STJ Fev24 - Revogação de Prisão Preventiva - Lei de Drogas - Quantidade Ínfima
HABEAS CORPUS Nº 889046 - ES (2024/0033657-0)
RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS
IMPETRANTE : SUED JORDAN GOMES DE SANTA RITA
DECISÃO
Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, com pedido liminar, impetrado em favor de JOAO XXXXXXXXXX , contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - HC n. 5008706-82.2023.8.08.0000.
Extrai-se dos autos que o paciente encontra-se preso preventivamente em razão da suposta prática do delito tipificado no art. 33, caput, da Lei 11.343/06.
A defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de origem, que denegou a ordem, nos termos do acórdão de fls. 20-24, assim ementado, verbis:
"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NEGATIVA DE AUTORIA EDESCLASSIFICAÇÃO DO DELITO. VIA IMPRÓPRIA. VIOLAÇÃO AO DOMICÍLIO. NÃO OCORRÊNCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA NÃO EVIDENCIADA. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. IMPOSSIBILIDADE. PRESENÇA DOSREQUISITOS E PRESSUPOSTOS DOS ARTIGOS 312 E 313 DO CPP. NECESSIDADE E ADEQUAÇÃO DO ACAUTELAMENTO. PRISÃOFUNDAMENTADA NA NECESSIDADE DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. INADEQUAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. CONSTRANGIMENTOILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA.
1. A tese de negativa de autoria e o pedido de desclassificação do delito de tráfico de entorpecentes são matérias que demandam aprofundado exame de provas, o que se mostra impróprio na via estreita do Habeas Corpus.
2. O crime de tráfico de entorpecentes, por possuir natureza permanente, prescinde demandado de busca e apreensão, autorizando, por conseguinte, a entrada da Polícia Militar na residência onde ocorre a suposta ação delitiva, não havendo que se falar em invasão de domicílio ou ilegalidade da prisão em flagrante.3. Não acarreta constrangimento ilegal a manutenção da custódia cautelar fundada na presença de elementos concretos indicando a necessidade da manutenção da medida extrema como forma de garantia da ordem pública, mormente pelo risco de reiteração delitiva, quando as medidas cautelares alternativas previstas no artigo 319 do CPP não se mostram suficientes.
4. As condições pessoais favoráveis, por si sós, não autorizam a revogação da prisão preventiva do agente. 5. Ordem denegada."
Neste writ, o impetrante alega, em suma, que houve invasão de domicílio, na medida em que a localização da substância entorpecente foi encontrada após o ingresso no interior da residência do paciente, em razão de denúncia anônima, sem o seu consentimento válido e sem autorização judicial.
Aduz ausência de fundamentação da prisão preventiva, em razão da quantidade ínfima de droga - 18g de haxixe.
Requer a concessão da ordem, inclusive liminarmente, para que seja revogada a prisão preventiva do paciente com aplicação das medidas cautelares do art. 319 do CPP. Pleiteia, ainda, no mérito, o reconhecimento da ilicitude da prova, com seu consequente desentranhamento e trancamento da ação penal.
É o relatório.
Decido.
A concessão de liminar em recurso em habeas corpus constitui medida excepcional, uma vez que somente pode ser deferida quando demonstrada, de modo claro e indiscutível, a ilegalidade no ato judicial impugnado.
Na espécie, vislumbra-se, ao menos neste instante, a presença de pressuposto autorizativo da concessão, em parte, da tutela de urgência pretendida.
A custódia cautelar foi mantida pelo Tribunal de origem, nos seguintes termos:
"Noutro norte, verifico que, a decisão que indeferiu o pedido de revogação da segregação preventiva, encontra-se devidamente fundamentada, demonstrando a necessidade para a garantia da ordem pública, diante da periculosidade do paciente, esboçada na sua contumácia delitiva, já que possui 01 (uma) condenação pelo crime de tráfico de drogas, o que fortalece a necessidade da manutenção de seu cárcere.
Por este motivo, não é razoável aplicação de medidas cautelares diversas, vez que não se mostraram suficientes e adequadas para garantia da ordem pública.
Ressalte-se, ainda, que está preenchido o requisito previsto no artigo 313, inciso I, do Código de Processo Penal, já que o delito de tráfico de drogas, imputado ao paciente, possui pena máxima superior a 04 (quatro) anos.
Por fim, no que tange à alegada condição pessoal favorável do paciente (residência fixa no distrito da culpa), ainda que existente, não é isoladamente suficiente a justificar uma ordem de soltura"(e-STJ, fls. 23-24)
Consoante se verifica, ao que tudo indica, a prisão cautelar encontra fundamento na garantia da ordem pública, consoante autoriza o art. 312 do CPP, uma vez que o recorrente possui condenação pelo delito de tráfico de drogas.
Todavia, embora tenha sido indicado fundamento idôneo para se inferir a reiterada atividade delitiva do agente e, sendo assim, justificar a prisão cautelar com o fim de resguardar a ordem pública, observa-se, in casu, que a conduta a ele atribuída não se revela de maior periculosidade social - apreensão de 18 g de haxixe.
Nesse contexto, por ora, recomenda-se a substituição da prisão preventiva por outra medidas cautelares do art. 319 do CPP, atenta a previsão constitucional da segregação cautelar como ultima ratio.
A propósito:
"HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. NÃO CABIMENTO. TRÁFICO DE ENTORPECENTES MAJORADO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA. DESPROPORCIONALIDADE DA CUSTÓDIA. POUCA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA. GRAVIDADE EXACERBADA DA CONDUTA NÃO EVIDENCIADA.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. Por se tratar de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a impetração não deve ser conhecida, segundo a atual orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal - STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça - STJ. Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
2. Em vista da natureza excepcional da prisão preventiva, somente se verifica a possibilidade da sua imposição quando evidenciado, de forma fundamentada e com base em dados concretos, o preenchimento dos pressupostos e requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal - CPP. Devendo, ainda, ser mantida a prisão antecipada apenas quando não for possível a aplicação de medida cautelar diversa, nos termos previstos no art. 319 do CPP.
3. Não obstante tenham as instâncias ordinárias feito menção a elementos concretos do caso, como as circunstâncias do delito e a existência de passagens pela Vara da Infância pela prática de ato infracional análogo ao delito de tráfico de entorpecentes, verifica-se que a quantidade da droga apreendida - aproximadamente 6,55g de maconha - não se mostra extremamente exacerbada, o que permite concluir que a potencialidade lesiva da conduta imputada ao paciente não pode ser tida como das mais elevadas, o que, somado ao fato de não haver nos autos notícias de que o paciente responda a outras ações penais, sendo, a princípio, primário, indica a prescindibilidade da prisão preventiva e a suficiência das medidas cautelares menos gravosas.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para revogar a prisão preventiva do paciente, mediante a aplicação de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal - CPP, a serem definidas pelo Juiz de primeiro grau, observada, ainda, a possibilidade de decretação de nova prisão, devidamente fundamentada, desde que demonstrada concretamente sua necessidade."(HC 525.537/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado em 07/11/2019, DJe 22/11/2019);
"RECURSO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO PREVENTIVA. DECRETO. FUNDAMENTAÇÃO. PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. SUFICIÊNCIA. FIXAÇÃO. NECESSIDADE.
1. As prisões cautelares são medidas de índole excepcional, somente podendo ser decretadas ou mantidas caso demonstrada, com base em elementos concretos dos autos, a efetiva imprescindibilidade da restrição ao direito constitucional à liberdade de locomoção.
2. A decisão que decretou a prisão preventiva está fundamentada no fato de o recorrente já ter praticado, quando menor, um ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas.
3. Não obstante as relevantes considerações realizadas pelas instâncias ordinárias, as demais circunstâncias descritas nos autos revelam que a aplicação de medidas alternativas à prisão se mostram suficientes a evitar a reiteração delitiva, considerando-se o fato de tratar-se da apreensão de 41,8 g de maconha, 14 g de pastabase e 6 g de cocaína, quantidades que não podem ser consideradas tão elevadas a ponto de justificar o encarceramento preventivo nos termos da jurisprudência desta Corte.
4. Recurso em habeas corpus provido a fim de revogar a prisão preventiva decretada em desfavor do ora recorrente, na ação penal de que tratam os presentes autos,determinando a substituição da custódia por outras medidas cautelares previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, a serem definidas pelo Juízo de primeiro grau, a quem incumbirá a fiscalização e que poderá decretar novamente a prisão, em caso de descumprimento de qualquer uma das obrigações impostas ou por superveniência de motivos novos e concretos para tanto, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal."(RHC 119.783/MS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2020, DJe 12/03/2020).
Ante o exposto, defiro o pedido de liminar, a fim de revogar a prisão preventiva imposta ao paciente, mediante a aplicação de medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP, a critério do Juízo de primeiro grau.
Solicitem-se informações ao Juízo da 1ª Vara Criminal de Guarapari/ES, a serem prestadas, preferencialmente, por meio da Central do Processo Eletrônico (CPE) do STJ.
Após, encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal para parecer
Publique-se. Intimem-se
Brasília, 19 de fevereiro de 2024.
Ministro Ribeiro Dantas
Relator
(STJ - HABEAS CORPUS Nº 889046 - ES (2024/0033657-0), RELATOR : MINISTRO RIBEIRO DANTAS, 5ª Turma, Dje: 20/02/2024)
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