656.311/SP, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 29/4/2021.

Em face do exposto, concedo a ordem impetrada para trancar a Ação Penal n. 5040192-17.2020.4.02.5101, em trâmite perante a 3ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro. Comunique-se com urgência. Publique-se.

Relator

SEBASTIÃO REIS JÚNIOR

(STJ - HABEAS CORPUS Nº 629310 - RJ (2020/0313785-6) RELATOR : MINISTRO SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Publicação no DJEN/CNJ de 25/03/2025.)

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