STJ Abr25 - Desclassificação de Falsidade de Documento Público para Documento Particular - Consecutiva Prescrição

  Publicado por Carlos Guilherme Pagiola (meu perfil)

DECISÃO

LEILA CXXXXXX alega ser vítima de coação ilegal em decorrência de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul no Habeas Corpus n. 0013045-68.2017.8.12.0001.

Consta dos autos que a recorrente foi denunciada pela suposta prática do crime de falsidade ideológica em documento público. A defesa busca o trancamento do processo penal com base em três argumentos: inépcia da denúncia, prescrição da pretensão punitiva e ausência de justa causa. Quanto à alegada prescrição, a defesa sustenta que os documentos possuem natureza particular, sendo a pena máxima prevista para o delito de 3 anos de reclusão, o que atrairia a incidência do prazo prescricional de 8 anos, conforme o art. 109, IV, do Código Penal.

Argumenta que os recibos foram emitidos pela Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul (APEF/MS), pessoa jurídica de direito privado, de modo que não configuram documentos públicos. Afirma que, tendo os fatos ocorrido nos dias 2/5/2013 e 21/5/2013, e o recebimento da denúncia se dado apenas em 24/4/2024, estaria configurada a prescrição da pretensão punitiva estatal. A defesa requer, assim, a concessão da ordem para que seja declarada a extinção da punibilidade com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva.

O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso ordinário (fls. 2.913-.2915).

Decido.

O Tribunal ao apreciar o pedido de trancamento pela ocorrência da prescrição da pretensão punitiva assim se manifestou (fls. 2866-2867, destaquei):

[...] Inicialmente, a alegada prescrição não se verifica. Isso porque, de uma simples leitura da denúncia, percebe-se que os documentos aos quais a exordial se reporta tratam-se de documentos públicos, uma vez que os delitos teriam ocorrido no âmbito da Fundação Municipal de Esportes (FUNESP), da qual a paciente era Diretora-Presidente, envolvendo verbas destinada ao projeto “Geração de Campeões”, portanto, verba pública. O art. 299 prevê pena de 1 a 5 anos se o documento é público, e o parágrafo único ainda preceitua que se o agente é funcionário público, a pena aumenta de sexta parte. Vejamos: [...] Logo, tem-se que a prescrição, em abstrato, ocorreria com o decurso de 12 anos, a teor do que prevê o art. 109, inciso III, do Código de Processo Penal. Ocorre que, no presente caso, segundo a denúncia, os fatos imputados à paciente ocorreram nos anos de novembro/2013 a março/2014, portanto, prescreveria, na melhor das hipóteses, em novembro/2025. Contudo, a denúncia foi recebida em 26/4/2024 (p. 2816/2820), interrompendo-se o prazo prescricional. Não há, portanto, falar em prescrição

A defesa, por sua vez, afirma que os documentos indicados na denúncia têm natureza particular, sendo a pena máxima prevista para o delito de 3 anos de reclusão, o que atrairia a incidência do prazo prescricional de 8 anos, conforme o art. 109, IV, do Código Penal. Sustenta que, segundo a acusação, os recibos foram emitidos pela Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul (APEF/MS), pessoa jurídica de direito privado, de modo que não configuram documentos públicos.

Para a correta solução da controvérsia, impõe-se a análise da natureza jurídica dos documentos que constituem o objeto material do crime imputado à paciente, pois tal classificação determinará o quantum da pena máxima cominada ao delito e, por conseguinte, o prazo prescricional aplicável. Assim, os documentos mencionados pela acusação são recibos de pagamento emitidos pela Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul (fls. 60-61), e os cheques a eles correspondentes (fls. 110-111), nos quais teriam sido inseridas informações ideologicamente falsas por indução da paciente.

Os recibos não têm timbre ou identificação de terem sido emitidos por órgão público, e possuem o seguinte teor:

Eu, TIAGO XXXXXXX XXXXXX declaro que recebi da Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul – APEFMS, a importância de R$ 1.150,00 (Hum mil cento e cinquenta reais) aos serviços prestados como Monitor no Projeto Gerações de Campeões, referente aos meses de março e abril". (Recibo 75/13 – fl. 60. Com data em 02 de maio de 2013). Eu, TIAGOXXXXXXX declaro que recebi da Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul – APEFMS, a importância de R$ 1.000,00 (Hum mil reais) aos serviços prestados como Monitora no Projeto Gerações de Campeões, referente ao mês de abril". (Recibo 33/13 – fl. 61. Com data em 21 de maio de 2013). Da análise dos referidos recibos, e pelo teor da acusação, presume-se que foram emitidos pela APEF/MS.

Embora se refiram a serviços prestados em projeto financiado com recursos públicos, os documentos em si não emanam da administração pública, mas sim de entidade privada. O Laudo Pericial acostado aos autos esclarece que "não é possível constatar adulterações documentais como, por exemplo: rasuras, emendas, decalque, montagens, nem verificar certos aspectos do grafismo fundamentais ao exame grafotécnico", sendo a falsidade relativa às assinaturas apostas nos referidos recibos (fls. 171-172).

A distinção entre documento público e particular, para fins de tipificação penal, reside fundamentalmente na sua fonte de emissão. Documento público é aquele elaborado por funcionário público no exercício de suas funções, conforme previsão legal. Já o documento particular é aquele emanado de pessoa ou entidade privada.

No caso concreto, os recibos que teriam sido ideologicamente falsificados foram emitidos pela Associação dos Profissionais de Educação Física de Mato Grosso do Sul, pessoa jurídica de direito privado, caracterizando-se, portanto, como documentos particulares para os fins penais, independentemente de seu posterior uso em prestação de contas de projeto que pudesse envolver verbas públicas.

Nesse sentido, impõe-se reconhecer que a falsidade ideológica imputada à paciente, por ter como objeto material documentos de natureza particular, atrai a aplicação da pena de reclusão de 1 a 3 anos prevista no preceito secundário do art. 299 do Código Penal. Consequentemente, o prazo prescricional aplicável à espécie é de 8 anos, nos termos do art. 109, IV, do Código Penal, que estabelece:

"Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; ".

Considerando que os fatos delituosos haveriam ocorrido em 2/5/2013 e 21/5/2013, e o recebimento da denúncia apenas em 24/4/2024, constata-se o transcurso de lapso temporal superior a 8 anos entre a data dos fatos e o marco interruptivo da prescrição (recebimento da denúncia), de modo a configurar-se, assim, a prescrição da pretensão punitiva estatal. À vista do exposto, dou provimento ao recurso ordinário para declarar a extinção da punibilidade da paciente Leila Cardoso Machado, em relação ao crime de falsidade ideológica (art. 299, parágrafo único, do Código Penal), com fundamento nos arts. 107, IV, e 109, IV, ambos do Código Penal, em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal. Comunique-se às instâncias ordinárias, com urgência, para as providências cabíveis. Publique-se e intimem-se.

Relator

ROGERIO SCHIETTI CRUZ

(STJ - RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 199954 - MS (2024/0226762-6) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Publicação no DJEN/CNJ de 14/04/2025)

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